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SP, RJ E BA: mais de 100 domésticas relataram trabalho sem folga na pandemia

Em três dos estados com mais pedidos de ajuda, trabalhadoras recorreram a sindicatos por terem de ficar na casa dos empregadores sem poder retornar a seus lares em razão do risco de contaminação

17/04/2021 às 06h53, Por Laiane Cruz

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Em uma residência de São Paulo, uma babá passou a morar em seu local de trabalho em meio à pandemia. Ela precisou entregar o imóvel onde vivia para ficar direto na casa dos patrões, que condicionaram a manutenção de seu emprego à estadia direta para evitar riscos de contágio. Mas enquanto a criança da qual cuidava não dormia, não havia horário para o fim de sua jornada.

A situação é um dos relatos de trabalhadores domésticos que estão sem folga ou foram induzidos a permanecer até meses na casa dos empregadores durante a pandemia. Sindicatos de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia receberam mais de 100 pedidos de ajuda relacionados a esse tipo de caso desde a chegada da Covid-19 ao Brasil. Entidades dos três estados estão entre as que mais reportaram denúncias ao menos informais sobre violação de direitos, conforme comunicado à Federação Nacional de Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad).

Com medo de serem demitidos, muitos aceitam as condições impostas pelos patrões ou evitam recorrer às autoridades competentes. Em alguns casos, os trabalhadores desistem inclusive de acionar os sindicatos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 1,2 milhão de pessoas perderam o emprego nessa atividade em 2020, o que representa 16% das vagas fechadas no ano passado.

"Temos recebido muitas denúncias nos sindicatos na pandemia. Empregadores usam esse argumento de não se expor no transporte público e consequentemente não expor a família, mas não fomos nós que trouxemos esse vírus para o Brasil. A gente entende que o empregador pode conversar com a trabalhadora, oferecer horário e transporte alternativo, o que não pode é cercear o direito de ir e vir todos os dias para casa", disse Luiza Batista, presidente da Fenatrad.

Embora não tenha um levantamento nacional, a entidade tem verificado um aumento de relatos dessa natureza feitos a seus 22 sindicatos estaduais filiados. A maior dificuldade, no entanto, é reunir dados dos trabalhadores afetados, que se recusam a fornecer suas identificações, para subsidiar uma denúncia coletiva.

"A maioria das denúncias é sempre por telefone, mas as pessoas não querem passar os dados. Não tem formalizado essa questão de nome, endereço. Muitas nem esperam a gente terminar e já desligam. Outras falam: 'Mas se eu fizer isso eu estou na rua'. Umas têm filhos, o marido de outras está desempregado. São várias situações que fazem com que a trabalhadora doméstica se submeta a essa vontade do trabalhador", afirmou Batista.

SÃO PAULO
Segundo o Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos da Grande São Paulo (Sindoméstica-SP), desde o começo da pandemia o departamento jurídico recebeu cerca de 70 denúncias associadas a trabalhadores sem folga ou que estavam morando na casa do patrão. A entidade também tem sido procurada por domésticas que estão paradas ou que contraíram a doença no local de trabalho.

"A gente recebe mensagens e ligações falando que o empregador não quer que elas vão embora, se isso é permitido. Algumas dizem que foram obrigadas a ficar na casa dos empregadores, deixaram de lado a família e depois acabaram dispensadas. Agora estão vindo atrás da gente por esses direitos", disse Janaína Souza, presidente do Sindoméstica-SP.

Pela legislação, as jornadas de domésticas devem ser de até 44 horas semanais com pelo menos um dia de folga, preferencialmente aos domingos. Em casos de pernoite na casa do patrão, o acordo deve constar em contrato e, em alguns estados, há a previsão de um piso salarial diferenciado para quem se enquadra nessas condições.

No ano passado, a entidade consolidou, junto com o sindicato patronal, um ofício baseado em normas do Ministério Público para que empregadores fornecessem equipamentos de proteção individual (EPIs) às domésticas, além de meios de transporte seguros e flexibilidade na jornada de trabalho. Legalmente, não existe obrigatoriedade.

De acordo com Nathalie Rosário, advogada do sindicato, se a jornada diária passar de 8h, o empregador deve pagar horas extras, limitadas a duas horas por dia. Também é um direito do trabalhador receber adicional noturno por serviços feitos entre 22h às 5h. Um dos grandes empecilhos para a garantia desses direitos é que a maioria ainda está na informalidade, além da dificuldade de fiscalização.

"A inviolabilidade do lar é constitucionalmente garantida ao empregador. Até mesmo para o fiscal do MPT ir à residência, a lei prevê um agendamento prévio. Ou seja, é algo ineficaz porque pode ser manipulado pelo empregador. O sindicato não tem poder de polícia para ir lá fiscalizar, nem o MP. Só tomamos conhecimento dessas violações quando os empregados nos procuram", explicou a advogada.

BAHIA
O Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Estado da Bahia (Sindoméstico-BA) contabilizou 28 denúncias de traballhadoras confinadas na residência do patrão. Um dos casos mais emblemáticos foi de uma cuidadora que passou quase um ano morando com o empregador.

"Ela passou a ficar confinada, sem poder sair, porque cuidava de dois idosos. A filha não comparecia na residência, não atendia telefone, não respondia as mensagens. Até as compras da casa eram deixadas na portaria, sob alegação de que era para não transmitir Covid aos pais, que eram grupo de risco. Só que a trabalhadora ficou em cárcere", afirmou Valdirene Boaventura, secretária de assuntos jurídicos do sindicato.

Em outro episódio, uma doméstica ficou cerca de três meses sem ver o filho e o neto, com quem morava. Após esse período, o empregador liberou visitas periódicas dos familiares em sua residência seguindo os protocolos preconizados pelas autoridades de saúde.

"Ela disse que não estava vivendo, estava vegetando", contou Boaventura.

RIO DE JANEIRO
No estado cuja primeira vítima da Covid-19 foi uma doméstica infectada após contato com a patroa moradora do Leblon, bairro mais nobre da capital fluminense, uma trabalhadora se emocionou ao retornar à sua residência após dois meses na casa do patrão.

"O dia em que ela chegou em casa e olhou o quintal dela, as lágrimas escorreram de emoção", disse Maria Izabel Monteiro, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município do Rio.

Fechada nos primeiros meses da pandemia, a entidade não levantou quantas denúncias foram feitas até o momento. De acordo com a presidente, desde que o atendimento presencial foi retomado, houve procuras para relatar episódios de assédio moral e sonegação de direitos.

Já no Sindicato dos Trabalhadores e Empregados Domésticos de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, a presidente Cleide Pinto conta que recebeu mais de 20 ligações questionando se existia obrigação de ficarem tempo integral na residência dos empregadores. Algumas disseram que patrões ameaçaram despedi-las caso não aceitassem a proposta.

"Tinha uma cuidadora que só trabalhava finais de semana. A patroa falou que queria que ela ficasse direto 15 dias dividindo com uma outra ou não ia querer mais seu serviço. Ela decidiu pedir demissão", disse Pinto.

As informações são da Época

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