A língua que ninguém fala

Gente, que horror! Um grande jornal decidiu seguir a cartilha do Lula e chamar os negros de "afrodescendentes" – uma cópia meio mambembe dos afroamericans que os Estados Unidos passaram a usar. O objetivo é evitar palavras "negativas", como "negro" ou "preto". É interessante verificar que as mesmas pessoas que vêem conotação negativa em "negro" ou "preto" acham normal chamar alguém de "branco". Branco não é "negativo". Preto é. Quem é racista?

Este colunista gosta de ciências, mas não chega a ler revistas estrangeiras. Foi nos jornais brasileiros que hoje chamam negros de afrodescendentes que aprendeu que a origem do ser humano é a África. Somos todos afrodescendentes.

A discussão sobre a afrodescendência recorda outra, hoje abandonada, sobre o nome dos americanos. Americano não podia, porque também somos parte da América; norte-americanos também não, porque México e Canadá também estão na América do Norte. Alguns optaram por "estadunidense". Só que estadunidenses são também os mexicanos, nascidos nos Estados Unidos do México; e, antes que mudassem o nome do país para República Federativa, também os brasileiros.

Em geral, quem tenta fugir aos nomes consagrados revela o racismo que tem dentro de si. O cavalheiro não é "judeu": é de "ascendência judaica" (ou, muitas vezes, de "descendência judaica", o que mostra que além de racista o redator é meio analfabeto). Não é "índio", mas de "ascendência indígena".

Negro é negro, anão é anão, judeu é judeu. Preconceito é outra coisa.
 

Texto de Carlos Brickmann, em 17 de maio de 2005

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