meio ambiente
Fungo dizimou populações de 501 espécies de anfíbios no mundo
No Brasil, pelo menos 50 espécies foram afetadas, segundo estudo.
29/03/2019 às 06h58, Por Andrea Trindade
Acorda Cidade
Agência Brasil – Um fungo microscópico de hábitos aquáticos foi o responsável pela maior perda de biodiversidade relacionada a um único agente de toda a história mundial. Causador de uma doença infecciosa conhecida como quitridiomicose, o microrganismo provocou – nos últimos 50 anos – a diminuição das populações de, pelo menos, 501 espécies de anfíbios no mundo. Acredita-se que 91 delas tenham sido extintas.
No Brasil, no mínimo 50 espécies foram afetadas, sendo que 12 foram extintas e 38 sofreram com a perda de população. Os resultados, produzidos por pesquisadores de 16 países, foram publicados ontem (28) na revista americana Science.
De acordo com a pesquisa, em algumas populações de anfíbios no mundo, as espécies ficaram restritas a menos de 10% da distribuição original. Os pesquisadores estimam que pelo menos 6,5% das espécies conhecidas de anfíbios sofreram declínios causados pelo fungo. O professor Luís Felipe Toledo, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coautor do estudo, e sua aluna Tamilie Carvalho são os dois brasileiros envolvidos no trabalho. Ele explica que a perda de biodiversidade pode ser ainda maior, pois o fungo patogênico só foi descoberto em 1998.
“O [pico de] declínio aconteceu nos anos 1980. O registro dos dados ficou meio deficiente, então deve ter até mais espécies que sofreram, mas a gente não sabia que isso estava acontecendo. Não se fazia o monitoramento das populações na natureza para acompanhar e ver que estavam ocorrendo declínios”, apontou Toledo. A pesquisa foi desenvolvida com a coleta de dados e pesquisa histórica em museus. “A gente consegue saber como estava a prevalência do fungo nos locais e nas épocas. A gente viu que, quando o fungo aumenta, as espécies são extintas. A gente conseguiu ir listando essas espécies que tinham sofrido por causa do fungo. Isso foi feito no mundo todo”, relatou.
Toledo acrescenta que, no Brasil, é possível perceber, por meio dos dados coletados, um aumento da quantidade de animais infectados entre meados da década de 1970 e a metade da década de 1980. “Os fungos já existiam aqui, aí alguma coisa aconteceu e o fungo matou mais animais. O microorganismo pode ter evoluído ou pode ter chegado uma nova ferpa desse fungo, pode ter havido alguma alteração climática que afetou o fungo de alguma maneira”, apontou, esclarecendo que não se sabe ao certo o que ocorreu.
As conclusões apresentadas no artigo se baseiam também em revisão da literatura e consultas a especialistas, além do uso da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN, na sigla em inglês). No Brasil, a pesquisa teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Impactos
A diminuição da população de anfíbios e até mesmo a extinção de espécies provocam desequilíbrio no meio ambiente, tendo em vista que eles estão no meio da cadeia alimentar. “Você tem os grandes predadores, que são os mamíferos, répteis, aves, que se alimentam de anfíbios. Por outro lado, eles comem um monte de insetos e outros invertebrados”, explicou o pesquisador. Ele acrescenta que, do ponto de vista dos seres humanos, por exemplo, os anfíbios são controladores de pragas agrícolas e outros mosquitos transmissores de doenças, como Aedes aegypti, vetor da dengue, chikungunya e zika.
Toledo lembra ainda que em alguns países os anfíbios são um item alimentar importante e são usados também no desenvolvimento de remédios. “Tem um componente que estava sendo desenvolvido para tratar úlcera e gastrite a partir de um sapinho da Austrália, mas esse sapo foi extinto pelo fungo”, exemplificou.
A hipótese defendida pela maior parte dos especialistas envolvidos é que uma linhagem virulenta do fungo originária da Ásia tenha chegado à América Central no último século e se disseminado para o continente sul-americano. Esse processo, segundo os estudiosos, foi favorecido pelo transporte de anfíbios – tanto para consumo humano, quanto para o mercado de bichos de estimação. “Uma das medidas práticas seria somente fazer comércio de rãs congeladas, e não vivas. A Europa, por exemplo, já adotou essa medida, mas o Brasil não e os Estados Unidos, não, que é um dos maiores importadores do mundo”.
Toledo chama atenção para a necessidade de políticas de biossegurança e a redução no comércio de vida selvagem. “O mundo inteiro está se unindo em torno desses trabalhos para entender essa doença no sistema global. A gente entende que é a pior doença da vida selvagem. É algo que exterminou mais animais na natureza, mais espécies”, alertou.
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