Deputado Binho Galinha
Deputado Binho Galinha | Foto: Ascom ALBA/AgênciaALBA

A Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA) divulgou a íntegra do parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) sobre a legalidade da prisão preventiva do deputado estadual Binho Galinha (PRD), que é investigado por liderar uma milícia em Feira de Santana. O extenso posicionamento foi publicado no Diário Oficial do Legislativo na manhã desta quinta-feira (9), um dia após a CCJ “jogar” a decisão sobre a constitucionalidade da prisão do parlamentar para o plenário.

No parecer, a CCJ destacou que sua análise foi feita “à luz das Constituições Federal e Estadual, da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos precedentes legislativos correlatos”, com base em um estudo técnico que se debruçou sobre mais de 1.200 páginas de autos e manifestações jurídicas. Segundo o documento, os fundamentos constantes nos autos são juridicamente sustentáveis em ambos os sentidos, manutenção ou revogação da prisão, razão pela qual o colegiado reconhece que compete ao plenário a decisão final sobre o tema.

A Comissão reforçou que sua atuação é limitada à análise de legalidade e constitucionalidade, sem adentrar o mérito das investigações que apontam o deputado como suposto líder de uma milícia em Feira de Santana. O texto afirma que “não cabe à CCJ substituir o juízo político e deliberativo que, por prerrogativa constitucional, é reservado ao conjunto dos parlamentares desta Casa Legislativa”.

Ainda no Diário Oficial desta quinta, a AL-BA oficializou que a sessão na qual decidirá sobre o caso foi marcada para esta sexta-feira (10), pontualmente às 10h. A votação será secreta e exigirá maioria absoluta dos 63 deputados estaduais para definir se o parlamentar permanecerá preso ou será posto em liberdade.

AS SUSPEITAS

O documento realizou a análise dos autos do processo, que foram disponibilizados pela Justiça após solicitação da AL-BA, conforme rege o Regimento Interno da Casa. No posicionamento da CCJ, os parlamentares citam os crimes que teriam sido cometidos por Binho Galinha, conforme as investigações, e a justificativa da Justiça para decretar a prisão preventiva.

Entre os crimes suspeitos estão:

  • Ser o principal líder de organização criminosa bem estruturada e organizada, com atuação em Feira de Santana e adjacências, tendo assumido a chefia de negócios ilícitos, como representante local de banca de apostas clandestinas;
  • Sua ascensão ao controle de múltiplas bancas de jogo do bicho foi acompanhada de elevação relevante de sua movimentação financeira, a partir de 2014, sem aparente justificativa;
  • Utilização de vasto suporte delitivo, com braço armado da Organização Criminosa, inclusive com coerção física e psicológica em cobranças ilegais, entre outros fatos, como a utilização de terceiros para ocultação ilícita de bens e valores;
  • Reutilização dos lucros financeiros obtidos nas atividades ilícitas em diversos ramos criminosos, como agiotagem e extorsão;
  • Receptação qualificada e lavagem de capitais com massivo fluxo financeiro por meio de empresas e “laranjas”.

Em razão disso, a Justiça argumentou que o parlamentar possui “alta periculosidade” e “poder de intimidação”, justificando assim a sua prisão preventiva. Além disso, é citado que Binho Galinha também possuiria capacidade de realizar manobras para destruição de provas e meios de influenciar a produção probatória.

O PARECER

O parecer cita expressamente o artigo 53 da Constituição Federal, que assegura a inviolabilidade dos deputados e senadores “por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”, além de prever que a prisão de parlamentares somente pode ocorrer em flagrante de crime inafiançável. A Comissão ressalta, contudo, que a Constituição Estadual da Bahia reproduz esse mesmo dispositivo, mas que a aplicação prática dessas normas vem sendo interpretada de modo diverso em decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), provocando uma espécie de dualidade jurídica.

“O parecer prévio da Comissão de Constituição e Justiça restringe-se ao exame da razoabilidade e constitucionalidade da decisão judicial submetida à apreciação da Casa Legislativa. Decisão judicial que decretou a prisão preventiva alega a existência de situação de flagrante de crime inafiançável, e fundamenta a presença dos requisitos para a custódia preventiva, situação que se amolda à moldura fática e aos precedentes proferidos pelo Supremo Tribunal Federal. Medida de custódia cautelar que não tem amparo no texto expresso da Constituição, mas tem amparo na jurisprudência do STF na interpretação da Constituição”, diz o relatório.

“É inegável que o Supremo Tribunal Federal vem, ao longo dos anos, reconhecendo a possibilidade de, em casos excepcionais, mitigar a imunidade parlamentar, e permitir a decretação de prisão preventiva de deputados, especialmente em casos nos quais constatada situação de flagrante delito em organização criminosa”, afirma em outro trecho.

Entre os precedentes mencionados, o colegiado destacou o caso do deputado Daniel Silveira (PL-RJ), julgado pelo STF em 2021, e o episódio da prisão do então senador Delcídio do Amaral, em 2015, quando o Supremo reconheceu a possibilidade de prisão preventiva de parlamentares em situações excepcionais. Além disso, a detenção do ex-deputado federal, Chiquinho Brazão, acusado de ser um dos mandantes do assassinato de Marielle Franco. O parlamentar também foi acusado de organização criminosa e de tentar atrapalhar as investigações, conforme citação do parecer do CCJ.

“Em 2024, no inquérito n. 4.954, que resultou na ação penal n. 2.434, o STF decidiu pela prisão preventiva do deputado federal João Francisco Inácio Brazão, conhecido como ‘Chiquinho Brazão’, acusado de prática de delitos de organização criminosa e homicídios. Apontado como mandante dos crimes investigados nestes autos, com a finalidade de impedir o avanço da investigação para garantir que permanecessem impunes”, diz o trecho do parecer.

A CCJ também mencionou o procedimento adotado por Assembleias Legislativas na análise de casos semelhantes, nos quais, após a Justiça decretar prisões preventivas de parlamentares, as Casas Legislativas deliberaram sobre a manutenção ou revogação das decisões judiciais. No parecer, inclusive, a CCJ citou dois casos, no Rio de Janeiro e no Mato Grosso, em que o Supremo julgou as revogações das prisões preventivas como legais.

“Cabe ressaltar que as imunidades de deputados estaduais, inclusive a imunidade de prisão, já tiveram a constitucionalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal, que questionaram a validade de dispositivos das constituições dos Estados do Rio Grande do Norte, do Rio de Janeiro e do Mato Grosso que estendem aos deputados estaduais as imunidades formais previstas no art. 53 da Constituição Federal (…). A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, que revogou prisões cautelares, preventivas e provisórias de deputados estaduais e determinou o pleno retorno aos respectivos mandatos parlamentares, com todos os seus consectários, e a validade da Resolução n. 5221 de 2017 da Assembleia do Mato Grosso, que revogou a prisão preventiva e todas as medidas cautelares impostas a um deputado estadual”, diz um trecho do parecer.

“Ao julgar essas ações, o STF decidiu que ‘o legislador constituinte originário estendeu expressamente aos deputados estaduais as imunidades dos membros do Congresso Nacional”, e reputou como válidas as decisões das Assembleias Legislativas que determinaram a revogação de prisão preventiva contra deputados estaduais. Assim, pela literalidade do texto constitucional, a única prisão processual cabível contra deputados é a prisão em flagrante por crime inafiançável, o que indica que, a priori, não seria cabível decretação de prisão preventiva de parlamentares, tal qual decretada em desfavor de Binho Galinha”, completou.

Em relação aos argumentos das partes, a Comissão reconheceu que a decisão judicial que determinou a prisão preventiva foi tecnicamente fundamentada, especialmente ao apontar o risco de interferência na investigação e a natureza permanente do crime de organização criminosa, o que, segundo o Judiciário, caracterizaria situação de flagrante continuado. A defesa, por sua vez, sustentou que a prisão viola as imunidades parlamentares e que o suposto flagrante não se enquadra nas hipóteses constitucionais de exceção.

“Assim, sem adentrar no exame do mérito das imputações penais contra o deputado estadual, nem antecipar qualquer juízo de valor sobre a sentença que será proferida no processo penal, tem-se que a prisão preventiva decretada encontra óbice na literalidade do texto constitucional, mas tem amparo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (…). Opina-se pela remessa do processo ao Plenário da Assembleia Legislativa para que, dando cumprimento ao estabelecido no art. 53, § 2º da Constituição Federal, e ao art. 84, caput e § 2º da Constituição Estadual, resolva sobre a prisão”, finaliza o parecer.

Confira o parecer na íntegra

Fonte: Bahia Notícias, parceiro do Acorda Cidade

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