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Seis sentimentos que mudaram de significado nos últimos séculos

Hoje a lembrança de bons momentos do passado, a nostalgia era uma doença típica dos marinheiros medievais -- e podia levar à morte

13/05/2019 às 13h32, Por Maylla Nunes

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É comum pensarmos que as emoções são fixas e universais. No entanto elas e as palavras que as definem variam entre países e culturas (a expressão "schadenfreude", por exemplo, só existe no idioma alemão para designar o prazer sentido com a má sorte alheia, assim como "saudade" é um termo exclusivo da língua portuguesa), e novas emoções surgem toda hora.

A mudança dos emoticons, que tanto usamos hoje em dia para expressar nossos sentimentos, também reflete as dinâmicas emocionais. Segundo Sarah Chaney, uma das pesquisadoras do Centro para a História das Emoções, no Reino Unido, há sentimentos do passado que ajudam a entender os atuais, e a forma como eles foram nomeados no passado podem ser insuficientes para entender como eles são sentidos hoje.

Um desses exemplos é a acedia, uma emoção resultante de "crises espirituais" comum aos monges que viviam em monastérios europeus durante a Idade Média. Quem a experimentava dizia sentir desconforto, relutância e apatia — acima de tudo, um desejo de abandonar a vida santa. Numa faculdade de psicologia contemporânea, a acedia pode ser catalogada como uma espécie de depressão, ainda que o fator do monastério seja essencial para entendê-la — e não à toa, com o passar dos séculos, esse sentimento se confundiu com a preguiça, um dos sete pecados capitais.

O frenesi é outro sentimento medieval: séculos atrás, a palavra era usada para se referir a um tipo de ira em que a pessoa se sentia agitada, furiosa e não raro tinha ataques em que destruía tudo e fazia muito barulho. "Era impossível estar em um frenesi e ficar quieto", contou Sarah ao jornal britânico The Guardian. "Muitas emoções históricas estão ligadas a um tempo e a um lugar: são impossíveis de serem sentidas agora", completou.

A melancolia é um terceiro sentimento que mudou de significado na história: se hoje é um termo utilizado para expressar uma espécie de tristeza ou de um estado de contemplação, no começo do período moderno ela era entendida como uma aflição física mais próxima do temor.

Até o século XVI, na verdade, se acredita que a saúde de um indivíduo dependia do equilíbrio de quatro fluidos corporais: o sangue, o catarro, a bílis amarela e a bílis negra. A melancolia era quase uma doença, nesse sentido, porque se caracterizava pelo excesso desta última no corpo. "Um dos sintomas da melancolia era o medo, portanto. Em alguns casos, as pessoas melancólicas tinham medo de se movimentar porque pensavam que estavam cristalizadas e que, se se mexessem, quebrariam", contou a pesquisadora.

Dizia-se que o rei francês Carlos VI era melancólico e que, para tratar da "doença", mandava costurar barras de ferro em suas roupas para evitar que quebrasse a si mesmo de forma acidental.

Outra doença física até o início do período moderno era a nostalgia — geralmente associada aos marinheiros. Como eles ficavam muito tempo longe de casa, o desejo de retornar após viagens longínquas acabava por deixá-los entristecidos, desenganados e, segundo registros medievais, alguns até morreram por causa disso. "Não se compara em nada com a nossa definição atual, que descreve as lembranças de bons tempos passados", disse Chaney.

Há ainda sentimentos que estão muito ligados a uma experiência específica, não somente a um lugar e a um tempo, como é o caso da neurose de guerra — uma expressão que ganhou força na Europa por causa dos diagnósticos feitos dos soldados nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial.

Assim como a melancolia e a nostalgia, ela também passava-se como uma doença, tanto em seu tratamento como nos sintomas que apresentava. Um neurótico de guerra tinha espasmos e costumava perder momentaneamente a visão e a audição, mesmo sem ter nenhum tipo de deficiência.

No começo do conflito, os médicos e psicólogos acreditavam que eles eram resultantes do volume e da proximidade dos quadros às explosões de bombas que, segundo eles, "balançavam o cérebro". Foi muito tempo depois que tais sintomas passaram a ser tratados como alterações psicológicas — e mesmo na Segunda Guerra Mundial ainda havia quem defendesse a primeira significação.

Há ainda o caso da hipocondria, que para o século XIX tinha se tornado uma doença emocional — a versão masculina da histeria. "Os médicos vitorianos acreditavam que um quadro de hipocondria causava cansaço, dor no corpo e problemas digestivos. Nos séculos XVII e XVIII, se dizia que a hipocondria estava ligada ao baço, e depois se associou aos nervos", finalizou a especialista britânica.

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