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Competência para julgamento do crime de associação em organização criminosa

Em conclusão, pode-se dizer que os fatos ilícitos praticados por organizações criminosas transnacionais e a lavagem de dinheiro transfronteiriça são de competência da Justiça Federal.

14/12/2020 às 10h34, Por Kaio Vinícius

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Por Vladimir Aras 

Como o delito de associação em organização criminosa está previsto em tratado (art. 5º da Convenção de Palermo), a competência para seu processo e julgamento será da Justiça Federal sempre que a associação for transnacional ou quando os crimes que tal ente praticar tiverem caráter de transnacionalidade, com a prática de crimes a distância. Tal regra de competência decorre do art. 109, inciso V, da Constituição.

Desta forma, a ação penal será pública incondicionada, em mãos do Ministério Público Federal. Segundo tal inciso V, compete aos juízes federais processar e julgar “os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente”.

Internamente, este delito está previsto no art. 2º da Lei 12.850/2013, que diz:

Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.
§ 4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):

III – se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior;

V – se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.

A regra do inciso V também se aplica ao crime de lavagem de dinheiro transnacional, já que tal delito está previsto em mais de um tratado internacional, podendo-se citar o art. 3º da Convenção de Viena (1988), o art. 6º da Convenção de Palermo e o art. 23 da Convenção de Mérida (2003).

Quando no iter criminis faltar a nota de transnacionalidade, os crimes praticados por organizações criminosas e os delitos de lavagem de dinheiro serão em regra de competência estadual, ressalvadas as hipóteses previstas nos outros incisos do art. 109 da Constituição. Por exemplo, a pirataria marítima praticada por organizações criminosas será de competência federal, por força do art. 109, inciso IX, da Constituição (“crimes cometidos a bordo de navios”), desde que os piratas utilizem embarcações categorizadas como navios ou ataquem naus com essa classificação.

Crimes cometidos por organizações terroristas – que podem ser investigados com base na Lei de Organizações Criminosas, graças ao art. 1º, §2º, inciso II, da Lei 12.850/2013 – serão igualmente de competência federal, mas por força do inciso IV do art. 109 da Constituição Federal. De fato diz o art. 11 da Lei 13.260/2016:

“Art. 11. Para todos os efeitos legais, considera-se que os crimes previstos nesta Lei são praticados contra o interesse da União, cabendo à Polícia Federal a investigação criminal, em sede de inquérito policial, e à Justiça Federal o seu processamento e julgamento, nos termos do inciso IV do art. 109 da Constituição Federal.”

Note-se que à luz do inciso IV do art. 109 da CF, as justiças criminais especializadas também podem julgar ações penais pelo crime de associação em organização criminosa.

No que tange à Justiça Eleitoral, isto ocorrerá quando o grupo criminoso for voltado à prática de crimes eleitorais ou o grupo criminoso praticar infração penal grave conexa a crime eleitoral (art. 35, inciso II, da Lei 4.737/1965).

Por outro lado, ao redefinir o conceito de crime militar impróprio (art. 9º, inciso II, do CPM), a Lei 13.491/2017 ampliou a competência da Justiça Militar. Deste modo, a justiça castrense pode julgar integrantes de organizações criminosas que tenham como especialidade a prática de crimes militares próprios ou impróprios. O Ministério Público Militar (MPM) e o Ministério Público Estadual em sua atuação na Justiça Militar podem, assim, imputar o crime previsto no art. 2º da 12.850/2013 a autores de crimes militares. No entanto, enquanto a Justiça Militar da União pode julgar civis e os militares das Forças Armadas, a Justiça Militar Estadual só julga militares (policiais e bombeiros militares).

Eventualmente, a competência para julgar integrantes de organizações criminosas pode pertencer a um tribunal de apelação (TJ, TRF, TRE) ou a um tribunal superior (STF, STJ ou STM), com processo e julgamento nos termos da Lei 8.038/1990. Isto ocorrerá se ao menos um dos integrantes da organização criminosa for pessoa detentora de foro por prerrogativa de função. É o que se viu, por exemplo, nos casos Mensalão (AP 470/DF) e Lava Jato, perante o STF.

No entanto, à luz do precedente firmado pelo STF na AP 937 QO/RJ, tais hipóteses de organizações criminosas no foro especial tendem a rarear, tendo em conta que, para a prevalência do foro privilegiado, o crime deve ser de natureza funcional, praticado na função e em razão dela:

“O O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”. (STF, Pleno, AP 937 QO/RJ, rel. min. Luiz Roberto Barroso, j. em 03.05.2018).

Em conclusão, pode-se dizer que os fatos ilícitos praticados por organizações criminosas transnacionais e a lavagem de dinheiro transfronteiriça são de competência da Justiça Federal, ressalvadas as competências da Justiça Militar (Lei 13.491/2017) e da Justiça Eleitoral (Quarto Agravo Regimental no Inquérito 4435/DF, STF, Pleno, rel. min. Marco Aurélio, j. em 14.03.2019).
 

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