Feira de Santana

'Tem que construir presídio não é na cidade, é no meio do Sertão, para bandido sentir o bafo do satanás no ouvido', desabafa tenente-coronel Lobão

O tenente-coronel salientou que a comunidade pode usar vários mecanismos para denunciar os crimes, onde terá seu anonimato mantido.

27/04/2022 às 15h28, Por Rachel Pinto

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Rachel Pinto

Conhecido pela sua postura incisiva e muito enérgica de combate à criminalidade, o tenente-coronel Hildon Lobão, comandante da 67ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM), concedeu uma entrevista exclusiva na manhã desta quarta-feira (27) ao Acorda Cidade, e falou sobre o trabalho na zona rural de Feira de Santana. Ele fez um desabafo sobre o cenário atual da Justiça brasileira, bem como a frouxidão nas leis, além das limitações diárias no trabalho das forças de segurança.

Lobão comentou também sobre a expansão do tráfico de drogas, as guerras de facções e como essa realidade impacta toda a sociedade, refletindo em crimes, na participação de crianças e adolescentes e criando um cenário de guerra.

Segundo ele, em Feira de Santana, há a atuação forte de dois traficantes nos distritos de Humildes e São José, e a polícia está trabalhando com o intuito de alcancá-los. Há vários crimes atribuídos à guerra de facções criminosas e muitos se destacam pela grande violência.

“Tivemos homicídios em Humildes e em São José, onde nós tivemos a ascensão de um traficante altamente truculento. No ano passado matou um rival dele, que devia a ele a droga, a pedradas. Um fato de uma truculência tamanha. Essas mortes buscam reforçar a hegemonia do poder do tráfico dele, que ele é o traficante, agora o líder de lá. E em Humildes, o pessoal ligado a um traficante mata o pessoal ligado ao outro. E aí a Polícia Militar é praticamente inócua nas suas ações. Porque nós estamos a patrulhar, nós conhecemos quase todos os marginais e traficantes, mas nós não sabemos no dia a dia, diuturnamente, onde estão esses marginais, e a sociedade sabe. Mas a sociedade só denuncia quando dói no pé dela, quando morre o traficante, quando morre o aviãozinho, fica todo mundo calado, mas quando começam os roubos a celular, quando morre o inocente, vem denunciar, ao invés de auxiliar antes a Polícia Militar”, afirmou.

O tenente-coronel salientou que a comunidade pode usar vários mecanismos para denunciar os crimes, onde terá seu anonimato mantido.

Drogas nas escolas

Hildon Lobão declarou ainda que enxerga como um sério problema o avanço das drogas nas escolas, principalmente da zona rural. Para ele, os pais hoje não têm mais ação sobre os filhos e os adolescentes acabam ultrapassando muitos limites.

“Na semana passada, em uma escola de Bonfim de Feira, quando nós chegamos lá, as meninas estavam completamente drogadas, meninas de 12, 13 anos. Em outro caso, o Cicom fez o deslocamento de uma viatura, pois um filho de 13 anos ligou porque o pai tinha dado uma surra nele, aí eu assumi a situação. Eu cheguei lá, o menino não estudava, não ia para a escola tinha três meses, usando drogas, batendo na mãe, aí o pai tinha razão mesmo, e ele chamou a polícia para prender o pai, imagine em que ponto essa sociedade está. As leis descriminalizaram as drogas para tornar menor potencial ofensivo, ou seja, a gente prende o traficante, amanhã ele tá solto, aí o pessoal fala que é o Judiciário. Não é o Judiciário, são as leis, que permitem a mulher do traficante, do assaltante, do assassino ir para dentro dos presídios fazer cópula lá dentro. Criou-se o bolsa presidiário, onde é 950 reais para cada filho, e cada presidiário pode receber cinco, então ser criminoso hoje é uma boa coisa”, lamentou.

Ainda no seu desabafo, o tenente-coronel declarou que diante de toda esta problemática, a polícia também sofre as consequências de ser vista como um mecanismo que precisa resolver tudo, inclusive os crimes que são gerados por problemas sociais que estão impregnados na constituição da sociedade. Ele relatou que diante de tantas preocupações, ele chegou a ter um um AVC transitório e úlceras. Além disso, em tom desanimador, ele frisou que a sensação é de que há uma guerra que está sendo perdida pela polícia.

“A gente está perdendo a guerra. A gente tira um traficante hoje, já aparecem três amanhã. Eu mudei minha tática, vou fazer até minha culpa aqui. Antigamente quando eu pegava um rapazinho de 15, 16 anos, que estava traficando, eu descia a madeira, levava para a delegacia, fazia e acontecia. Depois eu reparei que esses meninos são vítimas, mas vítimas de quem? De quem financia o tráfico, que é quem mora na Barra, quem mora na Graça, quem mora nas mansões, na (Avenida) Vieira Souto, em São Paulo, quem mora nas mansões do Rio de Janeiro. Esses caras que são financiadores do tráfico. Aí eu comecei a pegar aqueles meninos e levar até os pais, colocava dentro da viatura e levava, ‘aqui ó, está fazendo besteira’. Pasmem, de 10, 6 a 8 famílias diziam: a gente está comendo do dinheiro que ele traz, a gente comprou televisão com o dinheiro que ele trouxe, a gente comprou esses móveis com dinheiro que ele trouxe. Há uma anuência da própria família em relação às drogas, ao consumo e ao tráfico. O pai e a mãe vêem que o filho está usando drogas, e tudo começa com a maconha, lá nos 12 anos, na escola, e aí se progride para uma pedra, uma cocaína, e os pais estão sabendo que os filhos estão usando, mas não querem incomodar os filhos, porque vão limitá-los, vão incomodá-los, porque vão bater nos filhos, porque os filhos vão brigar, os filhos vão sair de casa. Toda aquela característica de pai rígido, uma mãe rígida, foi por água abaixo, a sociedade é permissiva, nós estamos perdendo a guerra”, acrescentou.

O tenente-coronel pontuou que embora existam tantos problemas, exerce o seu trabalho com muito amor e dedicação e pediu que as famílias sejam mais firmes com os filhos. Além disso, que a população pense com mais criticidade quem irá escolher para seus representantes políticos.

Paredões de som

Sobre as apreensões de equipamentos de som que infringem a Lei do Silêncio e tem sido uma prática muito comum na zona rural, que desencadeia várias operações da Polícia Militar e da prefeitura municipal, principalmente aos finais de semana, Hildon Lobão também avaliou que há fragilidade das leis para coibir este tipo de crime.

“A gente pega, apreende uma quantidade imensa de som, leva esse som apreendido, leva aquele camarada que é dono do som, o que acontece com ele: o Termo Circunstanciado vai para a Justiça, ele paga uma ou duas cestas básicas. Se ele teve dinheiro para gastar 50, 60 mil no paredão, R$ 1.500 para ele não é nada. É complicado, as leis têm que ser fortes, as punições têm que ser rígidas, a família tem que voltar a atuar como família. Me criaram uma tal de audiência de custódia, que é um mecanismo de Justiça maravilhoso, porque os policiais militares, civis, federais, policial a gente sabe, de vez em quando, age com excesso. A audiência de custódia era para isso, para identificar os excessos que foram cometidos durante a prisão e soltar, fazer justiça àquele que foi injustiçado. Mas não, criaram a audiência de custódia, que é o mecanismo de soltar”, opinou.

Para Lobão, a sociedade precisa entender que a segurança pública é uma questão social, é uma questão da família, da igreja, da Justiça, das leis e da polícia. Que não é um grande quantitativo de viaturas que vai resolver a questão dos crimes, por exemplo. Muitos homicídios estão associados a relações internas do tráfico de drogas, das guerras de facções.

“Nós podemos colocar aqui 300 viaturas rodando em Feira, vai ter o homicídio. Porque uma pedra de crack, eu vou botar por baixo, custa R$ 10, o crack tem o efeito de 12 a 20 minutos a depender do estado psicológico da pessoa. O crack é altamente viciante, quem fuma pedra de crack não fuma uma por dia, fuma no mínimo 10, multiplique 10 vezes 10, dá 100, vezes 30 dá R$ 3 mil. Como é que paga? Não paga, aí o traficante tem duas opções: coloca uma arma na mão do usuário e diz para assaltar, ou mata. Como é que a polícia vai coibir isso? Não tem como coibir, porque o submundo a gente não conhece, a gente sabe quem é um traficante. Por exemplo, mataram de ontem para hoje um, se eu não me engano, no matagal. Aquilo é o que? Acerto de tráfico, acerto de roubo. Como a viatura vai saber que tem ali um grupo dentro do mato, atrás de uma empresa? Não sabe. Falta também tecnologia, nós estamos marchando para a era da tecnologia, e está faltando em todo o sistema. A gente tem que fazer uma análise dessas, uma análise cirúrgica, as leis estão frouxas, as punições estão brandas, fora as facilidades que estão dando aos criminosos quando estão presos”, salientou.

O tenente-coronel criticou duramente a bolsa que é paga a famílias de presidiários no Brasil e para ele esse dinheiro em muitos casos acaba potencializando a ocorrência de outros crimes.

“Como é que se paga R$ 980 por cada filho de bolsa? Eu apreendi uma moto na semana passada por estar atrasada. Era legal, de um filho de um traficante, que comprou com o dinheiro público recebido por ele, ele disse que o pai recebe R$ 3.600 por mês, preso. Ele juntou quatro meses de salário do pai e comprou uma moto, e a moto estava atrasada, por isso que eu apreendi. Em Humildes, semana passada, de domingo para segunda-feira, um paredão em um subdistrito, 2h da manhã. O que acontecia antes? É domingo, tome a sua cerveja até 3h da tarde. Mas não, 2h da manhã um paredão carregado de gente tomando cachaça em plena segunda-feira de madrugada. Como combate uma coisa dessas? E um detalhe: três paredões da mesma característica em lugares diferentes. Vai lá, tem uma briga, pega uma arma e mata o outro. ‘O crime está crescendo’, realmente está, e da forma que está indo a polícia vai enxugar gelo”, declarou.

Mudança social e presídios em locais isolados

Enfatizando que as leis precisam ser endurecidas, Hildon Lobão destacou ainda que só haverá mudança social se a sociedade passar por uma transformação na educação, nas famílias e as igrejas participarem mais do processo de conscientização social.

“As leis endurecerem, pena de tráfico de 50 anos, homicídio de 100 anos, bloquear o acesso das mulheres aos presídios. Engraçado que tem agora uma determinação do Supremo que não se pode mais fazer a fiscalização íntima, a mulher vai fazer a visita ao delinquente, ao ladrão, traficante e ela leva pra ele o celular, a droga e não pode ser mais revistada. Deve cortar esse negócio de bolsa família de bandido. Bandido, ilegal tem que sofrer, são as consequências da escolha dele, escolheu ser aquilo, ‘ah, mas foi a sociedade que empurrou’, a sociedade não empurra ninguém. Eu venho de uma família pobre, onde eu vendia mingau, com tabuleiro de mingau na minha cabeça, e eu não virei bandido, apesar de ofertas e ofertas, eu preferi seguir a Lei e servir a Deus. Tem que construir presídio não é na cidade, é no meio do Sertão, para sentir o bafo do satanás no ouvido, aquele bafo quente, aquele calor miserável, tem que pagar pelo que ele faz”, encerrou.

 

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