Saúde Mental

“Para acabar com o local que trata as pessoas, seria necessário acabar com as doenças”, diz especialista sobre fechamento dos manicômios judiciários 

Do número de 832.295 pessoas presas no país, 1.869 estão internadas em medida de segurança nos 27 hospitais de custódia do Brasil. 

11/12/2023 às 06h47, Por Jaqueline Ferreira

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Colônia Juliano Moreira - RJ - hospital de custódia Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), vigente desde 26 de maio de 2023, determina o fechamento gradual dos manicômios judiciários no Brasil, suspendendo a entrada de novos pacientes a partir de agosto deste ano, exigindo o fechamento de todos os estabelecimentos até maio de 2024. 

A política antimanicomial foi instituída pela lei 10.216 em 2001, e propõe a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais. A especialista em Direito Previdenciário, Sindy Mayanna Mascarenhas de Carvalho, conversou com o Acorda Cidade sobre o objetivo da medida que atinge pessoas com problemas de saúde mental e diversos hospitais do país. 

Especialista em direito penitenciário Sindy Mayanna Mascarenhas de Carvalho1
Foto: Arquivo Pessoal

“O objetivo principal é vetar as instituições com características asilares, por isso a determinação do fechamento gradual dos hospitais de custódia e o uso do tratamento ambulatorial em serviços comunitários e na rede de atenção psicossocial do SUS”, disse.

A especialista também explicou como as políticas antimanicomial surgiram no Brasil. 

“A fonte inspiradora dessas ideias foi um psiquiatra chamado Franco Basaglia. Ele revolucionou a década de 60 em uma cidade da Itália com abordagens de reinserção do paciente psiquiátrico na comunidade. Com o retorno à vida social, em vez de isolamento, choques elétricos que eram praticados na época. Então, com essa nova forma de tratamento, que alcançou saldos positivos, a Organização Mundial da Saúde a partir de 1973 passou a recomendar essa nova forma de tratamento que é mais humanitário e como essas discussões chegaram ao Brasil, os profissionais começaram a denunciar na época a degradação humana que acontecia nesses hospitais psiquiátricos”, explicou a advogada ao Acorda Cidade. 

A partir dessas denúncias, surgiu o Movimento Antimanicomial. Segundo a especialista, em 1999, o deputado Paulo Delgado submeteu o projeto de lei 3.657 e a emenda era justamente a extinção progressiva dos manicômios e a sua substituição por outros recursos assistenciais, como a regulamentação de internação psiquiátrica. 

“Essa lei veio para redirecionar o modelo assistencial e não proibiu internações hospitalares, então essa lei de 2001 apenas deixou claro que a internação seria indicada como um recurso extra-hospitalar, se esse não se mostrasse suficiente e ela previu internações. A involuntária e a compulsória, que é aquela determinada pela justiça”, reforçou. 

De acordo com o último relatório de dezembro de 2022 realizado pela Secretaria Nacional de Políticas Penais, foi apontado um número de 832.295 pessoas presas no país, destas 1.869 estão internadas em medida de segurança nos 27 hospitais de custódia que existem no país. 

Sindy Mayanna explicou que com a nova resolução, uma junta médica será formada com membros do Ministério da Saúde do CNJ com a missão de avaliar todos os presos e reavaliar os processos. 

“A fim de reavaliar a possibilidade da extinção da medida que está em curso ou a progressão para o tratamento ambulatorial em meio aberto ou a transferência para estabelecimentos de saúde adequados, então eles que vão fazer essa filtragem e decidir”, pontuou.

Um desses locais que poderão tratar esses presos são os Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Sindy trouxe algumas problemáticas relacionadas a estrutura desses órgãos.

“Tanto física, quanto de profissionais vai precisar de estrutura para absorver mais essas pessoas para continuidade dos tratamentos, por isso o Ministério da Saúde está prevendo o investimento de 21 milhões ao ano para atendimento dessas pessoas que sofrem com transtorno mental e necessidade de acompanhamento, que vão ficar em centros de residências terapêuticas para continuidade do tratamento”, afirmou. 

Neste caso, a Rede de Atenção Psicossocial composta pelos Caps, pelos Serviços residenciais terapêuticos, os centros de convivência e cultura, unidades de acolhimento e os leitos de atenção integral serão responsáveis por abraçar esses pacientes. 

“Essa resolução determina que a medida de internação só será implementada em medidas excepcionais se for prescrita pela equipe médica, então ela não será mais em nenhuma instituição com característica de asilo, vai ser no caso no leito de saúde em algum hospital”, explicou. 

A oportunidade de qualificar a Rede de Atenção Psicossocial e ampliar o financiamento das Políticas Públicas na saúde mental para redirecionar as estratégias de institucionalização são alguns pontos favoráveis apresentados pelo Conselho Federal de Psicologia, mas a especialista aponta alguns problemas que ainda existem em torno do fechamento dos manicômios. 

“Para acabar com o local que trata as pessoas, seria necessário acabar com as doenças e isso não vai acontecer. A política de saúde mental atual ela já não consegue atender a população brasileira, então seria adequado tratar as pessoas que cometeram crimes no mesmo local em que se tratam outras pessoas com ansiedade, depressão, eu entendo que a resolução se mostra precipitada”, disse. 

Além disso, Sindy destacou durante a entrevista ao Acorda Cidade que o Conselho Federal de Medicina se posicionou contra o fechamento dos hospitais de custodiados, assim como a Associação Brasileira de Psiquiatria, a Associação Médica Brasileira, a Federação Nacional dos Médicos e a Federação Médica Brasileira. 

“Não é fechando os locais especializados, que recebe pacientes com transtornos mentais e os colocando em outros estabelecimentos com enfermos das mais diversas características que seriam atitudes salutares. Além de colocar a segurança e a saúde dos pacientes, esse modelo estende o prejuízo para os familiares, a população em geral que vai ficar à deriva da assistência e do tratamento de transtornos mentais adequados para quem precisa. Por isso, existem hoje reações políticas, como dois projetos de decretos legislativos, tanto no senado quanto na câmara, na tentativa de suspender eficácia dessa resolução do CNJ”, esclareceu. 

Com informações do repórter Paulo José do Acorda Cidade

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  1. Primeiro proibiram a internação dos mentalmente doentes e deu no que deu: eles não obedecem a família, não usam a medicação e fazem como o da Matinha, que matou a garota e amputou um braço e defos da mão da genitora dela. Imagina agora os doentes mentais violentos, que cometeram crimes e por isso estão presos em manicômios judiciais. Como sempre o Judiciário tomando a frente de tudo e piorando o que já está difícil.

  2. No fim das contas, loucos somos nós. Se um maluco tem condições está fora de um manicômio, então, ele e nós estamos em condições de igualdade. Quando você estiver caminhando e receber uma facada, fique tranquilo. O louco só está se expressando. Respeite isso.

  3. De fato, com tantos eleitores esquerdistas soltos na rua, não tem condições de fechar os hospícios. Mas deixando o óbvio de lado, a questão é que o governo quer se livrar do problema e jogar pra cima do povo, afinal, tem que sobrar dinheiro pra às mordomias e negociatas estatais não findarem. E da-lhe L na povalha.

    1. Em tudo esse povo vê, esquerda/direita… Isto já está mais do que chato, já encheu o saco há muito tempo. Só pode ser mais um desequilibrado, que já está fora do sistema, por conta da lei.
      A política anti-manicomial, foi instituída pela lei 10.216 em 2001, exatamente por Fernando Henrique Cardoso, não sendo revogada pelo último presidente, sendo que o atual, também nada fez, durante seus dois mandatos, nem mesmo no seu mandato atual.
      Todos querem saber, onde está o lado esquerdo e o lado direto da história, uma vez que neste jogo de malucos, sempre o povo é perdedor.

  4. vamos chegar ao ponto que a pessoa de bem vai ser que ficar “preso’ dentro de casa com medo do perigo e o psicopata/bandido/ladrao solto na rua…
    vamos passar a “mao” na cebeca da bandidagem isso ai , viva aos ideais de esquerda…

    1. Em tudo esse povo vê, esquerda/direita… Isto já está mais do que chato, já encheu o saco há muito tempo. Só pode ser mais um desequilibrado, que já está fora do sistema, por conta da lei.
      A política anti-manicomial, foi instituída pela lei 10.216 em 2001, exatamente por Fernando Henrique Cardoso, não sendo revogada pelo último presidente, sendo que o atual, também nada fez, durante seus dois mandatos, nem mesmo no seu mandato atual.
      Todos querem saber, onde está o lado esquerdo e o lado direto da história, uma vez que neste jogo de malucos, sempre o povo é perdedor.

      Na próxima, aproveita e coloca pontuação no seu texto. Assim, facilita o entendimento do que você tentou expor.

  5. Em quanto fecha manicômios
    os doído fica nas rua sem remédio sem tratamento, fica armados com faca e paul, pedra ,Para bate na população para roubar.
    Que vergonha Governo

  6. O pior absurdo do estado democrático de direito. Infelizmente a sociedade não sabe a importância de hospitais especializados só sabe quem precisa. E do jeito que a sociedade está adoecendo mentalmente deveria se abrir mais centros e não fecha-los.

  7. E o processo segue…
    Esta ação, que “visa humanizar o tratamento (?)” daqueles que apresentam transtornos psicológicos, só vem a dificultar o cuidado com estes pacientes, uma vez que as famílias muitas vezes sem recursos, e sempre sem o devido conhecimento técnico, ficarão à mercê de pessoas, muitas vezes violentas, tanto que cometeram atos que justificam o seu direcionamento para este tipo de instituição.
    Nada mais é, do que pra economizar, deixando nas mãos das vítimas o seu problema, a qual não terá condição e nem capacidade de gerir a situação.

  8. Isso mostra o alto grau de desumanidade o qual existe no mais íntimo e Profundo desses políticos e órgão incompetentes e até aqueles que se dizem autoridades.
    Vergonhosamente, querem voltar a um retrocesso antigo, onde essas vidas viviam perabulando pelas cidades e vivendo até dentro de cemitérios comendo restos mortais.
    Ou voltar a Roma antiga , que considerava essas vidas como lixos , Insignificantes.

    Extremamente cruel, ver na cara dura, que descaradamente, essas pessoas que querem acabar com os manicômios, super valorizam outras instituições as quais exaltam quem vivem vida de luxos. A política brasileira desde a falsa colonização nunca deixou de pensar unicamente neles, no bolso deles, no bem bom sta deles. Sempre tentando e até conseguindo fazerem uma lavagem cerebral em milhões e milhões. Induzindo a financiarem com seus impostos boa vida , conforto a todos eles.
    Daí! Eles podem , pegarem destruírem, acabarem com os manicômios, como já destruíram e acabaram com muitas organizações, instituições as quais eram extremamente importantes, de suma e grandiosa importâncias para a nação – Em especial para as vidas as quais necessitam delas. Tudo isso, para ter mais dinheiro disponíveis para eles.

    1. Você sabe que o manicômio judiciário a para pessoas com transtornos mentais que cometeram crime, não é ? Você sabe que alguns tem uma alta probabilidade de voltar a cometer crimes, justamente por não terem consciência do ato ilícito que cometeram? Você sabe que a maioria desses crimes cometidos por essas pessoas vão de estupro a homicídio ?
      Você sabe que diversas pessoas que saíram do manicômio judiciário, por ex : assassino do cartunista glauco, bandido da luz vermelha, foram assassinadas em momentos de vulnerabilidade pois estavam prestes a cometer outro crime ? Você tem consciência que o manicômio judiciário também protege o ser humano ?

  9. Interessante,vou comentar dentro da matéria. Quando uma pessoa de classe alta ou artista pratica um crime aparece os advogados alegando que o cliente tem problemas psicológico e o de classe média ou baixa vai pra o presídio.

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