Menores são responsáveis pela maioria dos roubos

Até o dia 31 de março, ocorreram 966 assaltos no bairro. A média é de quase 11 por dia.

O escritor Jorge Amado imaginou em 1937 um grupo de crianças ladronas que batizou de Capitães da Areia. Setenta e três anos depois, o tráfico de drogas pariu os capitães do Areal, do Boqueirão, de Santa Cruz e do Vale das Pedrinhas. Este novo exército de meninos que vivem de assaltos não conta com um único líder, como Pedro Bala, nem mora junto em um mesmo trapiche abandonado na Orla de Salvador. São grupos independentes que transformaram a Pituba na Eldorado dos criminosos e dos viciados em crack.

Até o dia 31 de março, ocorreram 966 assaltos no bairro. A média é de quase 11 por dia. O capitão mais temido na Pituba é E.S.S., 16 anos, conhecido por Neguinho. Morador no Nordeste de Amaralina, ele é o Pedro Bala de um grupo de assaltantes que vira e mexe esvazia os caixas da rede Pague Menos.

Neguinho começou no crime assaltando mulheres e idosos pela região da Manoel Dias da Silva. A primeira passagem pela polícia dele foi em 2009, quando roubou o colar de uma mulher na avenida Paulo VI. Ele e o comparsa, V.G.S., 12, foram apreendidos e levados para a Delegacia do Adolescente Infrator (DAÍ). Como o crime é considerado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente como uma infração leve, ele foi liberado pela polícia.

Pague menos
Depois do episódio, os caixas de farmácias do bairro passaram a ser mais sedutores do que os pescoços de idosas adornados com colares de ouro. Seu alvo predileto é a Pague Menos, onde costuma anunciar o assalto da seguinte forma: “Vocês já me conhecem. Então vamos passar a grana que não tô a fim de matar ninguém”.

As novas ambições exigiram novos métodos. Em vez da bicicleta, ele chega ao local do crime em um Corsa e conta com quatro comparsas na ação. Como Pedro Bala contava com a força do inseparável João Grande, Neguinho tem um parceiro fiel. “Ele é alto, sarará, meio loiro. Usa o cabelo com várias tranças presas no couro cabeludo”, contou um comerciante de 38 anos que presenciou um assalto.

Menina
Nas imediações do cursinho pré-vestibular Mendel, na Manoel Dias, uma menina de 16 anos, moradora do Vale das Pedrinhas, é uma versão bem menos maternal da personagem Dora. De pele parda e cerca de 1,50m de altura, ela lidera uma quadrilha de sete menores de idade, mas costuma agir na companhia de dois meninos.

Segundo um segurança de 32 anos, que pediu para não ser identificado, os garotos aparentam entre 10 e 12 anos. Só depois de presenciar um furto e tentar capturar a menina, ele entendeu o papel dos dois. “Corri atrás dela e vi que os meninos iam um de cada lado. Quando ela viu que ia ser pega, jogou o colar para o menor, que fugiu em outra direção”. O segurança disse que já tentou convencê-la a largar o crime. “Me xingou todo e disse que só atrapalhava o movimento dela”, afirmou.

A menor aborda a vítima e pede dinheiro, quando a pessoa vacila, ela pula no pescoço e corre com os companheiros. A ambulante Risomar Monteiro já foi assaltada pela garota. Há um mês ela estava atrás das grades do cursinho quando teve seu colar de prata roubado. “Ela me pediu dinheiro. Disse que não tinha. Quando menos esperava, ela voou em meu pescoço”, lembrou.

Para a Pituba descem capitães de diversos bairros da cidade. Uma vendedora do bairro disse que já ouviu as conversas dos meninos. “Eles vêm de Mussurunga, São Caetano, Sussuarana, de tudo quanto é canto”, contou. Mas, segundo a polícia, para assaltar na área eles são obrigados a dar parte do produto dos roubos aos grupos do Nordeste de Amaralina. Caso contrário, são agredidos e expulsos.

Segundo um ambulante, todos os dias, por volta das 18h, eles pegam ônibus no ponto da Praça Nossa Senhora da Luz para ir embora. “Eu pego ônibus no mesmo ponto que vários deles”, disse.

Presos num dia, nas ruas no outro
Moradores da Pituba reclamam que os menores que assaltam no bairro são apreendidos, mas no dia seguinte estão nas ruas novamente. Isso acontece porque o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que os jovens que cometem infrações leves, como furtos, não podem ser internados.

Como a maior parte dos crimes cometidos na Pituba são furtos, eles são liberados. Após conduzidos à Delegacia do Adolescente Infrator (DAI), eles são liberados depois que os responsáveis assinam um termo de compromisso para levá-los ao Ministério Público.

Para a promotora Marly Andrade, da 2ª Vara da Infância e da Juventude, o maior problema é que o jovem não encontra amparo nem em casa nem se for internado. Para ela, as famílias não dão assistência necessária ao menor. “Eles também não podem ficar em casa porque são jurados de morte. Então voltam a morar na rua”, argumentou.

Se cometerem homicídio ou estupro vão para a Comunidade de Atendimento Socioeducativo de Salvador (Case). Contudo, encontrará estrutura inadequada. Lá, vivem cerca de 210 menores, mas a capacidade é para 120. “Além disso, muitos são viciados em drogas e não contam com apoio especializado”, afirmou.

A promotora é contra a redução da maioridade penal. Ela argumenta que colocar adolescentes em presídios não vai resolver o problema. “Dos casos que vejo, 80% não vão a escola. Esse é o maior problema dos jovens”.

Crack, o combustível para roubos e furtos
No final da tarde, um grupo de menores conhecido pela vizinhança da Pituba desce do Nordeste da Amaralina para furtar pedestres. A rua predileta é a Espírito Santo, onde costumam passar estudantes do cursinho pré-vestibular do Mendel. Depois de encher o bolso das bermudas puídas, os meninos tomam o rumo da rua Minas Gerais, que fica entre a Octávio Mangabeira, na Orla, e a Manoel Dias da Silva. Lá, ocorre a mutação do lucro. Primeiro ele vira pedra, depois fumaça.

Se à noite eles consomem a droga na rua Minas Gerais, durante o dia o local predileto são as areias da praia da Pituba. Segundo a promotora da 2ª Vara da Infância e da Juventude, Marly Andrade, o tráfico de drogas, principalmente de crack, é o maior responsável pelo envolvimento de menores com a violência.

“A maior parte dos adolescentes que estão furtando fazem isso para alimentar o vício”, contou. Segundo ela, em 2009, 18,82% dos processos corresponderam ao envolvimento com tráfico. Contudo, a promotora argumentou que o número mascara uma realidade mais alarmante, já que quase 40% dos os roubos e furtos estão relacionadas com as drogas.

 

(Notícia publicada na edição impressa do dia 30/04/2010 do CORREIO)