Família Azul

Mães falam sobre os anseios e lutas na criação de filhos diagnosticados com autismo

Feira de Santana tem hoje, por meio do Instituto Família Azul, a primeira turma de karatê faixa amarela para autistas do Brasil e a primeira turma de balé para meninas autistas com reconhecimento nacional.

15/04/2021 às 11h59, Por Rachel Pinto

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Laiane Cruz

Abril é o mês mundial de conscientização sobre o autismo, de trazer luz sobre essa condição que afeta uma a cada 160 crianças em todo o mundo, e ainda é cercada de medos e preconceitos.

Foto: Ed Santos/Acorda Cidade 

O Transtorno de Espectro Autista (TEA) se caracteriza por uma série de distúrbios que afetam o desenvolvimento infantil. Pessoas diagnosticadas com o autismo podem apresentar déficit na comunicação ou interação social, como também padrões restritos e repetitivos de comportamento.

Com 1 ano e meio de idade, Thayran Araújo Ferreira, hoje com 3 anos e seis meses, foi diagnosticado com TEA. Ao Acorda Cidade, a mãe do garoto, Joanita Araújo Silva, contou que começou a notar algumas diferenças no desenvolvimento do filho, comparando com outras crianças da mesma faixa etária e decidiu buscar ajuda profissional.

“Com um ano algumas crianças já andam, e Thayran não. E ele não falava nada. Thayran começou a falar mamãe e depois parou. Andava na ponta do pé, não interagia com outras crianças, não interagia com nenhum adulto, não olhava pra gente, não interagia com nada, não respondia nenhum comando, parecia que era surdo. Foi quando eu levei ao neurologista e aí ele sugeriu que teria autismo”, afirmou Joanita Araújo.

O neurologista não havia fechado o diagnóstico, e Joanita levou Thayran a uma clínica com atendimento multidisciplinar. Após alguns testes, veio a confirmação que Thayran possuía autismo moderado. Para a mãe, a notícia caiu como uma bomba. Ela conta que chorou por horas, pois não sabia o que fazer, nem a quem procurar.

Foto: Ed Santos/Acorda Cidade 

“Naquele momento meu mundo caiu, o chão desabou e eu só fazia chorar. Passei 24 horas chorando, sem saber pra onde ir nem o que fazer. Fiz o que o médico pediu, que foi colocar na escola, na fonoaudióloga e na TO [Terapia Ocupacional]. Eu procurei pelo plano profissionais que tivessem especialidade com TEA, que são crianças autistas, e não achei, foi quando a gente começou a pagar algumas coisas particulares pra ele ter atendimento e aí ele começou a falar algumas palavras. A gente vem nessa luta, em busca de profissionais que tenham experiência com crianças autistas”, relatou.

Após enfrentar diversas dificuldades, Joanita conseguiu matricular Thayran no Instituto Família Azul, que presta apoio a crianças com autismo em Feira de Santana. Para a mãe de Thayran, conseguir uma vaga na entidade foi um alívio.

“Eu já tinha ouvido falar muito da Família Azul. Desde quando eu descobri que Thayran era autista eu tentava entrar aqui, e agora estamos aqui, estamos muitos felizes porque ele vai ter um tratamento adequado e multidisciplinar”.

Foto: Arquivo Pessoal

Desde que iniciou o acompanhamento, Joanita tem observado a evolução da criança. Ela o acompanha nas terapias e está sempre com ele. Segundo ela, as pequenas conquistas são grandes motivos para comemorar.

“Hoje Thayran tem uma evolução muito grande. Depois de um ano, o neuro avaliou e viu que ele melhorou muito. Antes ele não nos olhava nos olhos e hoje ele olha, já interage com as pessoas. Hoje ele consegue ficar com outras pessoas além de mim. Eu saio para trabalhar e ele fica com a avó. A nossa presença é fundamental, a gente é referência na vida do autista. No caso de Thayran, ele tem a mim como referência, porque vivemos juntos”.

A dona de casa Roselândia Carneiro também falou ao Acorda Cidade sobre os desafios no cuidado com o filho Pedro Walter, de 11 anos, que foi diagnosticado com autismo aos cinco anos de idade. Desde pequeno, o garoto apresentava alguns sinais, e após uma consulta com o neurologista, a família recebeu o diagnóstico.

Foto: Ed Santos/Acorda Cidade 

“Pedro dava sinais, só que eu como mãe não aceitava. Minha mãe me sinalizava, meu irmão, por ser professor. Então um dia eu resolvi levá-lo ao neuro, com isso foram feitas as análises e foi diagnosticado o autismo quando ele tinha cinco anos de idade, e hoje está com onze. É um desafio diário, todo dia se muda um comportamento, e muda o jeito de ser, com os meninos autistas não é diferente. Eles são uma caixinha de surpresa”.

Para Roselândia, apesar das dificuldades, ela tem conseguido lutar para dar qualidade de vida ao filho. Ela notou que com o acompanhamento, Pedro tem avançado e percebe características na inteligência do filho que podem ser trabalhadas ou potencializadas.

“Hoje ele está colecionando tampilhas de garrafa pet, mas o que Pedro mais gosta de fazer é assistir desenhos infantis. Eu sempre digo que a Família Azul foi minha esperança. Eu já tinha passado por outras instituições e ao invés de Pedro progredir, ele regrediu. Ele ficou dois anos fora da escola por conta de uma experiência que teve em uma instituição. Hoje se você disser pra ele o dia do seu aniversário, ele vai te dizer a semana em que cai automaticamente, mas não consegue pegar em um lápis. Ele não gosta de conviver com crianças da idade dele, mas gosta de pessoas mais velhas”, relatou a mãe.

O que é o autismo?

De acordo com Cíntia Souza, presidente do Instituto Família Azul, o autismo é um transtorno no comportamento, que afeta a condição das crianças diagnosticadas em alguns ambientes da sociedade. E o papel da família é fazer com que essas crianças sejam vistas nesses ambientes, sejam aceitas e acima de tudo respeitadas.

Foto: Ed Santos/Acorda Cidade 

“O autismo não é uma doença, é uma condição que existe e faz parte da vida deles, mas não os definem como pessoas. Tem três níveis: o leve, que apresenta apenas traços, onde os familiares conseguem perceber; o moderado, que é aquele autista que sofre inconstâncias comportamentais em alguns momentos de conflito, e o severo, que apresenta várias dificuldades comportamentais em todas as áreas. É possível perceber os sinais já a partir dos seis meses, quando ao amamentar a mãe nota que a criança não devolve o olhar, não corresponde às brincadeiras, aos gestos de carinho, é inerte a qualquer tipo de sentimento e de troca de reações com a mãe”, esclareceu.

Tratamento multidisciplinar

Segundo Cíntia Souza, que também possui um filho com TEA, o instituto Família Azul assiste a crianças com autismo por meio de uma equipe multidisciplinar, com fonoaudiólogo, psicopedagogo, psicólogos, terapeuta ocupacional, neuropsicólogo, neuropediatra, que em conjunto tratam cada criança dentro das suas especificidades.

“O autista é único, nenhum é igual ao outro, então a equipe tem essa missão de assistir a esse indivíduo como um ser único, dentro das suas dificuldades e tratá-las em forma de intervenções. A Família Azul começou em 2015. Trouxe para Feira de Santana o título de referência na Bahia pelas ações que aqui são feitas. Em 2016, Feira de Santana só ficou atrás de São Paulo no primeiro censo, que dos dias 5 a 9 de dezembro de 2016 captou 735 autistas em uma semana”, afirmou Cíntia Souza.

Ela ressaltou que Feira de Santana tem hoje, por meio do instituto, a primeira turma de karatê faixa amarela para autistas do Brasil e a primeira turma de balé para meninas autistas com reconhecimento nacional.

“O Família Azul veio pra fazer a diferença. Depois de toda essa caminhada, temos nossa sede física, com uma equipe multidisciplinar composta por doze profissionais, dentro das suas especialidades e áreas de ação, e hoje temos cinquenta assistidos aqui. Apesar disso, nós vivemos um grande conflito, porque a gente entende que quantidade não é sinônimo de qualidade para intervenção das crianças com autismo. E o Família Azul é procurado por muitas famílias, muitas mães, mas a nossa equipe é voluntária, que divide o seu tempo remunerado para estar aqui dando o seu trabalho. Por isso, temos uma lista com 180 famílias, que esperam uma vaga aqui no instituto”.

Renúncia e Fé

Cíntia é mãe de Josué, que tem 14 anos e foi diagnosticado com autismo severo, não verbal. “Tem pouco tempo que ele começou a falar. Então é uma missão, que nos transforma, nos desafia, nos traz conflitos interiores, mas nos fazem refletir muito sobre a condição do ser humano. Amar é uma escolha, e todos os dias precisamos dizer sim pra esse amor, dizer sim pra conviver com um filho nessa condição, que não é fácil. Abrimos mão de nós mesmos para viver a vida por eles. Então ser mãe de um autista é ter desafios diários, mas certamente amor renovado, que restaura e fortalece”.

A presidente do instituto, olha para o filho e entende que sua maior missão como mãe é fazer com que ele e outras crianças tenham a qualidade de vida que precisam para exercerem sua autonomia em alguma fase da vida.

“É algo que nos preocupa, pois o futuro nos assusta, ele é real, e a gente está aqui pra conseguir fazer com que essas crianças sejam inseridas num protocolo de atendimento, pra que sejam capazes de obter autonomia para viverem suas vidas, sem os pais, o que é muito difícil”.

Dificuldades financeiras

Mesmo com tantas conquistas, o instituto enfrenta dificuldades financeiras para manter as atividades. Cíntia Souza conta que a entidade não recebe apoio do poder público e se mantém de forma independente com ajuda dos pais.

“Temos dificuldades com a manutenção. O autismo é uma causa cara, e hoje vivemos de apoio dos pais, que dão uma contribuição mensal para manutenção da sede e aluguel. Hoje não temos o apoio do poder público, somos uma entidade independente, mas acreditamos que dias melhores virão”.

Foto: Ed Santos/Acorda Cidade 

Os interessados em apoiar essa causa podem acessar a página do Instituto Família Azul no Instagram @familiaazul.amamososautistas. Lá tem um link na Bio com informações e valores para contribuição.

Aqueles que desejarem conhecer ainda mais o trabalho que é feito pela entidade podem ainda prestigiar a exposição fotográfica ‘Autista sem medo de ser feliz’, que ficará disponível no Boulevard Shopping até esta sexta-feira, 16 de abril.

Com informações do repórter Ed Santos do Acorda Cidade
 

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