Endometriose

Após anos de sofrimento, paciente relata como busca vencer a endometriose e ter uma vida normal

Ela precisou abrir mão do sonho de engravidar, também por conta de uma trombofilia, mas entende que foi para salvar sua própria vida.

28/03/2021 às 18h00, Por Rachel Pinto

Compartilhe essa notícia

Laiane Cruz

Depois de muitos anos sofrendo com fortes dores, cólicas menstruais intensas, mal estar, vômitos e febres, em 2017, a autônoma Tatiane Portela finalmente obteve um diagnóstico. Estava com endometriose, até então uma doença sobre a qual não tinha muitas informações, mas que já tinha se alastrado por boa parte do seu corpo e naquele momento a obrigava a fazer uma cirurgia. Foi um grande susto, a ficha demorou a cair. Imaginava que o problema só causava infertilidade nas mulheres acometidas e ignorava que poderia até levar à morte.

“Sou portadora de endometriose profunda grau 4. Desde nova eu sentia cólicas menstruais muito fortes, sempre ia parar na emergência com dores, mal estar, vômitos, porém o diagnóstico pra mim veio tardio, em outubro de 2017. Já tinha uns três dias com febre e dores no corpo. Resolvi ir na emergência do Hospital da Bahia, pois eu estava lá a trabalho, o médico disse que eu precisava fazer uns exames. No final da tarde, ele chegou, um urologista, e explicou tudo o que estava acontecendo com meu corpo. Fiquei assustada, em pânico, quando ele disse que eu ia precisar ficar internada, pois no outro dia eu ia ter que fazer uma nefrostomia, minha uretra estava obstruída. Não foi fácil ouvir tudo aquilo sobre a doença, sem conhecimento nenhum”, relatou Tatiane.

Ela lembra que o profissional que a atendeu naquele período a aconselhou a pesquisar mais sobre a doença. Perguntou se ela sabia o quanto a endometriose poderia ser devastadora para uma paciente, em questão de sofrimento tanto físico como emocional.

“Já tinha acometido alguns órgãos meus, como o funcionamento do meu rim. Foi um baita susto. Eu tinha a visão errônea que a endometriose só causava infertilidade, que era o que foi me passado. Não foi meu caso, pois além de ter obstruído minha uretra, já tinha acometido meu reto, vagina, intestino, o nervo ciático, a pelve tinha focos, foi se espalhando praticamente pelo corpo todo. Foi nesse atendimento que eu tive um bom suporte, foram meses de internações, nelas vieram muitas infecções urinárias e renais, fiz três trocas de drenos, exames diários, tomografia, sempre acompanhando os resultados das medicações”.

Após meses de luta, indo a médicos de diversas áreas, tomando morfina todos os dias, Tatiane conheceu um profissional que se sensibilizou com sua história. “Ele atendia meu plano em Salvador e disse que iria montar uma equipe e faria a cirurgia. Foram médicos capacitados, teve uma equipe multidisciplinar, fiz no Hospital da Bahia, em Salvador, porque aqui em Feira não consegui realizar pelo plano. Tive que entrar na Justiça e ter uma ordem judicial pra agilizar a cirurgia”, explicou.

Ela relatou que foram meses difíceis após a realização da cirurgia. Precisou usar um dreno na barriga, e após uma cirurgia de mais de seis horas, os médicos perceberam que ela estava sem o movimento da perna esquerda, por conta dos procedimentos feitos no nervo ciático.

Foto: Arquivo Pessoal

“Após reabilitação, fisioterapia na UTI, depois de três dias voltei o movimento. Eles fizeram o possível para tirar todos os focos, mas infelizmente ainda ficaram alguns de difícil acesso, e por conta disso ainda sinto dores e faço acompanhamento. Depois da cirurgia adquiri uma incontinência urinária, que trato até hoje, tomo remédios. Passei um bom período fazendo bloqueios menstruais, remédios pra suspender sangramentos, porém estava me fazendo muito mal”.

Tatiane Portela contou que mesmo tendo sobrevivido a tantas turbulências, hoje ela busca viver uma vida normal, dentro do que é possível. Precisou abrir mão do sonho de engravidar, também por conta de uma trombofilia, mas entende que foi para salvar sua própria vida.

“Não me limito à doença, hoje faço de tudo para ter uma vida normal e saudável, e penso que o pior já passou. Faço as consultas, fisioterapia, faço os exames de controle. E quanto a ser mãe, eu já quis muito, hoje estou com 37 anos, mas devido a outro problema de saúde, pois tenho trombofilia e os médicos não me aconselharam, coloquei esse sonho na caixinha. É frustrante, mas eu preferi optar por não tentar, sei que pra outras é doloroso. Mas mãe não é só gerar, podemos adotar, e não precisa ir tão além e botar a vida em risco. Eu sei que a endometriose pode ser fatal, levar a óbito, e é preciso um olhar mais cauteloso, uma devida atenção”, salientou.

A paciente entende que Feira de Santana precisa de um centro de referência no assunto, com uma equipe capacitada e que preste um bom acolhimento às pacientes que, como ela, sofrem com a doença.

“Uma equipe que tenha empatia pela paciente, pois nesse período sofri muito com pessoas que me olhavam com desdém, que achavam que cólica era normal e que eu só vivia com dor. Mas diante disso tudo estou aqui firme e forte, buscando viver bem, da melhor forma possível, e hoje eu me sinto fortalecida, diante de todas as adversidades que surgiram. Tudo que aconteceu durante todo o período de meses de internação foi muito doloroso, passa um filme na minha cabeça, então eu acho que é uma causa que deve ser apoiada, deve ser olhada, ter um comprometimento de governantes, de médicos, de profissionais da área. E as mulheres que sofrem devem se engajar nessa causa, nessa luta, pois tem muitas pessoas que nem sabem que têm a endometriose”, relatou.

Entenda a endometriose

De acordo com a médica ginecologista Amanda Soares, a endometriose é uma doença que faz com que o endométrio, que é uma camada do útero, acabe se instalando em outros órgãos. Não só na camada uterina, mas pode aderir também nas tubas uterinas, nos ovários, bexiga, intestinos e tudo isso vai causar uma série de transtornos à paciente.

“A endometriose é uma doença que afeta grande parte das mulheres. Ela normalmente vem com sintomas, como dor pélvica importante, dor na relação sexual. Ela é causada pelo endométrio, que é uma camada uterina, que vira a menstruação e deve sair pela vagina, mas se tornar retrógrada e acaba acometendo outros órgãos, principalmente órgãos da pelve. Isso diminui a qualidade de vida da paciente e pode causar infertilidade. São focos do endométrio que acabam tendo localizações em outras partes”, explicou a especialista.

Diagnóstico

O diagnóstico das pacientes com endometriose, inicialmente, vão ser clínicos. Conforme a ginecologista, geralmente as pacientes chegam com queixa de dor na relação sexual, que é dispareunia, cólicas e dismenorreia intensa.

“Elas têm uma queixa de uma cólica que diminui a qualidade de vida, infertilidade também pode ser uma queixa. Pela história clínica você já desconfia. Fora isso, fazemos o exame físico com o toque abdominal e vaginal para ver se ela tem dor na mobilização do cólo, se tem cólo com aderência e temos outros exames. O padrão ouro era a laparoscopia, mas por ser um exame invasivo, hoje a gente usa como padrão ouro uma ultrassom para pesquisa de endometriose profunda, que dura mais ou menos uma hora e é feito um preparo intestinal anterior à realização do exame. Ele tem uma especificidade e sensibilidade muito alta. Fora isso nós podemos fazer a ressonância da pelve para avaliar os focos dessa endometriose”, informou Amanda Soares.

Ela aponta que a endometriose acomete pacientes que estão em idade fértil, inicia com a chegada da menstruação até mais ou menos entre 45 a 50 anos. Depois quando as pacientes entram na menopausa ou climatério, esses focos de endometriose geralmente começam a reduzir.

“É uma doença hormônio dependente e precisa do estrógeno da progesterona pra se proliferar. Então se a pessoa não tem esses hormônios os focos vão reduzir. No momento que a mulher menstrua é o endométrio descamando e sendo eliminado via vaginal. Não se sabe ainda a causa da existência da endometriose, mas uma das teorias é que a menstruação volta de forma retrógrada, ou seja, ao invés da menstruação descer, ela sobe. Esse é um processo fisiológico, mas ela acaba se aderindo em alguns órgãos. Quanto mais ciclos menstruais a mulher tem na vida, maiores as chances dessas menstruações retrógradas causarem aderências do endométrio em outros órgãos”, explicou.

Tratamento

Segundo a médica Amanda Soares, o uso do anticoncepcional para essas pacientes é um fator de proteção e também um tratamento, não sendo o único. Existe uma classificação entre endometriose mínima, leve, moderada e grave e, de acordo com essa classificação, existem as formas de tratamento, que pode ser clínico ou cirúrgico.

Foto: Ney Silva/Acorda Cidade

“No tratamento clínico a utilização é realmente bloquear essa paciente. O uso de anticoncepcional vai bloquear esses receptores desse endométrio ectópico, que está fora do útero, então as pacientes que fazem uso do anticoncepcional contínuo, elas também vão ter um fator de proteção porque não vai ter essa menstruação retrógrada”, explicou.

Amanda Soares acrescentou que também no tratamento clínico são utilizados anticoncepcionais com progesterona, geralmente de forma contínua. Existem outros tratamentos, como o análogo de RH, que faz com que se mimetize uma menopausa na paciente.

"Isso vai diminuir os focos de endometriose na paciente, mas também vai trazer todos os efeitos colaterais. Em relação ao tratamento cirúrgico, pacientes que têm infertilidade, acometimento de bexiga, comprometimento de intestino, endometriose profunda, normalmente vão precisar de cirurgia, como uma adesiólise, que é uma cirurgia laparoscópica, pra retirar as aderências e ela conseguir engravidar", frisou.

A especialista salientou ainda que a maioria das mulheres com endometriose só é diagnosticada depois de mais de oito anos com sintomas. Elas procuram vários médicos e mesmo assim não conseguem ter o diagnóstico da doença.

“Então é muito importante o acompanhamento com o ginecologista, pois é uma doença que realmente diminui a qualidade de vida da paciente, está associada com depressão, e o acompanhamento é essencial”, concluiu.

Com informações do repórter Ney Silva e Maylla Nunes do Acorda Cidade.

Compartilhe essa notícia

Categorias

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais Notícias

image

Rádio acorda cidade