Feira de Santana

Mestre em urbanismo avalia atual situação do transporte público como consequência da ineficiência do sistema

De acordo com Allan Pimenta, não existe um projeto que seja alinhado entre transporte público e planejamento urbano.

28/10/2021 às 16h48, Por Gabriel Gonçalves

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Gabriel Gonçalves

Desde o último sábado (23), a população de Feira de Santana está sofrendo com o transporte público atuando em sua parcialidade no município. Inicialmente, os motoristas e cobradores da empresa São João cruzaram os braços, em protesto contra o atraso do pagamento dos salários.

Este problema foi resolvido e os salários foram pagos. Mas, na última quarta-feira (27), a empresa Rosa solicitou na Justiça, a rescisão imediata do contrato de concessão. A concessionária comunicou que não possui mais condições financeiras para atuar no município. No decorrer da semana também ocorreram várias manifestações de moradores da zona rural cuja a pauta foi a retirada de algumas linhas de ônibus.

Na manhã desta quinta-feira (28), o engenheiro civil, mestre em urbanismo e transporte da Faculdade Unef, Allan Pimenta em entrevista ao Acorda Cidade, fez uma avaliação da atual situação do sistema de transporte público de Feira de Santana.

Para o professor, este problema já vem de décadas e a abertura para que o transporte alternativo fosse utilizado no município, é consequência da ineficiência do sistema.

"O problema no transporte de Feira de Santana já vem de décadas e eu era usuário na época durante toda minha graduação na Uefs. Desde a implantação em 2005 do Sistema Integrado de Transporte (SIT), houve uma queda sucessiva de demanda, porque é um sistema que se baseia em uma integração parcial, as pessoas dependem dos terminais que muitas vezes, ficam até distantes para fazer essa integração. Com isso, o nível de insatisfação veio aumentando, as pessoas foram migrando para a moto, para o transporte via aplicativo, vans, transporte clandestino e isso tudo, é uma consequência da ineficiência do sistema, porque ninguém iria migrar para o transporte clandestino se o sistema operasse de forma normal. A prefeitura precisa discutir isso tecnicamente, porque não basta apenas trocar de empresa e o sistema continuar defasado, não pode culpar apenas a pandemia, porque isso vem de anos", disse.

Ainda de acordo com Allan Pimenta, não existe um projeto que seja alinhado entre transporte público e planejamento urbano.

"Não tem como dissociar o transporte público do planejamento urbano, ao mesmo tempo que a prefeitura coloca um sistema de BRT na Getúlio Vargas e João Durval, se constroem moradias mais distantes dos centros da cidade. Esses novos bairros que estão surgindo como no Papagaio, SIM, são formados por residenciais onde as pessoas estão distantes dos seus destinos e distantes dos pontos de ônibus. Quando o mercado imobiliário vende um condomínio e fala que fica à 5, 10 min do Shopping, não a pé, nem de ônibus, é de carro próprio", afirmou.

Acompanhe a entrevista na íntegra:

Ac: Feira de Santana está com uma tendência de crescimento horizontal e normalmente as cidades estão crescendo verticalmente, é isso mesmo?

Professor Allan Pimenta: A dispersão desse crescimento horizontal é mais problemática quando os bairros não são dependentes dos outros. A gente tem hoje muitos bairros que são formados basicamente com residências com uma grande concentração dessas casas, enquanto os empregos majoritariamente, estão dentro do Anel de Contorno. Isso obriga com que as pessoas fiquem dependentes de um transporte. E o fenômeno também do horário de pico, por exemplo, pela manhã todo mundo sai de fora do Anel de Contorno para dentro, e congestiona a cidade, no horário da noite acontece o inverso. Então imagina por exemplo, um transporte público que levava 100 pessoas a uma distância de 1 a 2km, agora tem que levar 100 pessoas a uma distancia de 10km, claro que a renda, que o índice de passageiros por km, a renda do sistema de transporte vai cair. Na medida que as pessoas estão mais dispersas, estão mais distantes dos destinos, então isso faz com que o sistema fique caro, aumenta o custo de operação por km e isso é repassado para a passagem, com o aumento da passagem, há ainda uma diminuição da demanda por que sempre que a gente aumenta o preço de qualquer coisa, há uma diminuição da demanda, há uma migração para outros modais.

Ac: Pelo seu argumento, então Feira de Santana teve uma expansão desorganizada?

Professor Allan Pimenta: Sim, a expansão de Feira, ela não segue nenhum tipo de planejamento. A gente vê, por exemplo, como é a expansão do bairro SIM, além dos problemas que são visíveis ali na Artêmia, problemas de recuo, problemas de uma rua totalmente sem calçada, sem infraestrutura para ciclistas, isso faz também com que a pessoa deixe de usar esses modais. Se você for comparar, por exemplo, ali a Fraga Maia com a Artêmia, são duas vias principais em Feira de Santana, mas se você for à Fraga Maia você vai ver uma grande quantidade de pessoas andando a lazer, a transporte e de bicicleta. Por que isso acontece ali? Porque é um local que tem uma grande diversidade de usos, tem comércio, tem residência, tem escola, tem condomínios mais densos ali perto da Fraga Maia, e tem um canteiro central amplo com calçada e ciclovia. Na Artêmia não tem isso, não tem canteiro central, não tem calçada, não tem ciclovia, e muita gente que mora no SIM, mora, por exemplo, nos condomínios que são afastados, mesmo que fiquem no SIM, elas precisam ir para a Artêmia de carro. Então a gente fala assim ‘no SIM tem tudo’, mas tem tudo distante das pessoas, as pessoas não vão andar mais de 400 metros, foi cientificamente provado que as pessoas não querem andar mais de cinco minutos para fazer as atividades do dia a dia, então isso faz com que elas usem o carro. Então é uma consequência desse modelo de dispersão da cidade, e também uma concentração de residências em um bairro e concentração de comércios em outros bairros ou em pontos específicos no bairro, deixando os destinos distantes das origens.

Ac: Esse tipo de crescimento, como por exemplo, condomínios chegando já no distrito de Jaíba, mas não levam nenhuma infraestrutura de pavimentação, ruas largas, escolas e transporte público, é assim que acontece?

Professor Allan Pimenta: Aqui em Feira de Santana, quem dita o planejamento urbano é unicamente, o mercado imobiliário. A prefeitura é omissa nessa gestão do uso do solo, como tem o plano diretor, plano de mobilidade, que praticamente não tem nenhuma aplicação em Feira de Santana. Você falou aí do Jardim Brasil que é um exemplo claro disso, um condomínio quase que 100% residencial, um conjunto de condomínios bem afastados. Se você for percorrer, por exemplo, pela Nóide, você vai ver que no caminho não tem praticamente nada, uma série de vazios urbanos, de terrenos abandonados para especulação também, quando você passa por esse caminho, tem que percorrer uma distância enorme para chegar nesse destino. Então como que o transporte público vai sobreviver levando passageiros para um destino tão distante, sendo que no caminho não tem demanda? Salvador por exemplo, as linhas percorrem 4, 5 horas, só que durante o caminho, cada bairro de Salvador é um centro, então a rotatividade de passageiros é muito grade, essa rotatividade alimenta o sistema. Então o ônibus percorre 4, 5 horas só que com a grande rotatividade de passageiros faz com que o sistema seja alimentado com maiores demandas, e maior recurso financeiro também para as empresas. Então eu nem coloco aqui a culpa nas empresas de Feira de Santana, a culpa é principalmente no sistema e na forma que o uso de solo tem se desenvolvido aqui na cidade.

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