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Professora da UFRB que denunciou racismo diz que aluno já chamou negros de preguiçosos: 'Destilação de ódio'

Caso ocorreu no campus da cidade de Cachoeira. Estudante foi à delegacia antes da professora e disse que sofreu preconceito de colegas; polícia investiga.

11/12/2019 às 15h49, Por Rachel Pinto

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"Eu insisti para que ele desse qualquer explicação. Eu queria entender o motivo pelo qual ele não queria pegar a prova das minhas mãos". É o que conta a professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Isabel Reis, que denunciou um aluno à polícia por racismo, durante a aplicação de provas dentro do campus da instituição, na cidade de Cachoeira.

A ação foi gravada por estudantes que estavam dentro da sala de aula. As imagens mostram Danilo Araújo de Góis se recusando a pegar a prova na mão da professora e pedindo que ela colocasse o exame em cima da mesa para que ele pudesse pegar.

Em entrevista ao G1, a professora do curso de Licenciatura em História, disse que Danilo pega a matéria dela, História do Brasil no Século XIX, como optativa, e que neste semestre foi a primeira vez que ele foi seu aluno.

Ela revelou ainda que os estudantes já tinham contado que ele não gostava de encostar em pessoas negras e homossexuais e que, além disso, ele se recusava a pegar qualquer coisa na mão de pessoas negras.

"Antes daquilo acontecer na sala, os alunos já falavam de racismo e homofobia [por parte de Danilo], que ele não recebia coisas de pessoas negras. Mas até então nós [professora e estudante] não tínhamos vivenciado qualquer situação semelhante", disse.

A professora relembrou que durante uma aula, neste semestre, o estudante chegou a dizer que os negros era preguiçosos e fediam.

"Durante uma das aulas, ele falou que negros não eram empreendedores, eram preguiçosos e que, por isso, foi necessário o uso da mão de obra imigrante. Como vou deixar um aluno sair da sala trazendo esse tipo de pensamento raso? Baseado em que ele está falando isso? Ele precisava ler, fazer uma reflexão do que falava. Então fizemos um trabalho, com os primeiros passos da república, com livro para leitura. Porque eu não sabia onde ele estava lendo as coisas que dizia. Após o trabalho, ele disse que o Rio de Janeiro fedia e que os negros fediam", contou.

Há 10 anos no corpo de docente da universidade, a professora disse que jamais se viu em uma situação semelhante com a que vivenciou com Danilo. Relatou ainda que, diante dos comentário do estudante, o objetivo dela como docente era levar conhecimento para o aluno e jamais criar conflitos.

"O racismo é uma coisa que é socialmente construída. As pessoas não nascem racistas, elas são construídas. Racistas não declarados convivemos cotidianamente. A gente vai chamando atenção para as coisas pelo comportamento. Não que eu nunca tenha sofrido racismo, mas com essa destilação de ódio, não", contou.

A professora também comentou sobre o estudante que tentou invadir o quarto de Danilo com um pedaço de pau na mão, na terça-feira (10).

"Nenhum estudante tem o nosso aval para cometer esse tipo de comportamento. A gente não quer que ninguém tenha esse tipo de atitude. Isso só depõe negativamente contra a gente. Os estudantes estão orientados a não ter qualquer ação verbal ou física. O racista e homofóbico é ele. Nós somos vítimas e não vamos virar réus", destacou.


'Coloque a prova na mesa'

A professora relembrou o momento em que o aluno se recusou a pegar a prova na mão dela na sala da UFRB.

"Eu estava aplicando a prova e ele chegou um pouco atrasado. Naturalmente eu peguei e dei a prova. Aí ele disse: 'Coloque em cima da mesa, bote em cima da mesa. Aí foi eu lembrei do que os alunos diziam, que ele não pegava objetos das mãos de pessoas negras. Então eu perguntei: 'Por que você não pode pegar na minha mão? E ele disse: Porque não posso. Ele calcula bem as ações. Ele não verbalizou porque não cabia na frente de tantas pessoas", relatou.

A professora disse que insistiu pra que Danilo desse qualquer explicação. "Eu queria entender porque ele estava tendo aquele comportamento".

A professora disse que diante da recusa do estudante de pegar a prova ela também se negou em dar o exame. "Ele falava: 'Bote na mesa, que não pego da sua mão. Na mesa, na mesa'", disse.

Isabel disse que se Daniel não pegasse a prova na mão dela, que ele não faria o exame. "Na hora eu disse que não entendia porque ele não queria pegar a prova na minha mão eu ainda disse: 'Eu não tenho nenhuma doença contagiosa'. Ainda assim ele fez menção de que não iria fazer a prova e os estudantes estavam reclamando, gritando racista, racista. Eu não poderia deixar ele de pé na sala olhando para as pessoas, então ficou definido que ele sairia", relembrou.

A professora disse que Danilo chegou na delegacia antes dela e relatou que Isabel estava incitando os alunos contra ele.

"Depois disso não nos falamos mais, mas não tenho problema em falar com ele. Terça feira eu ministrei minha aula, ele também esteve aqui ontem [terça-feira] pela manhã, assistiu aula", concluiu a professora.

A Polícia Civil de Cachoeira informou que apura a denúncia da professora, mas que ainda não vai se posicionar sobre o caso.

Caso

Segundo a polícia, o estudante do curso de Ciências Sociais, Danilo Araújo de Góis, esteve na Delegacia de Cachoeira e relatou que foi vítima de preconceito, porque os estudantes não deixaram ele se explicar e o chamaram de racista. Ele registrou um boletim de ocorrência e foi liberado.

De acordo com informações da polícia, na denúncia da professora Isabel Reis consta que Danilo se recusou a receber a prova da mão dela, porque ela é negra. O caso aconteceu na noite de segunda-feira (9), no Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL).

Um vídeo mostra o momento em que Danilo Araújo de Góis se recusou a pegar uma avaliação das mãos da professora.

O vídeo ainda mostra que a coordenadora do curso fala para a professora que é um direito dela continuar na sala sem o aluno. "A senhora, professora, se sente confortável em condições de prosseguir a avaliação com o estudante na sala? Porque é seu direito [que ele saia da sala]”.

Após a pergunta, a professora diz que não tem condições de aplicar a prova para o aluno e ele é convidado pela coordenadora a sair da sala.

"Então, eu acho que a gente, eu como coordenadora do colegiado do curso de história, aqui diante de membros do colegiado, convido o estudante que saia da sala. Peço aos colegas que se colocarem à disposição, nós vamos convocar vocês para servir como testemunhas", diz a coordenadora do curso.

Em nota, a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia informou que repudia a atitude do estudante do curso de Ciências Sociais, Danilo Araújo de Góis, para com a professora Isabel Cristina Ferreira dos Reis e outros estudantes do Centro de Artes, Humanidades e Letras, em Cachoeira.

A instituição também informou que criou uma comissão para apurar as denúncias encaminhadas por estudantes e professores do Centro de Artes, que informam ter presenciado outras manifestações de preconceito racial, de gênero e de homofobia por parte do estudante.

De acordo com a UFRB, a instituição está tomando as medidas administrativas e jurídicas cabíveis para contribuir com a apuração dos fatos ocorridos.

Fonte: G1

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