Vladimir Aras

O Google e a vereadora assassinada no Rio

Diferentemente do que alega a Google, a ordem judicial fluminense chancelada pelo STJ não é genérica nem ampla.

12/04/2021 às 14h43, Por Kaio Vinícius

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Por Vladimir Aras 

Há um exagero nas críticas à decisão do STJ que permitiu o acesso do Ministério Público e da Polícia Civil do Rio de Janeiro a dados em poder da Google que possam ajudar a identificar a autoria dos crimes praticados em 2018 contra a vereadora Marielle Franco e seu motorista.

Não serão milhares nem milhões os usuários alcançados pela correta decisão do STJ, proferida em agosto de 2020 nos RMS 60.698, RMS 61.302 e RMS 62.143, submetidos à 3ª Seção, que reúne as duas turmas criminais da Corte.

Quantas pessoas já tinham ouvido falar da vereadora antes do crime?

O que se quer saber na investigação é quem pesquisou certas palavras relacionadas a ela às vésperas do homicídio. Chegar-se-á a um pequeno número de indivíduos e, possivelmente, aos autores do crime.

Identificar esse pequeno conjunto de usuários não os exporá a linchamento virtual nem a execração pública. Os termos de busca em si são anódinos, banais. Os dados continuarão sigilosos e só interessarão à investigação da Polícia Civil e do MPRJ aqueles que se ligarem a outros indícios da autoria do crime!

Dados pessoais merecem proteção legal, mas em sociedades que deles dependem para seu funcionamento, a lei deve prever formas legítimas de acesso pelos órgãos de investigação, com ou sem autorização judicial, sendo esta exigível nos casos de reserva de jurisdição.

Tomo um exemplo da Europa, onde a Polícia realizou testes de DNA em massa para descobrir a autoria de um crime grave. Um desses casos ocorreu na apuração da morte de Nicky Verstappen, assassinado aos 11 anos.

Em 2018, a Polícia holandesa pediu a 21 mil homens da região onde ocorreu o crime que se apresentassem para exames de DNA. Mais de 16 mil homens foram testados. Em função disso, um homem de 55 anos, suspeito de morte de Nicky Verstappen, foi identificado e preso na Espanha.

Ao deferir a medida no caso Marielle, o min. Rogério Schietti, relator, disse que “as mesmas estruturas tecnológicas que nos invadem diariamente com fornecimento dos nossos dados para empresas fornecerem serviços agora se colocam de uma maneira tão ferrenha contra uma simples investigação de um assassinato”.

É de fato surpreendente que uma empresa cujo modelo de negócio se funda na acintosa exploração de dados pessoais e informações de milhões de usuários alegue que uma cooperação restrita e específica com o Estado em caso grave e delimitado “ameaçaria” a privacidade desses mesmos usuários.

Diferentemente do que alega a Google, a ordem judicial fluminense chancelada pelo STJ não é genérica nem ampla. É muito específica quanto aos temos de busca e delimitada quanto ao tempo e a determinadas coordenadas geográficas.

O STJ manteve a ordem judicial que ordena à Google que informe quem, nos 5 dias que antecederam o crime, pesquisou no buscador Google, os termos “Marielle Franco”, “vereadora Marielle”, “agenda Marielle”, “agenda vereadora Marielle”, “Casa das Pretas”, “Rua dos Inválidos 122” e “Rua dos Inválidos”.

A decisão confirmada pelo STJ é proporcional, necessária para a apuração de um crime grave, atende a um fim legítimo numa sociedade democrática, foi devidamente fundamentada, proferida pela autoridade competente e está baseada em lei, especialmente o Marco Civil da Internet. Que seja frutífera para identificar os autores do crime.

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