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25 de Julho: Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha

Conforme dados do IBGE, 54% da população brasileira se identifica como negra.

25/07/2021 às 11h52, Por Andrea Trindade

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Railda Neves*

A violência, a falta de oportunidade, de emprego, de educação e de qualidade de vida, são problemas comuns à grande maioria das mulheres, em especial à mulher negra cujas experiência vivida por seus corpos se assemelham em todo o território da América Latina e do Caribe.

Conforme dados do IBGE, 54% da população brasileira se identifica como negra. Contudo, a população negra é a que mais sofre com os efeitos da pobreza e da violência. Dentro desse contexto, conforme a ONU, os lares chefiados exclusivamente por mães solo e negras são os que mais se encontram em acentuados níveis de vulnerabilidade. Dados do Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada de 2016, dão conta de altos níveis de violência contra a mulher negra. Ela sofre a tripla discriminação: sexo, raça e classe.

Essa condição de exclusão e cerceamento de direitos fez surgir organizações mais efetivas de mulheres em defesa da vida, a exemplo do Coletivo de Mulheres Negras de Salvador/ BA, organizada em 1992, com o objetivo de desenvolver ações ligadas ao combate ao racismo, ao sexismo, à lesbofobia, a violência de gênero, dentre outras formas de discriminação.

A Red Afrolatina y Caribena de Mujeres, também criada em 1992, visando o enfrentamento a situações de exclusão vivida pelas mulheres negra na América Latina e no Caribe e para lutar junto aos governos locais pela elaboração e implementação de políticas públicas dirigidas à mulher. Temos ainda o Odara – Instituto da Mulher Negra, criado em 2010; o Núcleo de Mulheres negras – Nunegras que é um núcleo de mulheres negras do Associação Cultural Movimento Afro –Moviafro FSA, fundado em 2014; entre outras organizações que visam a melhoria da condição de vida das mulheres e de suas famílias.

Em 1992, um grupo de mulheres se reuniu e decidiu se unir para lutar de forma mais intensa contra a realidade que atinge em particular a mulher negra. Dessa união nasce o I Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas, realizado na República Dominicana em Santo Domingo. No encontro diversas pautas como racismo, machismo e seu impacto sobre a vida das mulheres e possíveis alternativas, foram discutidas. A partir desse encontro histórico, surge a Rede de Mulheres Afro-latino americanos e Afro-Caribenhas. Em 2014, a rede se organizou, junto à Organização das Nações Unidas – ONU, e lutou para o reconhecimento do dia 25 de julho como o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha.

Conforme registrado em dossiê de 2018, a ONU proclamou o período entre 2015 e 2024 como a Década Internacional de Afrodescendentes, afirmando a necessidade de garantia de direitos humanos aos afrodescendentes. Na oportunidade afirmou o ex-secretário da ONU, BAN KI-MOON: “Devemos lembrar que os povos afrodescendentes estão entre os mais afetados pelo racismo. Muitas vezes, eles têm seus direitos básicos negados, como o acesso a serviços de saúde de qualidade e educação.

” Nesse contexto em particular, a mulher negra vivencia altos níveis de pobreza, ganham menos, tem menos oportunidade de ascensão social entre outras circunstâncias adversas. Essa situação Werneck chama de “lado áspero” de ser mulher negra. Daí a importância da homenagem que escolheu como referência Tereza de Benguela.

A decisão de homenagear Tereza de Benguela, liderança do quilombo de Quarité, é resultado do reconhecimento de sua luta contra a escravidão. Essa homenagem tornou-se realidade em 02 de junho de 2014, com a lei Lei nº 12.987. A Lei criou o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. No Brasil, Tereza é a grande referência para mulher negra. A ela associam-se várias outras mulheres, que no seu lugar, empreendem lutas diárias contra todo tipo de opressão de gênero e raça, seja na lida doméstica, na academia, em alguns cargos diretivos, nas salas de aulas, em diversas ações empreendedoras.

Quem foi Tereza de Benguela:

É importante demarcar o silêncio da historiografia em relação aos sujeitos cujos corpos foram historicamente negados pela escravidão e seu legado. São poucas as pesquisa sobre Tereza de Benguela e de outras referências que lutaram por liberdade. Nesse contexto de silêncio surgem algumas possibilidades que nos dão a conhecer sobre sua história.

Existe uma dúvida sobre o local de nascimento de Tereza. Porém seu nome parece ser um indicativo de seu lugar de origem. É possível que Tereza tenha nascido na região de Benguela, atual República de Angola.

No Brasil, do século XVIII, Tereza de Benguela viveu na região do rio Guaporé, ao lado de seu companheiro José Piolho ajudando na liderança do Quilombo de Quarité, (fronteira entre Mato Grosso e Bolívia). Nele viviam negros de origem africanas e nascidos no Brasil bem como indígenas fugidos da opressão colonial.

Após a morte de seu companheiro, assassinado pelas forças do governo, Tereza, também conhecida como “Rainha Tereza”, tornou-se a principal liderança da comunidade negra e indígena. Seu governo durou duas décadas e seguia um critério interessante: as decisões eram tomadas a partir da consulta a um conselho. Tinham um sistema de defesa organizado. Conseguiam armas em trocas com os brancos ou em saques realizados na região. No quilombo plantavam o necessário para a alimentação dos moradores e algodão. Possuíam teares de tecido e tendas de ferro. A navegação em barcos imponentes era algo que saltava aos olhos de quem via Tereza navegar.

Nos anais de Vila Bela existem registros que contam detalhes do ataque ao quilombo liderado por Tereza. Eles dão conta de que por lá, naquele dia, haviam 79 negros e 30 indígenas. Dentre eles, nove foram mortos e tiveram suas orelhas cortadas. Alguns foram aprisionados e acorrentados. Outra parte conseguiu escapar da derrocada.

O ataque ao quilombo foi chefiado por Luís Pinto de Souza Coutinho. Na oportunidade, Tereza foi aprisionada. Sua morte data de 25 de julho de 1770. Não se sabe ao certo fora assassinada ou se suicidou-se ingerindo ervas venenosas. Como era de costume na época, Tereza teve sua cabeça exposta em lugares da região. A colonialidade dizia, com isso, o que poderia acontecer a quem ousasse se insurgir.

O nome de Tereza, como tantos outros, foi silenciado pela historiografia oficial. Porém, a pujança do movimento feministas e as novas perspectivas de pesquisa que tem surgido, ajudou a descortinar o nome de Tereza de Benguela. Liderança e referência nacional feminina na luta contra a escravidão no Brasil.

Importa ressaltar que o dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, surge como símbolo de luta, mas é também representa uma oportunidade de se dá visibilidade às contribuições das mulheres negras nas ações em defesa da vida, haja vista sua reação à opressão. Além disso, a data é uma oportunidade ímpar na efetivação da lei 10638/03, complementada pela Lei nº11.645/08.

*A professora Railda Neves é graduada em História pela Uefs; mestra em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas pela UFRB; integrante do Grupo de Currículo do Ensino Fundamental Anos Finais da Secretaria Municipal de Educação; e integrante no Nunegra e do Neabi – Uefs.

Referências

ARRAES, Jarid – Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis. 1ª edição, Editora Jandaíra. 2017

FARIAS JUNIOR, Emmanuel de Almeida. “Negros do Guaporé: o sistema escravista e as territorialidades específicas”. Ruris, vol.5 nº 2, p.89-91,2011.´

(Primeiro foi a tese de doutorado de Farias Júnior, Emmanuel de Almeida Megaprojetos inconcludentes e territórios conquistados: comunidades quilombola. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social– UFAM, 2016.) Transformada em livro

LACERDA, Thais de Campos. Tereza de Benguela: Identidade e representatividade negra. Revista de Estudos Acadêmicos de Letras, UNEMAT, v. 12, nº 2. – 2019.

WERNECK, Jurema. Conhecimento, poder e gênero: o desafi o das Yalodês. Rio de Janeiro, 2000. Dissertação (Mestrado, Ciências em Engenharia de Produção) – Universidade Federal do Rio de Janeiro

ONU. Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Década Internacional de Afrodescendentes (2015-2024), 2014. Disponível em: http:// decada-afro-onu.org/documents.shtml. Acesso em: 12 jul. 2021.

ONU. Direitos Humanos das Mulheres. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/08/Position-Paper-Direitos-Humanos-das-Mulheres.pdf>. Acesso em: 12 /07/2021.

ZAMBRANO, Catalina Gonzalez. Mulheres Negras em Movimento: ativismo transnacional na América Latina (1980-1995). São Paulo: USP, 2017, p.14.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2015-07/mulheres-negras-enfrentam-problemas-semelhantes-na-america-latina

https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=33411
 
 

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