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Advogado avalia proibição do registro de união estável entre mais de duas pessoas

De acordo com o advogado e ex-deputado federal, a decisão do Conselho Nacional de Justiça é criticável.

09/07/2018 às 07h06, Por Andrea Trindade

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Daniela Cardoso

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu recentemente que os cartórios não podem registrar como união estável as relações poliafetivas (de três ou mais pessoas). Para falar mais sobre o assunto, o advogado especialista em Direito da Família e ex-deputado federal, Sérgio Carneiro, esteve no programa Acorda Cidade.

Acorda Cidade: Como o senhor avalia essa decisão da justiça?

Sérgio Carneiro: A Constituição abraça todos os tipos de arranjos familiares, por isso a decisão do CNJ é criticável. Porque o que não é proibido, é permitido. A Constituição é principiológica. Através da interpretação do STF, a Constituição consagrou o casamento homoafetivo, por exemplo. E, se você ler na literalidade da constituição, a união estável e o casamento são a união entre o homem e a mulher mas na mesma constituição, no artigo quinto, é proibido qualquer tipo de discriminação. O Direito não deve invadir a privacidade da vida das pessoas.

O CNJ, na minha opinião, errou porque tentou invadir a vida pessoal das pessoas. Esse assunto foi provocado porque em Niterói (RJ) houve um casamento poliafetivo entre um homem e duas mulheres, então, isso suscitou o enfrentamento dessa questão e ao invés de eles permitirem, à exemplo do cartório de Niterói, que todo e qualquer cartório também o fizesse, eles terminaram por estabelecer essa proibição.

Aí eu devolvo a pergunta a você: você acha que essa proibição vai evitar que outras pessoas reproduzam esse comportamento? Não. Eles vão andar à margem, não digo da lei, porque o congresso nacional é extremamente conservador e tem um segmento muito forte lá que não reconhece nem o casamento homoafetivo, nem outros tipos de arranjos familiares, eles só reconhecem a família tradicional de pai, mãe e filho. Eu tenho duas tias que não se casaram, elas formam uma família, será que essa gente não as reconhece como família? Os avós ou os tios que cuidam dos netos ou sobrinhos cujos pais morreram, não formam uma família? Um homem que tem um casamento de uma primeira relação com filhos, se separa, casa-se com outra mulher que tem filhos de uma relação anterior, eles não formam uma nova família?

Então, é por isso que a Constituição reconhece todos esses arranjos familiares, porque todos eles tem implicações jurídicas, patrimoniais, sucessórias e previdenciárias. Isso não se confunde com o direito canônico, com a religião, isso diz respeito apenas aos direitos civis das pessoas em função do fato social existente. A boa lei é aquela que consagra uma prática social.

Qualquer que seja o presidente da república, ele apenas propõe, mas quem vota é o deputado e o senador. As pessoas gostam muito de prestar atenção nas eleições de prefeito, governador e presidente da república porque esses são os gestores que fazem obras de asfalto, tijolo e cimento, que são vistas, mas o parlamentar vota leis. E o que são as leis? São as regras de convivência de direitos e obrigações entre nós. Então, se vota a reforma da previdência, e as pessoas se chateiam com as decisões, mas não prestam atenção no deputado que votou. É preciso escolher, efetivamente, um deputado que lhes represente.

AC: O STF decidiu que o casamento e a união estável possuem o mesmo valor jurídico. É isso?

SC: Veja só, o Congresso Nacional não legisla sobre matéria de família. Enquanto eu estive lá, a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados era a vanguarda de atraso da câmara dos deputados. Tudo que tinha de mais reacionário e conservador ia para essa comissão. Era um horror. Um pessoal atrasado, que não exercitava a função para a qual foram eleitos, que é de regulamentar a vida das pessoas porque a boa lei é aquela que consagra uma prática social.

Existe casamento homoafetivo no Brasil? Existe. Existe casamento poliafetivo? Existe. Existem pessoas que não se casaram e moram juntos? Existem. Então o legislador tem que legislar as consequências dessas relações, ao invés de ficar enfrentando isso. O Direito das Famílias tem caminhado, basicamente, pela doutrina e, sobretudo, pela jurisprudência.

Então, o que é que difere a companheira da esposa? A companheira vive em união estável e Direito diz que, tal qual o casamento, em comunhão parcial de bens, a companheira é meeira de todo o patrimônio constituído durante a união estável, tal qual a esposa, no regime de comunhão parcial de bens, também é meeira de todo patrimônio constituído durante o casamento. O que diferencia as duas é que se o marido e o companheiro morrerem, a esposa, além de meeira, ela concorre com os filhos na herança, então os 50% do marido, se eles têm três filhos, tem que ser dividido com os três filhos e a esposa, então é dividido por quatro. No caso da companheiras, hoje, por lei, ela é apenas meeira, ela não concorre com os herdeiros.

O Supremo decidiu que quando não há herdeiros legítimos (pais e filhos), a herança deve ir para a companheira.

AC: A PEC do divórcio chega aos oito anos e, recentemente, o jornal A Tarde divulgou que divórcios extrajudiciais cresceram 50% na Bahia. É um facilitador?

SC: Há oito anos foi aprovada a PEC do Divórcio, que hoje é a Emenda 66 da Constituição (…) A vantagem dela é que, somada à lei do César Borges, que permitiu o divórcio inventário extrajudicial, se for consensual e não tiver menores de idade ou incapazes envolvidos, você pode fazer no cartório. Não é preciso judicializar. Você pode fazer a dissolução da união estável ou casamento em cartório de forma extrajudicial que, somada à 66, facilitou a vida das pessoas.

(…) Ela não incentiva o divórcio. Não é a existência da lei que obriga as pessoas ou a casar ou a divorciar, mas existe a lei do divórcio que existe justamente para facilitar a vida daqueles que tiveram uma relação que não deu certo.  

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