Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas

Indígena relembra costumes tradicionais da adolescência na aldeia: "Não sabia que existia pizza"

Defender a tradição dos povos indígenas é de suma importância para a preservação do valor histórico e social do país.

07/02/2024 às 15h24, Por Maylla Nunes

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Foto: Ed Santos/ Acorda Cidade

O dia 7 de fevereiro, marcado como o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas foi instituído para trazer à tona a valorização dos povos originários do Brasil. Defender a tradição é de suma importância para a preservação do valor histórico e social do país.

Nos dias atuais, os povos indígenas têm conquistado cada vez mais os seus espaços na sociedade, estudando, trabalhando, ou ocupando cargos de prestígio no poder executivo e legislativo.

Porém, a luta pelo reconhecimento ainda não acabou. E não há ninguém melhor para falar sobre a valorização dos povos originários, do que quem pôde vivenciar os costumes e as contribuições únicas dessas comunidades.

O Acorda Cidade conversou com o empresário Bruno Pereira dos Santos, de 28 anos, atualmente morador de Feira de Santana e indígena nato. Nascido e criado até a adolescência em Camacan, em uma aldeia no distrito de Jacarecide, chamada de Córrego do Cedro, localizada no Sul da Bahia, e parte do povo Pataxó hã hã hãe, ele contou detalhes da convivência com a família, além da valorização das novas gerações aos povos indígenas.

Inicialmente, Bruno Pereira destacou a sua rotina na aldeia, longe do acesso à tecnologia e inteiramente ligada à natureza, mantendo os costumes da pesca e da agricultura para a sobrevivência.

Aldeia Córrego do Cedro
Foto: Arquivo Pessoal

“Era uma convivência basicamente rural, muito tranquila porque tinham muitas coisas que eu não conhecia, não sabia e como meu mundo era aquilo, para mim era uma convivência boa. Eu não sabia que existia internet, pizza, telefone, coisas desse tipo e minha vida era na prática agrícola e pecuária, não tinha muitas coisas para me preocupar. À noite era o nosso momento de confraternização e descanso. Então, a partir das 18h não fazíamos mais atividades laborais, passou desse período, costumávamos nos reunir na casa de um ou de outro ou em um lugar maior, sempre há uma tenda maior para a gente se reunir. Lá conversávamos e depois dormíamos cedo já que nosso ciclo se inicia a partir das 5h. A maioria dos indígenas ainda trabalha com agricultura e pecuária, então, se você quer trabalhar nessas áreas, é preciso acordar bem cedo. A caça é algo que fazemos apenas de vez em quando, mas como algo esportivo, para manter a cultura, já que criamos animais lá”, relatou.

Rotina

A rotina, segundo Bruno, era tranquila e acompanhada de muitos festejos, além de conversas com a família e amigos. Porém, ainda na adolescência, houve uma mudança na sua realidade, após a separação dos seus pais. Foi daí, que segundo ele, conheceu o que nem imaginava que existia.

“A minha mãe se separou do meu pai quando eu ainda era criança e os dois tomaram rumos diferentes. Tanto que hoje, meu pai mora em São Paulo e minha mãe mora aqui perto. Como eu era muito apegado a minha mãe, eu saí junto com ela, então, logo comecei a descobrir muitas coisas que eu não fazia ideia que existia e foi um pouco chocante, porque muitas coisas você não sabe que precisa até você ter e descobrir que de fato, você precisa”.

Samado Bispo
Fundador da Aldeia Córrego do Cedro, Samado Bispo e bisavô de Bruno | Foto: Arquivo Pessoal

Mesmo já habituado com a rotina e a vida na zona urbana, alguns costumes ficaram guardados na memória, a exemplo, das confraternizações e da medicina utilizada pelos familiares. Bruno reforçou que mesmo na atualidade, utiliza de remédios naturais para situações do cotidiano.

“Povos indígenas, no modo geral gostam muito de comida e de festa, então, em várias épocas do ano temos festas, tem festas que fazemos entre povos, temos a cultura de manter a memória dos nossos ancestrais também, que é uma forma de mantê-los em nós e temos cânticos em louvor à natureza ou algo que foi dado para a gente por ela, além da medicina feita dentro da aldeia, tanto que atualmente, eu quase não tomo remédios. Dor de barriga, dor de cabeça não temos remédios. A minha avó me criou basicamente à base de remédios naturais. Se eu estava por exemplo com verme, ela me dava mastruz com leite ou com alho. Se eu estivesse com dor de cabeça, ela mandava eu beber água, comer alguma coisa e dormir. Se eu estivesse com febre, ela mandava eu tomar banho e tomar um suco feito por ela mesmo, com as folhas que ela tinha, ou os chás, então, há esse costume ainda de ter uma medicina natural, de ter essa festa, essa celebração pelas coisas que a natureza nos dá”.

Atuando como empresário e fabricante de móveis artesanais, Bruno ainda utiliza em seu cotidiano, os costumes que aprendeu na Aldeia Córrego do Cedro. Apesar de atualmente vivenciar experiências novas, a sua família ainda permanece com os costumes tradicionais, sem o auxílio da tecnologia, ou de produtos que não sejam de origem natural.

Ainda em entrevista ao Acorda Cidade, o indígena frisou que demorou a se acostumar com os hábitos da cidade.

“Muitas coisas, mesmo fora da aldeia, eu tento manter. Tanto que hoje, meu trabalho é artesanal, trabalho fabricando móveis, tecnicamente sou um artesão. A minha família, da minha geração, está basicamente toda fora da aldeia, ou estão estudando, ou trabalhando, mas mesmo assim tentamos manter o contato uns com os outros e de tempos em tempos eu retorno lá para ver o restante da família. Há a pessoas que continuam lá, continuam tendo a mesma vida que eu tinha antigamente. No começo a transição da aldeia para a cidade foi estranha, assustadora porque achava as pessoas de fora da aldeia agressivas, selvagens e lá não tínhamos esse costume. Na aldeia temos o costume de lutar, mas contra caçadores de terra, pessoas que identificamos como ruins, mas aqui, você não espera que uma pessoa que more na sua rua venha a fazer algum mal a você ou vá brigar com você por algum motivo. Isso foi um pouco chocante, mas eu já me acostumei e evito ao máximo entrar em confusão”, destacou.

Conflitos

Apesar de manter as tradições originárias, nem tudo são “flores” na convivência de aldeias indígenas. Recentemente, um conflito envolvendo fazendeiros em uma ocupação levou a uma indígena morta e outros dois indígenas baleados (veja mais aqui). De acordo com Bruno, esta é uma realidade que ainda acontece com o seu povo, desde a origem da aldeia, em 1939.

“A maioria das pessoas não têm acesso à essa informação, mas recentemente um grupo de indígenas do meu povo, porque meu povo se divide em três aldeias diferentes, a minha, a Caramuru Paraguassu que são duas que por serem vizinhas se tornam uma só; e recentemente teve um incidente entre esse povo e alguns fazendeiros do Sul da Bahia. É uma coisa que permanece desde que a aldeia foi fundada, em 1939”.

Valorização

Bruno Pereira e esposa
Foto: Arquivo Pessoal

Atualmente casado e pai de dois filhos, Bruno Pereira tenta ensinar às novas gerações a importância da preservação e valorização indígena mediante as suas ancestralidades. No entanto, para que essa influência ocorra de maneira natural, segundo ele, é preciso conviver com a cultura para assim descobrir a história e os direitos de um povo.

Filhos de Bruno Pereira
Foto: Arquivo Pessoal
Filhos de Bruno Pereira
Foto: Arquivo Pessoal

“Tenho um certo problema em colocar na cabeça dos meus filhos que eles são indígenas, porque para eles, é uma realidade distante. Tanto para quem é ou não indígena, você tenta colocar na cabeça uma cultura e uma história, para a nova geração e parece ser algo muito distante. É como você falar para uma criança sobre a preservação dos leões, das baleias, sendo que elas nunca os viu de perto. É algo que precisa ser feito de forma natural, como se fizesse parte da gente, até porque infelizmente, os indígenas são tratados como algo distante. Quando pensa indígena, pensa em lugares distantes, pessoas peladas e pintadas, mas não é”.

Bruno Pereira finalizou reforçando que é dever de toda a população, reconhecer a importância desta comunidade na defesa da natureza e do senso de pertencimento.

“Acho que é importante dar um senso de pertencimento a nós indígenas. Por mais que a gente se movimente para um lado para o outro, a partir do momento que você procura preservar sua raiz, sua cultura você terá um lugar para você voltar, você sabe que pertence há algum lugar e é a história do nosso país, não tem como embalar e jogar fora assim como se mantém as histórias dos vikings, dos samurais, dos reis da África, dos índios americanos. Eu acho importante que consiga manter a nossa história porque é o que a gente é. Por exemplo, se você buscar através da ancestralidade, descobrirá que teve um indígena na sua família. Qualquer brasileiro hoje em que a família não veio diretamente da Europa, tem alguma coisa indígena, então, se você dispensa isso, você dispensa seu sangue”, refletiu.

Com informações do repórter Ed Santos do Acorda Cidade

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  1. Antigamente que era bom meus caros índios. Quando as pessoas eram diferentes e apenas uma minoria era errada, hoje a maioria só quer dinheiro passando por cima de todos…

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