Economia

Por que o termo 'cidade global' ajuda a entender o mundo de hoje

Conceito cunhado pela geógrafa holandesa Saskia Sassen é usado até hoje por vários setores econômicos e sociais

17/07/2018 às 07h52, Por Maylla Nunes

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As grandes transformações econômicas a partir dos anos 1970 tiveram impactos espaciais, porque modificaram a distribuição da riqueza, o caráter do trabalho e a produção. O período foi marcado ainda por uma grande crise que significou o fim de um longo ciclo de prosperidade das economias centrais iniciada após a Segunda Guerra Mundial — o que modificou totalmente as relações entre os países e seria a base para o surgimento das “cidades globais”, conceito cunhado pela geógrafa holandesa Saskia Sassen.

O ciclo anterior aos anos 1970 havia sido marcado por certa euforia com relação ao futuro, além de ter permitido o surgimento de uma classe média nesses países e do “american way of life”. As crises do petróleo, que já era a principal matriz energética mundial, porém, reforçaram intensamente os problemas já enfrentados na países do centro.

Elas colaboraram para a redução da demanda agregada (o fim do consumo), o aumento do desemprego e o fim do bem-estar social. Isso gerou dois grandes problemas: a dificuldade do Estado continuar financiando seu padrão de políticas públicas de bem-estar, que ficou conhecido como “crise fiscal do Estado”, e uma queda acentuada dos lucros das empresas.

As companhias, então, se reestruturaram usando estratégias de economia de custos. A primeira foi uma estratégia geográfica, que visava transferir a produção para lugares onde o trabalho fosse mais barato, reconstruindo a divisão internacional do trabalho.

“Se as grandes cidades do mundo dos anos 1930 eram sede de tecidos industriais, como Nova York ou Londres, e mesmo nos anos 1960 elas se moveram dentro dos países, como Detroit, nos EUA, depois da crise elas foram para outros países em que o trabalho fosse mais barato, como a Ásia ou a fronteira com o México", explica o professor Eduardo Marqueze, da Universidade de São Paulo.

A segunda estratégia foi empresarial, em que as corporações se fundiram e compraram umas às outras com vistas a controlar as cadeias produtivas, aumentando o volume de capital graças à financeirização dos negócios.

“Com a mesma lógica de economia de custos e de maneira articulada com a estratégia geográfica, a produção foi fragmentada em diversas partes e deslocada entre vários lugares. Se tem um lugar em que a produção de um pedaço específico do produto é mais barata em outro país, a empresa coloca essa parte lá para cortar custos", conta Marqueze.

"Essa estratégia foi favorecida pelo avanço significativo das telecomunicações e da informática, que permitiram toda a geografia ser conectada, deixando de ser um problema. Você pode ter atendentes no Paquistão, a linha de produção no Brasil, os engenheiros de software na Índia e a sede financeira em Londres. O objetivo disso é meramente economizar custos e maximizar um uso de mão-de-obra e de insumos em lugares em que eles são mais baratos e eficientes”, completa ele.

Para o professor, tudo isso teve efeitos significativos sobre a geografia produtiva do mundo, como mostra o documentário de Michael Moore em Flint, nos Estados Unidos. No entanto, não havia uma compreensão de tudo isso até os anos 1980 — e, por isso, a importância de Saskia Sassen, hoje professora da Universidade de Chicago, nos EUA.

Em 1991, ela publicou um livro fundamental para o debate chamado Global Cities: Londres, Nova York and Tokyo, argumentando que essas transformações que expandiram as cadeias produtivas e as empresas mundo afora conseguiram dividir tudo, da produção a coordenação, mas mantiveram uma atividade inseparável: o comando.

Ou seja, apesar de ter um processo de desconcentração produtiva a partir dos anos 1970, o comando segue concentrado em poucos lugares. "É um conjunto significativo de atividades relacionadas com marketing, advocacia de negócios, consultorias e design que dependem de um ‘land distance’”, explica Marqueze.

Mais do que isso, o crescimento de um setor financeiro foi fundamental para financiar o deslocamento das empresas pelo mundo e a fragmentação das produções ao redor do mundo, bem como os seguros, as ações, etc. Marqueze mostra como nesse processo ainda se insere o mercado imobiliário, formando uma sigla criada por Sassen: FIRE (Finances, Insurances and Real Estates).

"O mercado imobiliário move cidades como São Paulo, por exemplo", concorda Guilherme Blumer, consultor da agência Brasil Brokers.

Sassen mostra que é em Londres, em Nova York e em Tóquio que essa concentração é mais significativa, gerando algumas desigualdades: uma territorial, que tira capital de um lugar e coloca em outro, como é o caso de Flint e Nova York, nos Estados Unidos, aumentando a diferença interna, e uma desigualdade de renda, porque surgiu uma nova riqueza oriunda do setor especializado que seguiu concentrado.

“As camadas profissionais dos anos 1970 associadas a essas novas ocupações eram bem de vida, mas as mesmas camadas hoje são super ricas. E elas estão vivendo nessas cidades. Houve um aumento dessa camada porque os ‘serviços às empresas’ cresceram, mas não significou uma redução das camadas de baixo, porque àquelas de cima seguem consumindo bens e serviços vorazmente”, diz Marqueze.

“Há um crescimento grande dos caras da bolsa, dos advogados, dos juristas, mas outro de entregadores de pizza, de manicures, de empacotadores do mercado etc. Para Sassen, isso resultaria em uma polarização ocupacional, que geraria, por fim, uma polarização social”, observa ainda.

Para o professor, porém, é razoável pensar que surgiram no mundo cidades globais de segunda ordem com elementos similares às das grandes metrópoles que foram apontadas no livro de 1991. São Paulo e o Rio de Janeiro, assim, se tornaram casos. “São Paulo e Rio de Janeiro possuem três ou quatro sedes empresariais mundiais que comandam cadeias globais pelo mundo, como a Petrobras, a Vale e a BRF, mas têm filiais significativamente grandes de empresas, o que as coloca nessa segunda ordem. 

Portanto, há alguma centralidade, ainda que não seja a centralidade de Nova York”, completa Marques. Coisas como o fluxo de voos, o tamanho das bolsas e o volume de dinheiro movimentado contam para “medir” a centralidade – e existem até observatórios na Internet que fazem esse tipo de medida.

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