Vladimir Aras

O caso Álvarez-Machaín

Esse homicídio está no centro de um dos tantos casos absurdos de abdução internacional protagonizados por Washington.

25/10/2022 às 09h30, Por Vladimir Aras

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Álvarez-Machaín

Finalmente foi novamente preso o traficante mexicano Rafael Caro-Quintero, do extinto Cartel de Guadalajara, acusado da morte do agente especial da Drug Enforcement Administration (DEA) Enrique “KiKi” Camarena. Seu homicídio ocorreu no México em fevereiro de 1985, quando Kiki Camarena atuava como agente infiltrado.

Esse homicídio está no centro de um dos tantos casos absurdos de abdução internacional protagonizados por Washington.

Os EUA acreditavam que o médico mexicano Humberto Álvarez-Machaín teria participado do sequestro, da sessão de tortura e da morte do agente Camarena. O papel do médico seria prolongar a vida do policial federal durante a sessão de tortura.

O agente federal Henrique “Kiki” Camarena

Por isto, em lugar de pedir a extradição de Álvarez-Machaín para os EUA, como seria esperado, um mercenário chamado Trent Tompkins e outros caçadores de recompensa contratados pela DEA, sob promessa de paga de 50 mil dólares, sequestraram o médico em Guadalajara, no México, e o levaram à força para Los Angeles, nos Estados Unidos, onde ele seria julgado pela morte do agente federal Camarena. A abdução internacional ocorreu em abril de 1990 e evidentemente violou a soberania mexicana e os termos do tratado bilateral de extradição entre os dois países.

Como era de se esperar, a defesa argumentou que a abdução feria o direito internacional e o devido processo legal. Sem sucesso. O caso então chegou à Suprema Corte dos Estados Unidos (SCOTUS), que, invocando precedentes dos séculos 19 e 20, que compõem a chamada doutrina Ker-Frisbie, negou a tese defensiva e, em 1992, por 6 votos a 3, decidiu que Álvarez-Machaín poderia ser julgado nos EUA.

Eis a tese formada no acórdão de 1992 da SCOTUS: “The fact of respondent’s forcible abduction from another country does not prohibit his trial in a United States court for violations of American criminal laws.”

É mais um daqueles casos que costumo chamar de processos de “réus ilicitamente obtidos”. Provas ilicitamente obtidas são rejeitadas no processo. Réus não.

A linha de precedentes que interessa é a seguinte:

– Caso Ker v. Illinois (1886)

– Caso Frisbie v. Collins (1952)

– Caso United States v. Alvarez-Machain (1992).

Agora parece que as autoridades pegaram o suspeito certo, Caro Quintero. Ele já havia sido preso na Costa Rica em 1985, sendo então extraditado para o México, onde foi condenado a 40 anos de prisão e cumpriu 28 anos da pena. Porém, em 2013, um tribunal mexicano determinou sua libertação por falhas processuais atinentes à incompetência da Justiça Federal mexicana.

Desta vez, os EUA anunciaram que pretendem apresentar um pedido de extradição de Caro Quintero. Certamente não repetirão a ação unilateral de abdução.

A questão processual que se põe agora é a da eventual incidência do princípio non bis in idem, porque o réu já foi condenado no México pelo homicídio. Poderia ser julgado de novo nos EUA pelos mesmos fatos. A resposta parece ser afirmativa, uma vez que a aplicação desse princípio nos EUA é bastante restrita, mesmo quando concorrem as jurisdições internas (federal e estadual). Vale nestas circunstâncias a teoria da dupla soberania (dual sovereignty doctrine), que afasta o non bis in idem.

Quanto ao Dr. Humberto, ele foi absolvido pela justiça federal de Los Angeles, por decisão direta do juiz togado, sem submissão do caso ao júri. Para o magistrado, a insuficiência de provas impedia o prosseguimento do julgamento.

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