Feira de Santana

Moradores de Maria Quitéria cobram revitalização de lagoa pelo poder público e lamentam situação de abandono

A assistente social e presidente da Associação Quilombola de Maria Quitéria, ressaltou que já encaminhou ofício para a prefeitura diversas vezes relatando os problemas no entorno da lagoa.

16/02/2022 às 08h05, Por Gabriel Gonçalves

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Laiane Cruz

Moradores do distrito de Maria Quitéria, em Feira de Santana, clamam ao poder público para que revitalize a área da Lagoa Grande, que corta várias comunidades daquela região. Em 2015, um grupo de moradores se reuniu com secretários municipais para pedirem soluções acerca dos danos causados ao recurso natural, localizado em uma área de preservação ambiental, em território quilombola.

Moradora há 30 anos do distrito de Maria Quitéria, a idosa Francisca Barcelar de Jesus, 63 anos, lamenta a situação atual da Lagoa Grande. Em entrevista ao Acorda Cidade, ela relembrou momentos vividos ao lado dos filhos, da época em que tirava parte do seu sustento das águas da lagoa.

Foto: Ed Santos/Acorda Cidade

“Essa lagoa significa muita coisa boa, sinto muita falta de ver a lagoa limpa e matando a fome de muita gente, que inclusive já matou minha fome, eu com quatro filhos pequenos. Eu pescava, chegava em casa e fazia a comida para meus filhos. Saía para a roça de outras pessoas para ir trabalhar e por volta de 11h30 chegava em casa. Pegava o cesto ou pano de calhamaço, pegava peixes na lagoa e como já tinha o tomate em casa, chegava e fazia aquele cozido e comia com meus filhos. E isso não foi uma vez só. Sinto muita falta de ver a lagoa limpa. Que os governantes olhem para a gente, que a lagoa está abandonada. E a gente também”, afirmou Francisca.

Segundo ela, na lagoa também se realizavam missas e orações. Hoje o local não é seguro e os moradores temem por suas vidas.

“Lá já serviu até de santuário, que o Padre Vianey assentou uma cruz lá e a gente ia fazer orações. E ali tem uma mina, é um lugar onde o padre fazia a reunião e a gente ouvia a missa. Uma situação daquela dá pena. A gente mora perto da lagoa e se assusta, a gente não está tendo paz aqui. Eles têm que arrancar aqueles matos, limpar, tem moradores, idosos morando perto da lagoa, e não podem sair de casa, nem ficar só. Pra ir pra igreja de São José ver a missa tem que ir uma turma ou pegar um carro, que não é todo dia que a gente tem dinheiro para pagar”, contou.

José Cassiano Pereira da Silva, que é morador de Maria Quitéria e fundador da Associação da Comunidade Lagoa Grande, recordou da sua participação na reunião ocorrida no dia 17 de janeiro de 2015 com secretários de governo, para buscar a revitalização.

Foto: Ed Santos/Acorda Cidade

“Nós reivindicamos da secretaria mostrando a capacidade da lagoa ser revitalizada. Naquela época a prefeitura já dizia que não tinha condições. Esse é um trabalho que a comunidade necessita. A gente revitalizando a Lagoa Grande, beneficia a Lagoa Suja, a Lagoa da Camisa, Lagoa do Crespo, todas essas se fortalecem, e a nossa sobrevivência irá melhorar de comida, de pesca. Então é uma sobrevivência nossa. Hoje temos 10 mil famílias que dependem dessa lagoa. Já vi a lagoa transbordando, quando eu tinha 17 anos, eu pescava e dividia em casa. Hoje a lagoa está seca”, relatou.

A assistente social e presidente da Associação Quilombola de Maria Quitéria, Renilda Cruz dos Santos e Santos, ressaltou que já encaminhou ofício para a prefeitura diversas vezes relatando os problemas no entorno da lagoa.

Fotos: Ed Santos/Acorda Cidade

“Em 2015 teve uma reunião aqui com alguns secretários, justamente pedindo essa revitalização, porém a gente não teve êxito e desse tempo para cá a gente vem lutando com o poder público, pedindo socorro à nossa lagoa. É um recurso natural que existe dentro da nossa comunidade, que antes era espaço de lazer, cultura, pesca artesanal, que alimentava as comunidades da Lagoa Grande e as circunvizinhas. A gente vê esse recurso morrendo, a gente fica triste. A gente pede às autoridades municipal, estadual e federal para que revitalize a lagoa, e nós moradores vamos fazer a nossa parte. Estamos organizando um mutirão para o dia 22 de janeiro, para recolhermos o lixo que é jogado dentro da lagoa”, declarou.

Ela denunciou ainda que caçambas de empresas e até da prefeitura estão jogando entulhos na área da lagoa. “A gente não concorda com essa prática. Foram enviados ofícios para a Secretaria de Meio Ambiente e Serviços Públicos para que tomem uma posição. A gente não tem resposta desses ofícios que são entregues à secretaria de Meio Ambiente”, disse.

Izabel de Jesus Santos e Santos, 42 anos, que faz parte do Conselho de Meio Ambiente e é defensora do território quilombola de Maria Quitéria, destacou que a Lagoa Grande vem sofrendo vários impactos ambientais, principalmente o descaso da gestão municipal.

Foto: Ed Santos/Acorda Cidade

“Há 30 anos foi feita uma limpeza na lagoa e nesse processo foi trazida areia de fora para jogar na lagoa. Há 20 anos foi feita uma trincheira na lagoa e de certa forma interrompeu o curso d’água também da lagoa. Já 15 anos foram retirados areais da lagoa e recentemente vieram tirar a areia, fizeram um areal bem no leito, e no ano passado fizeram na área um loteamento. E sempre a gente tem comunicado esses casos para o Conselho do Meio Ambiente, que faço parte, e infelizmente a gente não vê atitudes. Além disso, vários entulhos tem sido jogados, restos de animais e desova de corpos. Então desde 2015 que a gente vem dialogando com a secretaria para tomar um posicionamento, porque a natureza é a nossa vida. E quando a gente vê o desmatamento, bate uma tristeza profunda.”

Izabel de Jesus ressaltou que a área da lagoa é um local de preservação ambiental, que está inserido em um território quilombola.

“Existe uma convenção 69, que diz respeito ao licenciamento ambiental e qualquer ação na lagoa as comunidades quilombolas têm que ser informadas. Temos mais de 400 quilombolas. E usamos o nome de território, porque a lagoa compreende várias comunidades. Com a lagoa revitalizada, vamos poder passear na lagoa, pescar, vamos reviver. Já publicamos livros e documentários sobre a lagoa, mas na prática não foi revitalizada, não fomos escutados. A lagoa é nosso espaço de viver, nossa força, fonte de alimento, é a nossa vida. Sem a lagoa a gente não é nada, a lagoa é saúde para nós também.”

Ela explicou que a lagoa compreende mais de 3 km, pega uma parte da comunidade do Carro Quebrado, desce pegando a subida para Casa Nova e vai se encontrar com a Lagoa Suja, próximo de São José. “Tem uma parte que abastecia o distrito de Maria Quitéria, onde está sendo feito um loteamento, mas a natureza vai cobrar, pois ali tem uma nascente. E aqui é um território quilombola, tinha que ter licença ambiental. Se foi solicitado a gente não sabe, mas tem essa questão do loteamento aqui, num local que é área de preservação permanente”, apontou.

Procurado pela reportagem, o secretário de Meio Ambiente na época, José Carneiro Rocha, justificou que está acompanhando de perto a situação da Lagoa Grande e que todas as denúncias foram acolhidas.

“Nós acompanhamos de perto a situação da Lagoa Grande. Assim que fizeram denúncias na Secretaria de Meio Ambiente de que estaria acontecendo crime ambiental, nós fizemos uma força-tarefa juntamente com a Secretaria de Serviços Públicos, através do departamento de limpeza pública, comandada por João Marcelo, e lá estivemos. Observamos que tinha muito descarte de dejetos, ossadas de animais. Há também uma denúncia de que na área havia areais e fomos in loco, a fiscalização com toda a equipe e constatamos de que não existem areais, mas sim buracos, que devem ter sido de areais no passado e que hoje já deixou de existir. Então algum crime ambiental acredito que haja. Mas nós não temos uma equipe permanente para ficar vigiando a lagoa, que praticamente não existe fisicamente falando”, afirmou.

Ele disse que a lagoa tinha cerca de 9 km, e hoje praticamente a olho nu ninguém consegue enxergar.

Foto: Ed Santos/Acorda Cidade

“É uma área de quilombola, reconhecida pela Fundação Palmares. Encaminharam ao Incra pedindo reconhecimento, e o órgão não deu. Mas posso assegurar que a Secretaria de Meio Ambiente não está omissa nessa questão. Fui lá pessoalmente, e lá constatamos essas questões. Fizemos uma limpeza geral, e é o que tínhamos no momento para fazer. Temos em Feira várias lagoas, algumas em situação bem diferente, como a Lagoa da Berreca, a Lagoa da Pedreira e a Lagoa do Subaé. O governo nos últimos anos tem trabalhado para revitalizar algumas lagoas. Revitalizar é uma coisa e requalificar é outra. E a gente sabe que a maioria das lagoas de Feira de Santana estão degradadas. O município sozinho não tem condição de fazer uma revitalização do porte da Lagoa Grande. Infelizmente a gente vive essa situação, e a dificuldade econômica também é fundamental”, avaliou.

José Carneiro informou também que a autorização para construção de loteamentos parte da Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedur) e que o primeiro passo é saber se esse loteamento é clandestino, o que é crime, e se for legal e estiver em área de preservação ambiental também é crime. “Mas não acredito que a Sedur daria licença para alguém ou empresário fazer um loteamento em área de preservação”, opinou.

Acerca da denúncia de que um loteamento está sendo construído de forma irregular na área da Lagoa Grande, no distrito de Maria Quitéria, o secretário de desenvolvimento urbano, Sérgio Carneiro, informou que tomou conhecimento através do secretário José Carneiro, em virtude da reportagem feita pelo Acorda Cidade, e que já enviou fiscais na tarde desta segunda-feira (17), para averiguação dos fatos.

“Os nossos fiscais trabalham na fiscalização de loteamentos clandestinos na zona urbana, já que não há previsão de se fazer loteamentos na zona rural de Feira, a não ser com determinação e especificidades com relação ao tamanho do lote, o que não é o caso desse loteamento. Não tem nenhum pedido de licenciamento na Sedur. Enviamos um fiscal para notificar os responsáveis e mandar embargar qualquer tipo de obra”, informou Sérgio Carneiro.

Foto: Ed Santos/Acorda Cidade

Segundo ele, a secretaria não tinha conhecimento da construção desse loteamento, pois nenhum morador realizou a denúncia através do 156 ou diretamente na Sedur.

“O fiscal irá notificar os responsáveis, mandar paralisar qualquer tipo de obra. É importante que esse assunto esteja sendo divulgado no Acorda Cidade para que as pessoas em desavisadas, iludidas na sua boa-fé não comprem esses lotes, nesse loteamento, porque ele é irregular e não terá o habits, até porque não tem licença de construção. Existem muitos loteamentos irregulares na zona rural de Feira de Santana, há uma proliferação e nós temos agido na medida em que vamos tomando conhecimento”, argumentou.

Ainda conforme o secretário de desenvolvimento urbano, na semana passada foi listada uma série de empreendimentos irregulares na zona rural, porém esse que foi alvo da denúncia não estava listado. Porém, há uma lista em que os fiscais estão percorrendo, notificando e responsabilizando as pessoas, embargando qualquer tipo de obra.

“Não pode haver construção em área pública, nem privada a 30 a 50 metros da lagoa, dependendo do caso. De forma que pelo que foi relatado, a distância do loteamento para a lagoa é apenas separada pela estrada. Esse tipo de loteamento não vai ter o habite-se e a pessoa nunca vai conseguir regularizar uma moradia.”

Fotos: Ed Santos/Acorda Cidade

Com informações são do repórter Ed Santos do Acorda Cidade

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