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Os segredos do metrô mais charmoso do mundo: o de Paris

Sistema inaugurado em 1900 para a Exposição Universal vai comemorar 120 anos em 2020

05/02/2019 às 17h04, Por Kaio Vinícius

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O sistema de metrô de Paris, herança da Belle Époque francesa, está em vias de celebrar 120 anos de existência no ano que vem. Com cerca de 220 km de extensão e 302 estações — incluindo a cavernosa Châtelet, considerada a maior estação de transporte público do mundo — o metrô parisiense é um mundo paralelo, uma cidade subterrânea, que está profundamente arraigada na psique francesa da mesma forma que foi construído sobre o calcário e o gesso de Paris.

A RAPT, a autoridade local de transporte, frequentemente decora as estações com estilos distintos: no centenário do metrô, em 2000, a empresa decorou oito paradas por temas — as plataformas de Saint-Germain-des-Près, por exemplo, que se tornou o coração da literatura francesa, foram caracterizadas com obras de Marcel Proust e Oscar Wilde. A estação Louvre-Rivoli, até hoje, tem uma arquitetura muito semelhante ao Museu do Louvre, ao qual ela dá acesso direto. "É como estar dentro do museu já no metrô", conta a estudante brasileira Taís Rodrigues, que vive na capital francesa há um ano.

O metrô parisiense, certamente um dos mais elegantes sistemas de transporte público do mundo, é também um dos mais baratos — os tíquetes custavam € 1,90 (R$ 8 na cotação de janeiro) no começo do ano. Além disso, é um dos mais onipresentes, já que raramente não se encontra uma estação a mais de 500 metros de distância, e um dos mais seguros — não há registros de acidentes fatais há décadas, apesar de descarrilamentos não serem tão raros. Por ter mais de de cem anos e estar localizado numa metrópole, é de se elogiar sua limpeza.

As últimas estações construídas foram a da Linha 14, que liga a região de Olympiades, perto da nova Bibliothèque François Mitterrand, até a Gare Saint-Lazare, importante parada de trens urbanos e regionais de Paris. Elas são um exemplo do design moderno e de prevenções dos nossos tempos: as plataformas embutem várias escadas rolantes e os trens param atrás de paredes de vidro projetadas para evitar acidentes e potenciais suicidas. Quando as composições e as portas da estação fecham, os passageiros podem caminhar por dentro do trem de uma ponta a outra, admirando as luzes do túnel que passa por baixo do Rio Sena.

Há muitos pequenos segredos guardados no sistema de metrô de Paris, como o caso do seu nascimento problemático, por exemplo. Enquanto os trabalhos nos túneis de Londres começaram em 1860, e Nova York tinha um sistema de trens elevados desde 1871, os parisienses passaram todo o século 19 andando por veículos públicos movidos por três cavalos que atingiam 8 km/h nas já congestionadas ruas.

Entre os primeiros planos estavam aqueles que incluíam que um metrô acima do solo seria levantado por elevadores e, então, autorizado a viajar até a estação seguinte sobre o próprio peso, ou trens que seguiriam linhas sinuosas em postes elevados no meio do Sena. A ideia de um metrô aéreo, em que pilares elevados levariam inevitavelmente às ruínas a igreja de Notre-Dame e o Louvre, foi fortemente combatida pelo escritor Victor Hugo, autor de "Notre-Dame de Paris", e pela Société des Amis des Monuments Parisiens. Eles estavam certos: a igreja hoje é motivo de tanta gente viajar para a cidade tantos anos depois.

O sistema atual, quase todo debaixo da terra, foi inaugurado no dia 19 de julho de 1900, em tempo para a Exposição Universal daquele ano. Ele foi construído por 3,5 mil trabalhadores que congelavam o solo para drenar o caminho pelo Sena, afundando túneis pré-fabricados sobre as pedras pavimentadas e transformando os bulevares em várias feridas abertas.

O metrô foi rapidamente adotado pelos parisienses, se tornando uma alternativa de transporte adorada e uma insultada — e hoje em dia inescapável — característica da consciência coletiva francesa. O pintor Salvador Dalí afirmava que todo homem que andava de metrô depois dos 40 anos era um fracassado. Depois das manifestações de estudantes de 1968, em que os cartazes diziam "Metro-boulot-dodo" ("Metrô, trabalhar, dormir"), o metrô se tornou um exemplo da frustração de uma rotina dura na existência urbana. Gradualmente, no entanto, o sistema parisiense foi se tornando em uma obscura identidade, autenticidade, cotidiano da cidade, ainda que profundamente intrigante: é um caminho paralelo às geometrias glamourosas dos bulevares.

O escritor tcheco Franz Kafka sentiu isso, notando em um artigo de jornal que "o metrô fornece a melhor oportunidade para o estrangeiro imaginar que ele entendeu, rápido e corretamente, a essência de Paris". Algumas coisas são muito próprias do sistema, de fato, como os mendigos, que se embebedam com vinhos baratos e dormem nos bancos das estações no inverno para escapar do frio, além de oferecerem pequenas peças musicais aos passageiros, ou a responsabilidade que os passageiros têm de abrir as portas dos trens a cada parada — ao contrário dos metrôs brasileiros, as portas só abrem quando se aperta um botão ou, nas composições mais antigas, quando se puxa uma manivela.

Em 1903, um incêndio em um trem na estação Couronnes matou 84 pessoas, à medida que os passageiros que permaneciam na plataforma esperando pelo dinheiro de volta por conta do atraso, eram asfixiadas pela fumaça — na época, o sistema foi apelidado de "Necropolitan", em referência à palavra "Metropolitan". A mesma estação sofreu com a queda de um zepelim em 1916, que causou o colapso do túnel segundos depois da passagem de um trem.

Há mais histórias, como quando, em 1910, a maré do Sena subiu — a marca da água pode ser vista em linhas demarcadas com o número "1910" em alguns prédios do Quartier Latin — empregados foram forçados a remar entre estações inundadas com jangadas, ou como a da ocupação nazista, na Segunda Guerra Mundial, quando os judeus eram obrigados a vestir estrelas amarelas e andar nos últimos vagões, batizados de "sinagogas", e que se tornaram lugares de encontro e de resistência temidos até mesmo pelos soldados alemães.

O metrô de Paris é também um ossário de tecnologia esquecida: ele foi parcialmente concebido, antes de tudo, por um mesmo engenheiro: Jean-Baptiste Berlier, que inventou a rede pneumática, um sistema de transporte que movimentava espécies de contêineres com pontas de borracha, manejados por ar comprimido, por meio de tubos instalados nas ruas. A descoberta foi usada também para operar o funicular de Montmartre, que hoje dá acesso à igreja de Sacre-Coeur.

"Se eu pudesse fazer um tour alternativo pelo metrô de Paris, incluiria não apenas todas as histórias esquecidas, mas também os estímulos sensoriais que os urbanistas dos metrôs modernos nunca vão conseguir prover", diz Taís.

“Os cheiros são um exemplo: há um ar de queijo forte no túnel do RER entre Châtelet e Gare du Nord. Os sons são outra coisa: os coros de grilos que antecedem a chegada do trem, os pedidos de desculpas dos passageiros nas estações mais lotadas, como a Gare de Lyon, ou as propagandas antigas que aparecem em estações desativadas, como a antiga Croix-Rouge, na linha 10, e a St-Martin, na linha 8, fechadas na época da guerra e jamais reabertas", finaliza.
 

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