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O caso Faysal Pamuk vs. Turquia (2022) e a instrução criminal por precatória

Pamuk, ex-membro do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), foi acusado de terrorismo pelo Ministério Público turco.

27/06/2022 às 10h09, Por Vladimir Aras

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Foto: Reprodução

No caso Faysal Pamuk vs. Turquia (2022), o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) considerou ter havido violação ao art. 6º, §1º (direito a um julgamento justo) e ao §3.d (direito de obter o comparecimento das testemunhas a serem inquiridas) da Convenção Europeia de Direitos Humanos.

Pamuk, ex-membro do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), foi acusado de terrorismo pelo Ministério Público turco. No processo, o juízo que o condenou a prisão perpétua fundamentou seu veredicto especialmente em declarações transcritas obtidas noutras comarcas em audiências realizadas sem a presença do réu ou de seu advogado.

Para o TEDH, dadas as circunstâncias do caso concreto, a expedição de cartas precatórias para a coleta dos depoimentos de testemunhas noutras comarcas não foi um método adequado para assegurar a Faysal Pamuk um julgamento justo (fair trial). E deu quatro razões para assim entender.

Em primeiro lugar, a possibilidade de expedir precatórias significava que os tribunais nacionais turcos podiam deixar de checar se, para cada uma das testemunhas arroladas na ação penal, havia justificativa adequada para seu não comparecimento à sessão de julgamento do réu, acusado de um crime grave.

Em segundo lugar, entendeu o TEDH que a instrução por precatória impõe aos réus ou a seus advogados o ônus de deslocar-se a outra cidade para participar de audiências de oitiva de testemunhas, para que possam exercer o direito de inquiri-las, o que representa um ônus desproporcional para a defesa.

Em terceiro lugar, a legislação nacional turca, segundo o TEDH, “parecia impedir a participação de um réu preso em uma audiência fora da comarca de sua detenção”, o que também impacta no direito de defesa.

Em quarto lugar, a instrução por meio de precatórias põe em xeque o princípio da imediatidade, “uma vez que o tribunal de primeira instância não teria a possibilidade de observar diretamente o comportamento e a credibilidade de determinadas testemunhas”.

Por tais motivos, concluiu a Corte Europeia que a ausência de quatro testemunhas cruciais para a decisão da causa, a falta de acareação entre elas e o réu e a utilização pelo juízo desses depoimentos como provas basilares para a condenação de Pamuk a prisão perpétua, sem as contracautelas processuais adequadas, são fatores que prejudicaram o pleno exercício da defesa.

Pode-se perceber que, para o TEDH, a expedição de precatórias para oitiva de testemunhas de fora da terra deve compatibilizar-se com o exercício da ampla defesa, especialmente quando o réu estiver preso. Os princípios da oralidade (que se adequa a depoimentos presenciais e telepresenciais), da imediação e do confronto (inerente ao contraditório) devem ser observados.

No Brasil, desde a Lei 11.900/2009, é possível a tomada de depoimentos de testemunhas de fora da terra (isto é, residentes noutra comarca ou noutra seção ou circunscrição) por meio de videoconferência, sob a presidência do juiz competente para a ação penal.

A instrução criminal por videoconferência é apta a contornar grande parte dos argumentos adotados pela Corte Europeia para – acertadamente – censurar a condenação do militante do PKK a prisão perpétua, por violação ao art. 6º da Convenção Europeia. Confiramos, no que nos diz respeito, o que estabelece o art. 222, §3º do CPP.

Diante da evolução tecnológica, da progressiva digitalização da justiça e considerando-se o direito ao fair trial e os princípios reitores do devido processo, a instrução criminal por cartas precatórias deve ser cada vez mais rara.

A realização de videoconferência criminal para teleinterrogatórios e teledepoimentos e outros atos da instrução deve sempre ser a opção preferencial dos juízes, em substituição ao emprego como prova de declarações transcritas, tomadas noutro juízo ou mesmo noutro país, por juízes alheios ao caso a ser julgado.

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