
“A história do Brasil não existe sem as ciências, técnicas e tecnologias; sem saberes produzidos pelo povo negro.” A afirmação é de Ellen Alcântara, enfermeira obstétrica, professora da Uneb – campus de Senhor do Bonfim, e mestra na área de saúde da mulher, criança e adolescente. Ela foi uma das palestrantes da sessão solene que aconteceu na noite de ontem (19), para comemorar o Dia da Consciência Negra – celebrado nesta quinta-feira (20) – e, também, para conceder honrarias a personalidades negras de Feira de Santana.
Em seu discurso, repleto de dados e reflexões, a enfermeira fez questão de falar da sua família, dos seus ancestrais e de como chegou onde está. “O povo negro construiu bases civilizatórias que sustentam esse país até hoje, mesmo que, muitas vezes, não tenha o devido reconhecimento. E, quando falamos do novembro negro, falamos de Zumbi dos Palmares, Lucas da Feira, Gilsan, de Mestre Bel, minha mãe, meus filhos, Lourdes Santana e todos nós que estamos aqui. Fico muito feliz porque eu não imaginava que a Câmara, nesta sessão solene, estaria muito bem representada. E ninguém veio forçado”, frisou.
Nos dados apresentados por Ellen Alcântara, ciências como a matemática, por exemplo, foram criadas pelos negros. “É importante reafirmarmos isso a cada dia, assim como sobre a ciência do cuidado, da agricultura, metalurgia, filosofia, organização social, das curas espirituais, entre outras, pois tudo isso foi violentamente apagado”, lamentou.
Marco de Lutas, Memórias e Conquistas
Ela acredita que todos os negros devem lembrar, sempre, que fazem parte da história do Brasil. “Nós precisamos resistir, lutar e continuar garantindo o nosso espaço de poder. Por isso, o dia 20 de novembro é um feriado nacional; um marco de luta, memórias e conquistas. E esse dia não deve ser uma data comercial; não pode ser reduzido a liquidações, estratégias de marketing ou a interesses do capitalismo”, assinalou.
Para ela, inclusive, o comércio de Feira de Santana não deveria estar aberto nesta quinta-feira (20). “É necessário pensar o porquê de o dia 20 de novembro ter se tornado um feriado recentemente. É um dia de reflexão e compromisso social, que exige respeito e seriedade. É o reconhecimento da história de um povo que, mesmo diante do genocídio e do racismo estrutural e institucional que acontece todos os dias em nossa cidade e em nosso país, permanece criando caminhos de resistência”, pontuou.
Racismo Estrutural e Institucional
Ao falar sobre o racismo estrutural e institucional, a palestrante ressaltou que é preciso lembrar um fato importante: ele, ainda hoje, define oportunidades, acessos, diagnósticos, violências e silenciamento. “Sou especialista em violência obstétrica a mulheres negras, e Feira de Santana me deu um mapa enorme, entre 2015 e 2017, para um mestrado que fiz na Fiocruz, no Rio de Janeiro. Me mostrou, assim como o Ministério da Saúde, que quem mais morre nos partos ainda são as mulheres negras. A taxa de mortalidade materna no Brasil segue permanecendo alta, e é por conta do racismo estrutural e institucional”, garantiu.
Ela lamentou que “esse foi o único ponto que a gente não conseguiu diminuir: conseguimos diminuir a mortalidade infantil, mas a materna, infelizmente, ainda não”. E disse que fala como alguém que tem uma experiência profissional não exitosa. “Por isso, reforçamos a necessidade de que sejam fortalecidas as políticas públicas, especialmente aquelas voltadas para a saúde da população negra. Essas políticas vão representar, assim, um esforço do Estado brasileiro para enfrentar desigualdades históricas de indicadores de saúde, garantindo equidade, direitos e dignidade”, destacou.
“Equidade e Não Igualdade”
O destaque feito por Ellen Alcântara foi ainda maior ao afirmar que “nós, negros, não queremos igualdade; queremos equidade, ou seja, dar mais a quem precisa de mais, e menos a quem precisa de menos”.
Ela evidenciou que falar da população negra é tratar sobre ciência, história, tecnologia e luta política, além de “conquistas que não vieram de concessão, mas de mobilização, organização e coragem”. Para ela, o dia 20 de novembro não pode ser encarado apenas como uma data para se falar de dor.
“É importante nós falarmos também que celebramos, neste dia, a história de Zumbi dos Palmares, o qual lutou e abriu caminhos lá atrás para estarmos aqui hoje, não por acaso, mas por direito. Somos permanência, resistência e futuro”, finalizou Ellen Alcântara.
As informações são da Câmara Municipal de Feira de Santana
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