Feira de Santana

Pandemia e falta de assistência adequada contribuíram para aumento da espera por cirurgias cardíacas em Feira de Santana

Segundo o especialista, 60 mil brasileiros aguardam por uma cirurgia cardíaca atualmente.

09/12/2021 às 15h48, Por Gabriel Gonçalves

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Laiane Cruz

O médico cirurgião cardiovascular André Guimarães, que atua no Hospital Incardio, em Feira de Santana, falou na manhã de ontem (8), em entrevista ao Acorda Cidade, sobre os reflexos da pandemia no crescimento do número de pacientes na fila para cirurgias cardíacas, bem como o aumento do número de mortes domiciliares provocadas por doenças do coração.

Segundo o especialista, 60 mil brasileiros aguardam por uma cirurgia cardíaca atualmente. Em Feira de Santana, 200 pacientes estão nesta situação. O medo de contrair a covid-19, que fez com muitos pacientes cardíacos deixassem de buscar os hospitais, a falta de uma assistência médica adequada, aliada à escassez de leitos de UTI para pacientes eletivos e de urgência, bem como a falta de materiais e equipamentos, têm contribuído para a elevação do tempo de espera por uma cirurgia ou procedimento ligado à saúde coração.

Essas e outras questões foram abordadas pelo especialista, em conversa ao vivo no programa Acorda Cidade. Confira a entrevista na íntegra:

Acorda Cidade – Quais são as principais doenças cardiovasculares?

André Guimarães – As doenças cardiovasculares têm uma gama muito grande de nomes e espectro de sintomas. Mas as que levam mais comumente às cirurgias cardíacas são aquelas obstruções nas artérias coronárias, que a gente chama de entupimento nas artérias, que levam ao infarto, por exemplo, e tem que ser feita a cirurgia de revascularização miocárdica, mais conhecida como ponte de safena. As outras cirurgias que podem acontecer são aquelas que acontecem em cima das válvulas cardíacas, que servem para organizar e orientar o fluxo de sangue dentro do coração. Pode existir uma degeneração ou processo infeccioso, comprometer seu funcionamento, que é de abrir e fechar, para que possa acontecer o fluxo sanguíneo adequado, e necessitar a substituição ou reparo. Isso sem falar nas doenças que são estruturais, alguma delas congênitas, a exemplo de pessoas que podem nascer com alguns buraquinhos dentro do coração.

Acorda Cidade – Um assunto preocupante é a fila de cirurgias cardiovasculares. Por que essa quantidade de pessoas na fila?

André Guimarães – Isso tem deixado todos os cirurgiões cardiovasculares em todo o Brasil bem apreensivos. Existem mais de 60 mil brasileiros em filas aguardando cirurgia cardiovascular. O primeiro motivo para esse aumento absurdo foi a falta de leitos para que pudéssemos operar esses pacientes durante a pandemia. O paciente de cirurgia cardiovascular necessita de um leito de UTI, e os leitos estavam ocupados por pacientes com covid. Outro problema importante foi a falta de insumos. Uma cirurgia cardíaca hoje para acontecer tem a necessidade de uma série de insumos, desde medicamentos para anestesia até equipamentos para operar. Boa parte desses equipamentos são importados e existe uma falta desses materiais a nível mundial. Então existe um desabastecimento hoje no Brasil por conta disso. Sem falar que o preço desses equipamentos, por conta desse desabastecimento, subiu substancialmente, afetando os hospitais, que não têm muitas vezes como comprar esses insumos, para ofertar principalmente no Sistema Único de Saúde (SUS). No SUS esses insumos têm preços que são fixos e que os hospitais não estão tendo como comprá-los porque o valor do repasse não condiz com o que os vendedores oferecem aos hospitais.

Acorda Cidade – Então o desabastecimento que afeta vários setores chegou também à saúde? 

André Guimarães – É lamentável. A pandemia, além da imensa perda de vidas que aconteceu em nível mundial, ainda trouxe todas essas sequelas que acontecem na área da saúde. São sequelas secundárias que acontecem em todos os setores.

Acorda Cidade – São 60 mil brasileiros na fila. Tem número em relação a Feira de Santana?

André Guimarães – Em Feira, antes da pandemia, entre cirurgias cardiovasculares e dispositivos como marcapassos, CDI, fazíamos uma média anual de 400 a 450 procedimentos. No período de pandemia, em 2020, a gente conseguiu fechar o ano com 150. E esse ano de 2021, devemos fechar o ano com 160 até 180 procedimentos. Tivemos uma queda de mais de 50% e nós temos uma fila de espera hoje com mais de 200 pacientes aguardando cirurgia cardiovascular. Temos uma paciente internada no hospital hoje para fazer um procedimento cirúrgico que nós listamos há quase um ano, sendo que o tempo médio antes de espera plausível era em torno de 30 a 45 dias, hoje está chegando a 10 ou 12 meses.

Acorda Cidade – E quem está na fila com problemas cardiovasculares pode esperar?

André Guimarães – Isso é um problema que tem nos deixado bastante preocupados. Porque esses pacientes, obviamente, se vão operar, é porque têm um problema importante no coração. A gente sempre orienta que esses pacientes são eletivos e que caso agrave sua doença, procurem uma emergência, para que possa ser feita uma transferência e a gente urgenciar o quadro. Mas muitas vezes o número de pacientes é muito grande e a gente não consegue dar vazão a todo esse atendimento, que porventura possa acontecer. O ideal era a gente ter um volume eletivo maior para poder operar mais doentes em um número menor de tempo. Foram publicados no final do ano passado números americanos e alguns números brasileiros sobre o aumento do número de mortes súbitas domiciliares, ou seja, as pessoas não estavam indo aos hospitais e morrendo em casa. A maioria dessas mortes súbitas acontece por doenças cardíacas. Esses pacientes que deveriam estar sendo tratados tiveram complicações a nível domiciliar, primeiro porque não estavam indo ao hospital com medo da covid, mas também porque não estavam tendo a assistência médica necessária e tendo complicações em casa.

Acorda Cidade – Há risco em relação a prolapso da válvula mitral?

André Guimarães – A válvula mitral é composta de dois folhetos, que impedem o retorno do sangue do ventrículo esquerdo para o átrio esquerdo. Então a válvula abre, o sangue passa, e depois ela volta para o sangue não retornar. Quando ela volta, tem um nível onde para. Pode ocorrer um desnivelamento disso, que chamamos de prolapso e ele pode ter intensidades, porque existe um pouco de retorno de sangue do ventrículo para o átrio, que chamamos de insuficiência, e como é na válvula mitral, insuficiência mitral, e através da ecocardiografia, a gente pode quantificar essa insuficiência em leve, moderada ou grave, a depender da sua magnitude e dos seus sintomas, existe a necessidade ou não de um tratamento.

Acorda Cidade – Aqui no Brasil já estão produzindo um mini aparelho para substituir o marcapasso. Poderia falar mais sobre este equipamento?

André Guimarães – É um estimulador cardíaco. O marcapasso é utilizado em pacientes que têm uma baixa frequência do coração, que bate bem lentamente, e ele precisa voltar a ter uma frequência normal. É feito um procedimento, onde a gente colocar um estimulador elétrico que o coração possa volta a ter essa frequência com aquele aparelho que a gente coloca debaixo da clavícula. Esse novo marcapasso é pequeno, que fica dentro do ventrículo, e que faz essa estimulação. É uma evolução, uma aparelho bem menor do que aquele a que a gente já está acostumado. Tem menos intercorrências, no sentido de menor incisão, sangramentos, estética, isso tudo facilita. O grande porém é que ele ainda está chegando com valores altos e só com a ampla utilização da técnica é que a gente pode melhorar esse tipo de sistema.

Acorda Cidade – A robótica é utilizada para cirurgias cardiovasculares?

André Guimarães – A cirurgia robótica está presente hoje em diversas especialidades, dentre elas, a cirurgia cardiovascular. A cirurgia cardíaca hoje pode ser feita de diversas formas: a convencional, que é com incisão torácica; através de vídeo, com pequenas incisções; através de transcateter, como a colocação de prótese aórtica através da perna, por exemplo, e também através da robótica, cujas indicações ainda não pequenas. As revascularizações miocárdicas podem ser feitas através de incisões robóticas, e algumas patologias e de correção interatrial ou interventricular. Na Bahia, já temos robôs, mas ainda não é feita cirurgia cardíaca robótica. As cirurgias cardíacas robóticas no Brasil são realizadas em dois centros em São Paulo e um centro no Rio Grande do Sul, e o grande empecilho destas são os preços, têm um alto custo e a saúde suplementar ainda não cobre, por isso a dificuldade na divulgação ampla da técnica.

Acorda Cidade – Quais são as recomendações para se manter uma boa saúde do coração?

André Guimarães – Nada melhor na saúde cardíaca do que a prevenção. Em cardiologia, a gente tem fatores que são modificáveis e fatores não modificáveis. Infelizmente o que a gente herda dos nossos pais que são fatores genéticos, a gente não tem como mudar. O nosso envelhecimento a gente também não tem como mudar. Mas os fatores que são modificáveis e podem acelerar o que a genética está propiciando, a gente tem como modificar, com uma dieta adequada, com pouco sal, pouco açúcar e exercícios físicos regulares. Caminhadas pelo menos cinco vezes por semana, durante pelo menos 30 minutos.

Acorda Cidade – Quem tem aneurisma abdominal corre risco de morte súbita?

André Guimarães – O aneurisma ocorre quando é dado um diagnóstico de crescimento anomal da aorta, que sai do coração, uma parte fica dentro do tórax e outra dentro do abdômen. Essa aorta abdominal se cresce além de um valor fica aneurismática, as paredes ficam mais finas e pode existir a chance de se romper. Quando existe um aneurisma, a depender da sua dilatação, existe a necessidade de uma intervenção. As intervenções cirúrgicas nos aneurismas abdominais podem ser feitas de forma convencional ou a colocação de próteses chamadas stents para recobrir o aneurismo, e restabelecer o fluxo e a saúde da pessoa.

Acorda Cidade – Quando é colocado o stent no coração?

André Guimarães – O stent é uma intervenção cirúrgica que se faz no coração através de um procedimento chamado angioplastia. Toda vez que existe uma obstrução, ou seja, um entupimento em uma artéria do coração, normalmente acima de 75% da sua luz, a depender da quantidade e da localização, pode necessitar da colocação de um stent, que é uma molinha. E depois existe uma expansão desse stent no local da lesão, fazendo com que abra esse local para ter mais luz e o sangue possa fluir novamente.

Acorda Cidade – Já existem exames mais atualizados que substituam o cateterismo?

André Guimarães – O exame ouro para detecção dessas obstruções continua sendo o cateterismo cardíaco, porém existem outros exames, que podem dar uma boa orientação. Por exemplo, a angiotomografia coronariana, que é menos invasivo, mas em alguns casos subquantifica esse tipo de lesão. Uma vez dada uma lesão crítica em uma angiotomografia, existe a necessidade do cateterismo para confirmar e então poderá ser realizada a angioplastia ou não, obedecendo aos critérios.

Acorda Cidade – O que é a ectasia da aorta?

André Guimarães – A aorta é uma grande artéria que nós temos, que sai do coração, ligando-o ao nosso corpo, e leva sangue toda vez que o coração contrai. Existe um calibre, um diâmetro normal da aorta, que vai depender do tamanho da pessoa. Quando ela está maior do que o normal, a gente chama de ectasia. E ela deve ser avaliada por um cardiologista para saber exatamente qual foi essa classificação e saber se existem outras alterações que podem levar a essa ectasia. Mas, de uma forma muito simples, é um crescimento maior que o habitual. Às vezes, existe associação com alguma patologia, outras vezes a gente precisa apenas de acompanhamento médico, sem necessidade de intervenção.

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