Cooperação Internacional

O Caso Figón: feminicídio e imunidade diplomática

Funcionário diplomático da Embaixada espanhola em Brasília, Figón é acusado de ter matado sua mulher Rosemery Justino Lopes, de 50 anos, a facadas. O fato ocorreu em 12 de maio de 2015 na capital capixaba.

17/12/2017 às 05h58, Por Juvenal Martins

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Por Vladimir Aras

Turma do STJ cassou decisão cautelar do Tribunal de Justiça do Espírito Santo que impedia o diplomata Jesús Figón Leo de deixar o País. Foi relator o min. Néfi Cordeiro.

O provimento do STJ foi adotado em dezembro de 2017 no julgamento do RHC 87.825/ES, interposto pela defesa. A decisão da 6ª Turma foi unânime e se baseou na percepção de que, se a fixação da cautelar visava a evitar fuga do diplomata e a assegurar a aplicação da lei penal brasileira, tal motivo não se justificava porque a Espanha não autorizara a execução penal no Brasil.

Funcionário diplomático da Embaixada espanhola em Brasília, Figón é acusado de ter matado sua mulher Rosemery Justino Lopes, de 50 anos, a facadas. O fato ocorreu em 12 de maio de 2015 na capital capixaba.

Figón, que alega ter agido em legítima defesa, foi pronunciado pela Justiça estadual e aguardava no Brasil o trânsito em julgado da decisão de pronúncia para ir a julgamento pelo tribunal do júri de Vitória por homicídio simples (art. 121 do CP), sem a qualificadora do feminicídio (§2º, inciso VI, do CP), introduzida pela Lei 13.104/2015.

O diplomata foi afastado de suas atividades mas continuava gozando das imunidades previstas na Convenção de Viena de 1961 (Decreto 56.435/1965). Entre elas, uma das mais importantes é a do art. 31.1: “o agente diplomático gozará de imunidade de jurisdição penal no Estado acreditado”.

Em 2015, a Espanha somente renunciou à imunidade jurisdicional para o processo penal contra Figón, mantendo a imunidade de execução penal. Ou seja, se Figón vier a ser condenado, terá de cumprir na Espanha a pena eventualmente aplicada aqui.

Com a permissão dada pelo STJ, Figón poderá deixar o Brasil. Com isto, os atos pessoais de comunicação processual, inclusive sua intimação para o júri que será designado, dependerão de pedidos de cooperação internacional, a serem enviados à Espanha ou ao país onde o diplomata réu vier a ser acreditado.

Estando solto, sua ausência não impedirá a sessão de julgamento em Vitória, uma vez que o art. 457 do CPP admite o júri de “cadeira vazia”.

Art. 457. O julgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido regularmente intimado.

De todo modo, o acusado pode ser intimado pela Justiça brasileira a telecomparecer, a fim de participar da sessão do júri por videoconferência, conforme permite o art. 17 do Acordo de Cooperação e Auxílio Jurídico Mútuo em Matéria Penal entre o Brasil e a Espanha (Decreto 6.681/2008).

Figón poderá também ser transferido voluntariamente ao Brasil, apenas para tomar parte da sessão do júri (art. 15 do mesmo tratado). Esse tipo de transferência para comparecimento não se confunde com extradição: é sempre temporária e voluntária e acobertada por salvo-conduto. Creio que, pela posição sempre colaborativa das autoridades diplomáticas espanholas para com o Brasil, esta saída venha a se concretizar.

Em caso de condenação no Brasil, a Espanha provavelmente não renunciará à imunidade diplomática para a execução penal, dadas as condições lamentáveis da maior parte do sistema prisional brasileiro.

Diz o art. 29 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas:

Artigo 29. A pessoa do agente diplomático é inviolável. Não poderá ser objeto de nenhuma forma de detenção ou prisão. O Estado acreditado trata-lo-á com o devido respeito e adotará tôdas as medidas adequadas para impedir qualquer ofensa à sua pessoa, liberdade ou dignidade.

Alternativas para o tratamento do caso

Então, diante da decisão do STJ, há três opções para o tratamento do caso:

1. Se o acusado estiver no Brasil por ocasião do trânsito em julgado, o que é pouco provável, a execução poderia ser ordenada no Brasil para início imediato na Espanha.

Brasil e Espanha têm tratado de transferência de condenados há quase duas décadas (Decreto 2.576/1998) e estão em vigor os artigos 103-105 da Lei 13.445/2017.

A transferência de presos entre as duas nações é a mais intensa, considerados todos os países com os quais o Brasil coopera, tanto na assistência ativa quanto na passiva.

Porém, esta medida só tem lugar quando a pessoa já está cumprindo pena numa nação e pede sua transferência ao país de sua nacionalidade ou residência habitual. Dificilmente, este cenário se apresentará.

2. A segunda opção, mais viável que a anterior, é obter a condenação de Figón no Brasil e requerer à Espanha o reconhecimento da sentença penal condenatória brasileira, para fins de execução.

A partir da vigência da Lei 13.445/2017, o Brasil pode dar reciprocidade nesses casos (arts. 100 a 102). Em tal hipótese, transfere-se apenas a sentença para cumprimento no exterior, não sendo necessária a presença do sentenciado em território brasileiro.

O tratado bilateral hispano-brasileiro em assuntos penais, internalizado pelo Decreto 6.681/2008não é aplicável (art. 1.4.b), mas pode-se adotar solução de reciprocidade, sem prejuízo do art. 31.4 da Convenção de Viena de 1961.

3. A terceira opção, mais rápida que as demais, é enviar o processo desde já para que a Espanha julgue Figón por feminicídio, perante o juízo criminal competente, junto à Audiência Nacional em Madrid. Trata-se aqui da transferência de processo penal.

Nos termos do art. 31.4 da Convenção fe Viena de 1961, a imunidade de jurisdição de um agente diplomático no Estado acreditado (Brasil) não o isenta da jurisdição do Estado acreditante (Espanha). Logo, Madrid tem jurisdição extraterritorial sobre o crime em questão.

Neste caso, o tratado de apoio para a transferência da causa e das provas, assim como para a oitiva de testemunhas residentes no Brasil, será o acordo bilateral de assistência penal entre o Reino da Espanha e o Brasil, promulgado aqui pelo Decreto 6.681/2008. Seu art. 22 regula a matéria.

Conclusão

Caberá ao Ministério Público do Espírito Santo promover a solução e à Vara do Júri de Vitória decidir que caminho seguir para que esse suposto feminicídio (na verdade, um fato classificado como mero homicídio simples) seja julgado e, em caso de condenação, fazer cumprir a pena. Obviamente, somente o júri poderá afastar a presunção de inocência do acusado.

Imunidade diplomática não é sinônimo de impunidade. Por ora, ainda cabe à justiça capixaba decidir se Figón é culpado ou inocente. Mecanismos de cooperação internacional podem ser acionados para que a Espanha o julgue em sua jurisdição ou que execute eventual condenação alcançada no Brasil.

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