Vladimir Aras

Lavagem de dinheiro: alterada a Recomendação 24 do Gafi sobre a identificação de beneficiários finais

A entidade, que tem sede em Paris, dificultou o uso de entidades offshore, shell companies e empresas de fachada para ocultação do patrimônio de pessoas físicas

01/07/2022 às 12h51, Por Vladimir Aras

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Foto: Reprodução

O GAFI deu um importante passo para facilitar a capacidade operacional das entidades regulatórias e dos órgãos de Justiça criminal para a prevenção e a repressão à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa.

A entidade, que tem sede em Paris, dificultou o uso de entidades offshore, shell companies e empresas de fachada para ocultação do patrimônio de pessoas físicas ou para a desidentificação dos verdadeiros responsáveis por operações financeiras, consumadas por meio de pessoas jurídicas, fundações e trusts.

Em 4 de março de 2022, o GAFI aprovou emendas à Recomendação 24 e a sua Nota Interpretativa, passando a exigir que os países restrinjam ainda mais a possibilidade de uso indevido de pessoas jurídicas para lavagem de dinheiro ou financiamento do terrorismo e garantam que haja informações claras, atualizadas e imediatamente disponíveis sobre seus beneficiários finais, isto é, sobre quem detém o efetivo controle de tais pessoas jurídicas.

Segundo o GAFI, a mudança contribuirá para garantir maior transparência sobre os verdadeiros controladores de pessoas jurídicas e para mitigar os riscos da sua utilização abusiva. Numa versão sutil de uma disregard of legal entity, o véu sobre os verdadeiros sócios da pessoa jurídica e seus verdadeiros donos cairá, o que permitirá a identificação facilitada de traficantes de armas, pessoas e drogas, de cleptocratas e de financiadores do terrorismo.

A aplicação de sanções econômicas aos chamados “oligarcas russos”, no contexto da guerra da Ucrânia, revelou a importância desses registros informáticos, para consulta imediata por autoridades persecutórias e órgãos regulatórios, sejam elas medidas de indisponibiliadde de bens ou de confisco, ou ainda iniciativas de cunho probatório para a determinacao da autoridade mediata de crimes.

As bases de dados formadas em cumprimento à nova R24 deverão ser acessíveis pelas unidades de inteligência financeira, pelos demais reguladores, por órgaos de persecução criminal e por outras entidades da Administraçāo Pública, inclusive no contexto de licitações e contratações públicas. A existência de uma base de dados centralizada também será muito útil à cooperação internacional, para fins de recuperação de ativos e atividades probatórias no curso de ações penais.

Em cada país, conforme o direito interno, as pessoas jurídicas estarão sujeitas a obrigações legais de informar os dados de seus verdadeiros controladores, ao passo que companhias, profissionais designados e instituições financeiras que com elas mantenham relações econômicas terão de adotar cautelas de compliance ampliada, para conhecer adequadamente seus clientes também nesta dimensão. Os dados dessas duas origens formarão os registros centralizados nacionais em cada jurisdição, ou mecanismo similar, abrangendo pessoas jurídicas nacionais e também aquelas constituídas no exterior que ali operem.

A alteração da R24 pelo GAFI deve-se à percepção, decorrente das várias avaliações mútuas dos países membros (peer review), de que os mecanismos de checagem atualmente existentes em várias jurisdições são insuficientes para impedir o uso indevido de pessoas jurídicas para a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo.

A R24 atualmente está assim redigida:

  1. Transparência e propriedade de pessoas jurídicas

Os países deveriam adotar medidas para prevenir o uso indevido de pessoas jurídicas para a prática de lavagem de dinheiro e de financiamento de terrorismo. Deveriam também assegurar que haja informações adequadas, precisas e atualizadas a respeito da propriedade e do controle de pessoas jurídicas e que possam ser obtidas ou acessadas de maneira tempestiva pelas autoridades competentes. Em particular, os países onde haja pessoas jurídicas que possam emitir ações ao portador ou certificados de ações ao portador, ou que permitam acionistas ou diretores indicados, deveriam adotar medidas efetivas para garantir que não sejam usadas indevidamente para lavagem de dinheiro ou financiamento do terrorismo. Os países deveriam considerar medidas para facilitar o acesso a informações de propriedade e controle por instituições financeiras e APNFDs que sigam as obrigações definidas nas Recomendações 10 e 22.
Em sua nova redação, a R24 também procura restringir a emissão de ações ao portador, uma tipologia tradicional de ocultação da identidade de reais beneficiários, para fins de lavagem de dinheiro. Uma versão preliminar do novo texto é esta, ainda sem tradução oficial ao português:

  1. Transparency and beneficial ownership of legal persons

Countries should assess the risks of the misuse of legal persons for money laundering or terrorist financing, and take measures to prevent their misuse. Countries should ensure that there is adequate, accurate and up to date information on the beneficial ownership and control of legal persons that can be obtained or accessed rapidly and efficiently by competent authorities, through either a register of beneficial ownership or an alternative mechanism. Countries should not permit legal persons to issue new bearer shares or bearer share warrants, and take measures to prevent the misuse of existing bearer shares and bearer share warrants. Countries should take effective measures to ensure that nominee shareholders and directors are not misused for money laundering or terrorist financing. Countries should facilitate access to beneficial ownership and control information by financial institutions and DNFBPs undertaking the requirements set out in Recommendations 10 and 22.

A R24 não tem efeito imediato ou direito sobre os países membros do Grupo de Ação Financeira Internacional. A entidade não é uma organização internacional e suas manifestações, tendo a natureza de soft norms, não têm força vinculante. Em cada membro do GAFI, suas recomendações podem ser transpostas e transformadas em normas de direito interno. Só então passam a ser obrigatórias.

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