Relato

Feirense relata momentos de terror no Rio Grande do Sul: “Achei que iria morrer afogada”

Veja detalhes da viagem que mostram a calamidade em que o estado gaúcho ficou e o desespero que a família passou até retornar para casa. 

09/05/2024 às 11h00, Por Jaqueline Ferreira

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Lula no Rio Grande do Sul
Foto: Ricardo Stuckert / PR

A feirense Tayane Canuto de Araújo Barbosa, de 25 anos, acompanhou de perto o desespero dos transtornos causados pelas chuvas no estado do Rio Grande do Sul. No dia 30 de abril, a engenheira chegou à cidade de Gramado para comemorar seu aniversário de dois anos de casamento com o esposo e a sogra. Desde o dia 29, temporais e chuvas fortes deixaram o estado devastado, com mais de 1,4 milhão de pessoas afetadas e 105 mortes até agora.

Tayane Canuto - Rio grande do sul
Foto: Arquivo Pessoal

Ao Acorda Cidade, Tayane contou detalhes da viagem que mostram a calamidade em que o estado gaúcho ficou e o desespero que a família passou até retornar para casa. 

Tayane Canuto - Rio grande do sul
Foto: Arquivo Pessoal

Dia 30 de abril

Ainda no avião com destino ao Rio Grande do Sul, Tayane revelou que houve muita turbulência. Assim que chegaram, uma chuva muito forte começou, mas eles acreditaram que poderia cessar. Buscaram o carro alugado na locadora e seguiram para Gramado sem nenhuma intercorrência. 

Feirenses ilhados no RS
Foto: Arquivo Pessoal

“Pegamos o carro, fomos para Gramado. Foi tudo tranquilo na estrada, muita chuva, mas conseguimos chegar em paz. Ao longo dos outros dias a gente viu que a situação foi se agravando, não tivemos mais como fazer os passeios que a gente tinha planejado. Começou tudo a fechar, avisavam na rede social que não estaria aberto por conta das fortes chuvas. Então a gente começou a alterar nosso roteiro todo. A gente ainda fez algumas coisas que já estavam pagas, visitamos alguns museus, aproveitamos alguns restaurantes. Mas a gente sentiu um clima diferente na cidade”.

Tayane Canuto - Rio grande do sul
Foto: Arquivo Pessoal

Neste dia, o governador do estado, Eduardo Leite, já tinha garantido apoio federal para as ações de socorro com o presidente Lula. A Força Aérea Brasileira (FAB) foi acionada e disponibilizou dois helicópteros para resgate. 

Governador Eduardo Leite
Foto: Secom/Maurício Tonetto

Segundo Tayane, na primeira noite já foi possível perceber bombeiros passando para socorrer acidentados nas estradas. Ao passar pelos lugares, hotéis, restaurantes que ainda estavam abertos, a família perguntava aos funcionários como estava a situação e o relato era desolador. 

“Notícias de que a família tinha perdido a casa, de que a família estava desabrigada, porque a maioria deles não mora ali em Gramado em si. Moram nas cidades vizinhas. Gramado é uma região de serra, é a região mais alta da serra. Então lá ainda não tinha acontecido muitas coisas. Então a gente não estava tendo essa visão da gravidade da situação. Mas nas cidades vizinhas mais baixas já estava acontecendo muita coisa.” 

No dia 1º de maio, a previsão da Defesa Civil do estado era que o volume de chuvas continuasse elevado até sexta-feira (3). Já haviam oito pessoas mortas desde o dia 29. 

Com o passar dos dias, o número de funcionários e turistas no hotel em que a família estava foi diminuindo. Ao perceberem a gravidade da situação, eles resolveram partir para Porto Alegre para antecipar o voo. Um amigo que já havia viajado para a região, indicou uma estrada de chão e um hotel para que eles conseguissem chegar à cidade com uma maior segurança, já que várias estradas estavam sendo fechadas. 

Feirenses ilhados no RS
Foto: Arquivo Pessoal

“Deu tudo certo, na estrada a gente viu alguns deslizamentos de terra, alguns postes caindo, eu fiz vídeo de todos esses momentos. Mas graças a Deus a gente conseguiu chegar em paz em Porto Alegre. Quando a gente chegou em Porto Alegre a gente já viu muito congestionamento, alagamentos na parte que a gente entrou na cidade, já estava tendo muito alagamento. Na rua do hotel onde a gente ficou estava seco, foi numa avenida lá enorme, essa avenida estava seca, mas as ruas ao lado que davam acesso a essa avenida estavam todas alagadas. Chegando ao hotel foi difícil de conseguir entrar porque tinha muita gente, só conseguimos porque a gente já tinha reservado pelo aplicativo”. 

Na sexta-feira (3), o Concurso Público Nacional Unificado, previsto para ocorrer no domingo (5), foi oficialmente cancelado em todo o país, devido às intensas chuvas que afetam o Rio Grande do Sul.

Feirenses ilhados no RS
Foto: Arquivo Pessoal

Dia 4 de maio

Já em Porto Alegre, no sábado (4), a família não conseguiu mudar o voo para uma cidade mais próxima, mas confirmaram a partida para terça-feira (7). Tayane relembra que se desesperou e chorou muito ao ver a água subindo próximo ao hotel e ao ver as pessoas desabrigadas passando em barcos. 

Feirenses ilhados no RS
Foto: Arquivo Pessoal

“No sábado pela manhã que eu acordei e que eu vi toda aquela situação, eu chorei muito, eu me desesperei. Eu falei com meu esposo que eu não queria morrer desse jeito. Minha sogra estava com a gente, eu chorei muito. E ele me acalmou e disse que iremos ficar bem. Sábado foi o pior dia das nossas vidas. Passamos o dia presos no hotel, olhando pela janela as pessoas passando em canoas, em carros do exército, carros de energia, jet ski. Algumas estavam caminhando pelas ruas, mesmo cheias de água, pessoas com crianças no colo, cachorrinhos no colo, todos tentando salvar a suas vidas”. 

Feirenses ilhados no RS
Foto: Arquivo Pessoal

No sábado (4), o estado já registrava o número de 56 mortes. Dos 497 municípios gaúchos, 281 já haviam sido afetados pelos temporais. Mais de 8 mil pessoas já estavam em abrigos e quase 25 mil estavam desalojadas.

Mesmo diante da situação, Tayane ressaltou a presteza dos funcionários do hotel em ajudar a todos. O local se tornou um ponto de abrigo. Houve racionamento de alimentação e de energia até a saída deles do estabelecimento, mas acabou dando tudo certo. 

Feirenses ilhados no RS
Foto: Arquivo Pessoal

“Às 18h eles desligaram o gerador e foi a noite mais longa da nossa vida. Não tinha chovido durante o dia, estávamos felizes, nós e o pessoal do hotel. Mas, a partir das 20h choveu a noite toda. Nosso coração começou a ficar muito apertado, a mente também pensando que a gente iria morrer afogado. Outros momentos a gente mantinha a fé e acreditava que Deus iria nos tirar de lá. A gente ia acompanhando a subida da água”, relatou ao Acorda Cidade. 

Dia 5 de maio 

No domingo (5), o térreo do hotel já estava completamente alagado. Não havia mais água potável, não tinha como tomar banho. Foi neste dia que eles conseguiram dar notícias aos parentes que estavam em Feira de Santana, graças a um gerador que existia no estabelecimento.

O número de mortos naquele dia 5 subiu para 78, reforçando o estado de catástrofe ambiental no estado. A última tragédia do tipo ocorreu em setembro de 2023, quando 54 pessoas morreram por conta do ciclone extratropical. 

Lula no Rio Grande do Sul
Foto: Ricardo Stuckert / PR

Também no domingo, uma comitiva com o presidente Lula desembarcou na Base Aérea de Canoas (RS) para acompanhar as operações de resgate e assistência às vítimas. 

Para sair do hotel, Tayane e a família enfrentaram resistência por medo de abandonar um local seguro, mas também ficaram intimidados com o volume de água subindo. Um amigo orientou para que eles saíssem de canoa ou em um carro maior para serem resgatados em um local seco. 

Assim a família fez, pegando carona em um carro de uma empresa de energia. Deixaram duas malas para trás, além do carro alugado, pois já estava rodeado pela água. 

Feirenses ilhados no RS
Foto: Arquivo Pessoal

“Nesse carro a gente via pessoas de outros hotéis, estavam chorando, desesperadas, tendo crises de ansiedade, o desespero foi muito grande. Mas, a gente conseguiu sair do hotel. Em muitos momentos pensamos que iríamos parar porque a água já estava cobrindo os pneus, mas começamos a orar. No caminho a gente viu pessoas andando em meio a água, carros atolados, flutuando. Foi uma cena de filme mesmo”. 

Voltando para casa

Chegando em solo seco, foi um momento de alívio e esperança. Eles encontraram voluntários distribuindo alimentos, água e estavam felizes ao ver pessoas chegando com vida. Para além da tragédia, um momento que marcou foi a solidariedade das pessoas. O rapaz que levou a família até um outro ponto para serem deslocados ao aeroporto não quis ser remunerado e ressaltou que o importante era ‘todos chegarem bem’. 

“A gente viu o amor no ser humano, o cuidado de um com o outro”. 

Para sair da cidade houve muita tensão. Foram 40km de estrada em 3h. Muitas pessoas precisavam sair da cidade e eles receberam a notícia de que uma barragem havia rompido. 

Feirenses ilhados no RS
Foto: Arquivo Pessoal

“Começaram a passar ambulância, carro dos bombeiros, exercício. Sirenes o tempo todo, terror. Mas conseguimos chegar em Florianópolis em segurança. Fomos hospedados por um casal amigo do meu esposo”. 

Já em Florianópolis, eles apelaram para a empresa aérea trocar o voo para a cidade e conseguiram sair em segurança. Durante os dias de caos, entre domingo e segunda foi o primeiro dia em que a família realmente ficou mais aliviada com a situação. 

“Lá a gente viveu momentos de terror, mas também alguns momentos bons. A gente fez muita amizade lá. A gente pegou o contato de todas as pessoas, as redes sociais. Conheci pessoas do Espírito Santo, do Curitiba, de Chapecó. E de cidades lá do Rio Grande do Sul mesmo, cidades que não foram afetadas. E a gente está em contato com essas pessoas. E recebemos a notícia de que eles estão bem, graças a Deus. Tivemos a notícia que o rio continuava subindo, outras regiões foram afetadas. A coisa é muito séria, muito séria mesmo. Muitos não tiveram a mesma sorte que nós de conseguir sair. Muitos estão somente com a roupa do corpo. Estão lá nos abrigos de Porto Alegre, dormindo e acordando, sem saber como voltarão para as suas casas. Tristes porque perderam familiares, parentes. Então a gente está feliz por estar bem, mas estamos aqui com o coração aflito, orando muito por quem está lá e pedindo muito a Deus que essa situação passe, que as pessoas consigam recuperar as suas coisas e que elas consigam ter os familiares bem, os familiares vivos, que é o que mais importa nesse momento”. 

Dia 7 de maio

Na terça-feira (7), Tayane já estava segura em Feira de Santana. A família que passou pela situação segue agora buscando formas de ajudar as pessoas que ainda estão enfrentando os transtornos no Rio Grande do Sul. 

Desde o dia 29 de abril, o estado ainda não conseguiu baixar consideravelmente o volume de água em vários municípios. Na manhã de terça (7), 388 cidades gaúchas estavam afetadas, quase 80% de todo o estado. 

Rio Grande do Sul
Foto: Reprodução/g1

“Eles estão precisando muito de água. Porque lá eles estão sem água potável. Eles não tem o que beber. Acabou a água nos mercados. As águas estão todas sujas. Então, eu tenho um contato desse rapaz que nos ajudou. E ele está fazendo uma coisa muito linda lá. Ele está ajudando na região de Gramado. Ele pediu para a gente enviar roupas, comida, água, fralda pelo Sedex”. 

As doações podem ser endereçadas para Rua Josias Martim, nº 415/1, Bairro Moura, Gramado. Valores podem também podem ser doados via pix através da  chave CNPJ 4381-3926-000109, em nome de Anderson da Conceição Inácio.

Se você é de Feira de Santana e região, veja como doar aqui.

Ouça o relato da feirense Tayane Canuto:

Programa Acorda Cidade · Feirense relata momentos de terror no Rio Grande do Sul: “Achei que iria morrer afogada”

Acompanhe o resumo pelo Instagram:


Com informações da jornalista Iasmim Santos do Acorda Cidade

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  1. Tay, querida sobrinha, ficamos todos com o coração apertadinho aqui, e agora felizes por vocês terem voltado sãos e salvos e com certeza pessoas melhores. Porque ninguém passa por uma situação dessas e não cresce. Deus os abençoe!

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