Roberta Costa
Realmente só sentimos a fragilidade do Sistema Público de Saúde quando algo acontece conosco ou alguém próximo. Hoje (31) foi comigo. Acordei e segui para o trabalho. Chegando lá, o inusitado aconteceu. Fui picada por um animal não identificado no dedão do meu pé direito. Me desesperei ao ver o tamanho do animal, que se debatia no chão. Provavelmente eu pisei nele e a reação foi imediata: ele me atacou.
Apesar de ter plano de assistência à saúde, segui para o Hospital Geral Clériston Andrade (HGCA), pois fui informada que lá possui um setor especifico para tratar pacientes com picadas de animais peçonhentos e, por desconhecer o que tinha me atingido, tomei a decisão correta de ir direto para o Clériston.
Chegando lá, os problemas começaram. Apenas uma atendente atendia na emergência, que não estava cheia. Cinco pessoas aguardavam a atendente, pacientemente, preencher os formulários. Fiz a ficha e segui para o interior do hospital. Isso aconteceu por volta das 6h20 da manhã. Entrei no corredor principal e me assustei com a quantidade de macas aglomeradas pelos cantos. Contei 12.
Pacientes com diversos tipos de doenças, recebendo o atendimento ali mesmo, no corredor. Segui para a sala de medicação e fui informada pela enfermeira de plantão que o médico chegaria em instantes. Ela pediu que eu aguardasse o atendimento sentada em algum banco do corredor.
O aspecto do hospital não é dos melhores. Não pude deixar de registrar dois cobertores jogados num canto de parede e as más condições em que se encontram as macas e os equipamentos em geral. O cheiro nada lembra o de éter a que estamos acostumados sentir em hospitais. Não sei bem definir o odor que exala do Clériston, mas não é agradável ao olfato. Permaneci em pé, aguardando o médico, pois os bancos estavam ocupados por parentes e acompanhantes.
Encosto numa parede e começo a observar o movimento dos corredores. Cheguei no momento da troca de turno e percebi que, independente do substituto chegar ou não, quando dá o horário, o cartão é batido e o posto fica imediatamente vazio. São os acompanhantes que ajudam os pacientes a trocar de roupa. Ali mesmo, no corredor. Com o auxílio apenas de uma espécie de provador móvel, daqueles que a gente encontra em loja de roupas. Fiquei constrangida em vê-los despidos. O mesmo banheiro é compartilhado por homens e mulheres, doentes ou não. E fica dentro da sala de medicação, em frente ao consultório do médico, que ainda não tinha chegado.
Perguntei a um funcionário que passava pelo corredor:
– Cadê o médico? A resposta foi imediata: “Está tomando café”.
Respeitei, pois entendo que o plantão dura a noite toda e o médico também tem o direito de se alimentar. Mas, já passaram 30 minutos e eu ali, em pé, aguardando o atendimento.
E a minha dor? Meu pé doía, estava dormente. Mas, ela ficou pequena diante de uma senhora que chegou gemendo em uma cadeira de rodas. Ela também ficou aguardando o médico.
Perguntei a enfermeira:
– Onde está o médico?
– Está vindo, ela respondeu.
Ouvi essa frase 6 vezes, pois impaciente, fiz a mesma pergunta a funcionários diferentes. 7h40 o médico chegou e logo foi abordado pelos acompanhantes dos doentes. Esperei as pessoas saírem e perguntei se seria atendida logo, pois cheguei primeiro.
Ele me disse que a senhora da cadeira de rodas deveria ser atendida primeiro e eu me senti egoísta por não ter compreendido que ela precisava mais dele do que eu. Aguardei na porta do consultório e vi o momento que ela lutava, sem sucesso, para levantar da cadeira de rodas.
O médico sentou atrás da mesa e permaneceu imóvel observando a luta da senhora e de sua acompanhante (com aparentemente 50 anos) para colocá-la na maca, que estava sem lençol. Meus olhos não acreditaram quando viram a senhora subir na cadeira de rodas para alcançar a maca, pois a escada não estava presente. Enfim, depois de um tempo, ela conseguiu.
O médico fez o atendimento em menos de 15 minutos e logo me chamou. Entrei e permaneci em pé. Sinceramente, não queria sentar naquela cadeira suja e com o forro furado. Mas, ele pediu que eu me sentasse. Ele me perguntou do animal e eu o informei que não conseguimos capturá-lo. Ele disse que, aparentemente, não era nada e eu acreditei. A essa altura, se fosse um animal peçonhento, eu já teria apresentado sintomas de febre, tonturas, o que não aconteceu.
Ele afirmou que eu não tinha necessidade de tomar antídoto, me passou um analgésico, e recomendou que eu permanecesse um tempo em observação. Peguei a receita e segui para a sala de medicação. Em um canto, um homem deitado numa poltrona antiga recebia soro. A única maca presente estava ocupada pela senhora da cadeira de rodas. Sobraram dois bancos, para eu e mais três pessoas. Entreguei minha receita para a enfermeira e aguardei.
Enquanto aguardava o remédio comecei a pensar no quanto sou sortuda por possuir um plano de saúde e não precisar passar por uma situação dessas sempre. É humilhante. Os funcionários, enfermeiros e até os médicos mal olham no nosso rosto. Lembro de uma enfermeira ter dito para sua substituta na troca de turno:
– Tá tudo certo, nada de anormal.
Fiquei paralisada com a informação. Como tudo certo? Só posso ter perdido o conceito de certo e errado, pois não considero certo, nem humano, uma pessoa ficar horas em um corredor aguardando atendimento. É um direito que assiste o cidadão, não é um pedido. Só tinha uma enfermeira atendendo, eu não aguardei a medicação. Não esperei a ficha. Saí do hospital o mais rápido que pude e voltei para o trabalho em prantos. Chorei por mim, por medo de ter alguma reação à picada. E chorei muito mais pelas pessoas que passam por isso todos os dias. Me senti impotente, pois fazer esse relato, no momento, é a única forma de mostrar a minha indignação com os serviços de saúde que são oferecidos ao cidadão.