Julho das Pretas é um mês dedicado à celebração, visibilidade e luta das mulheres negras brasileiras. É um período que convoca a sociedade a refletir sobre as múltiplas opressões que atravessam as vidas dessas mulheres — racismo estrutural, machismo, desigualdades econômicas e exclusão social — e também a reconhecer suas potências, resistências e contribuições fundamentais para a construção do Brasil. Instituído por movimentos sociais negros femininos, o Julho das Pretas se tornou uma importante ferramenta política para fortalecer narrativas que rompem com estigmas históricos e promovem a valorização da cultura negra em suas diversas expressões.
Nesse contexto, pensar em direito e justiça implica necessariamente dialogar com as demandas específicas das mulheres negras, que enfrentam desafios diferentes dentro do sistema jurídico brasileiro. O Julho das Pretas nos lembra que o direito não é neutro; ele reflete as desigualdades sociais e pode ser instrumento tanto de opressão quanto de emancipação. Por isso, espaços acadêmicos e profissionais precisam se comprometer com essa agenda antirracista e feminista para transformar práticas jurídicas tradicionais.
É nesse cenário que a escolha do nome Esperança Garcia para o Núcleo de Prática Jurídica (NPJ) do curso de Direito da Faculdade Estácio Feira de Santana ganha um significado emblemático. Esperança Garcia foi uma mulher negra escravizada no século XVIII no Piauí que se tornou símbolo histórico de resistência ao enviar uma carta reivindicando seus direitos, uma das primeiras manifestações documentadas de luta por justiça no Brasil. Ao nomear o núcleo em sua homenagem, a Estácio Feira de Santana resgata uma história muitas vezes apagada dos manuais oficiais, reafirmando a importância da ancestralidade negra na construção da cidadania brasileira.
Esperança Garcia representa não apenas a coragem individual diante da opressão extrema da escravidão, mas também o poder coletivo da luta por igualdade racial e justiça social que atravessa gerações. Seu exemplo deve inspirar estudantes e profissionais do direito a enxergar além dos códigos legais frios, compreendendo o direito como um campo vivo onde se travam batalhas por reconhecimento e dignidade.
O NPJ Esperança Garcia materializa essa visão ao oferecer aos estudantes do curso de Direito uma vivência prática orientada para o atendimento jurídico gratuito à comunidade local. Mais do que preparar futuros operadores do direito tecnicamente competentes, o núcleo busca formar agentes transformadores conscientes das desigualdades estruturais presentes na sociedade brasileira. Por meio da extensão comunitária, o NPJ promove o acesso à justiça para populações vulneráveis, muitas delas mulheres negras, fortalecendo assim os pilares democráticos do país.
Além disso, o NPJ torna-se um espaço para debates críticos sobre as questões raciais e de gênero presentes no sistema jurídico. Essa articulação entre prática jurídica e reflexão social está alinhada às pautas centrais do Julho das Pretas, criando uma ponte entre passado histórico e desafios contemporâneos.
Em suma, o Núcleo de Prática Jurídica Esperança Garcia é muito mais do que um ambiente acadêmico: é um espaço simbólico e efetivo de resistência e transformação social. Ao integrar memória histórica, compromisso com a justiça social e formação crítica dos estudantes, ele reforça a necessidade urgente de políticas afirmativas dentro dos cursos jurídicos brasileiros, políticas que reconheçam as especificidades das lutas negras e femininas.
Que essa iniciativa inspire outras instituições a assumirem seu papel na construção de uma sociedade mais justa, plural e consciente da riqueza histórica que compõe nosso país. Que possamos celebrar o Julho das Pretas todos os dias por meio de ações concretas que promovam equidade racial e empoderamento feminino no campo jurídico.
Artigo escrito pela professora e advogada Tamara Andreucci
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