Há alimentos que são verdadeiros presentes da natureza. O mel, por exemplo, é doce, sim, mas também potente, complexo e quase mágico. Fortalece o sistema imunológico, melhora a digestão, combate a prisão de ventre e ainda é antioxidante, anti-inflamatório, antibactericida, antiviral, antifúngico, cicatrizante, cheio de vitaminas, minerais e aminoácidos. O mel vai bem com chá, com pão, com frutas. Vai bem com a saúde. Vai melhor ainda quando produzido com técnica, respeito e amor pela natureza.
Tudo isso é celebrado neste 22 de maio, Dia do Apicultor — mas também Dia de Santa Rita de Cássia, a padroeira do apicultores — uma data que não homenageia só o mel, mas também quem o produz biodiversidade ao lado das maiores operárias do reino animal: as abelhas.
E em Feira de Santana, esse trabalho ‘cooperativo’ tem nome, história e tradição. O apicultor Iderval Martins guarda na memória os saberes que vêm de mais de 80 anos da família lidando com o ofício.
Formado em veterinária, foi na apicultura que ele encontrou sua paixão. Como ele mesmo diz “apicultor desde a barriga de sua mãe”, quando seu pai já se consagrava como um dos pioneiros no estado em 1940. Profissão que vem de berço, o pai de Iderval seguiu carreira e deixou o legado da apicultura mesmo depois da chegada das abelhas africanas à Bahia.
“Em 1970, chegaram as abelhas africanas aqui na Bahia. Meu pai teve um pouco de dificuldade. Muita gente deixou de criar abelha por causa da agressividade delas, mas meu pai continuou. E a gente, em 1980, eu já com 20 anos, continuei o trabalho do meu pai, voltei a crescer com a apicultura.”
Hoje está à frente do Apiário Favo de Ouro, uma das empresas mais tradicionais da Bahia no ramo, com mais de 200 colmeias e uma rede que envolve cerca de 500 produtores. Até o ano passado, o estado ocupa o quinto lugar no ranking nacional, se destacando com uma produção anual de 4.911.062 quilos de mel, dos quais 82% são provenientes da agricultura familiar.
As abelhas africanas, uma das espécies mais agressivas, foram introduzidas em São Paulo, em 1956. Apesar de “zangadas”, elas são excelentes produtoras, resistentes a doenças. Para lidar com elas é preciso bastante conhecimento biológico, como explicou Iderval. “Você conhecendo a biologia da abelha e tendo um pouco de prática, você trabalha bem com elas, evita acidentes e produz bastante, mas precisa ter uma boa formação.”
Segundo o apicultor, existem no país em torno de 300 espécies nativas, entre elas, abelhas sem ferrão como Uruçu e a Mandaçaia. Apesar da quantidade, elas produzem muito pouco. Já as abelhas Apis, grande produtoras de mel, foram introduzidas no Brasil pelos padres jesuítas e seguem até hoje como uma das principais do ramo.
“Essas abelhas têm todo um estudo, maquinário, tudo em volta para que haja comercialização do mel, já que elas produzem um excedente. Então, a principal espécie hoje para se trabalhar são a Apis Melífera SP, ou seja, aquelas abelhas que são fruto do cruzamento das abelhas italianas com as abelhas africanas, que têm ferrão, mas que também produzem muito mais e geram muitos empregos”, explicou o apicultor ao Acorda Cidade.
Como o Apicultor Recolhe o Mel?
Iderval, que começou na apicultura em 1980, contou que na região de Feira de Santana, antigamente, só se produzia mel durante cinco meses, na época do verão. Com o desenvolvimento da profissão, foi criada a apicultura migratória, onde as colmeias são transportadas de um local para outro, geralmente acompanhando as floradas para maximizar a produção de mel, entre outros produtos apícolas.
“A gente saía com as abelhas em cima do caminhão onde tinha florado, por exemplo, de novembro a maio, acabava florada, vamos para outro lugar. Capim Grosso, acabava florada, vamos para outro lugar. Dentro da plantação de cajueiro e assim a gente ficou durante 25 anos mudando a abelha para aumentar a produção. Aumentou três vezes mais. Ou seja, a gente chegava a produzir 85 mil litros de mel por ano”, revelou.
Mesmo não migrando mais de lugar, o Apiário Favo de Ouro continua sendo uma das empresas mais tradicionais da região. Com a cooperação de mais de 500 produtores, a empresa disponibiliza cerca de 50 produtos.
Além da produção, o apicultor também tem a sensibilidade no trato dos enxames de abelhas. Iderval, por exemplo, já retirou inúmeros deles, mas sempre preservando a integridade dos insetos.
“Nunca deixava ninguém matar as abelhas porquê elas têm uma função da natureza muito importante que é a polinização, então a gente não deve destruir as abelhas, muita gente queima as abelhas, a gente não. Como hoje eu estou com um problemazinho de coluna, eu tenho três associados que a gente passa esse trabalho de retirada dos enxames para ele.”
No último fim de semana foram encontrados dois enxames na cidade, nos bairros Santa Mônica e 35º BI. Após a retirada, elas foram levados para serem libertas na zona rural.
“Como agora é época de floração, elas estão se dividindo muito, então elas invadem a cidade. Aí pode acontecer alguns acidentes. Peço à população que não queime as abelhas, porque as abelhas têm um valor muito grande. Não é só a produção de mel, é principalmente a polinização”, alertou Iderval.
Segundo os relatos do apicultor, antigamente, os profissionais eram chamados de “meleiros”, quando brutamente, retiravam o mel em qualquer colmeia que achavam no mato. Hoje, a técnica é bem mais estudada, apurada e segura para passar mais confiança ao produto que vai para casa das pessoas.
“Para ter um mel de qualidade, a pessoa precisa saber criar abelhas. As abelhas têm que ser criadas nos caixotes e com técnica. Para ser fornecedor nosso, a gente tem Sif (Selo de Inspeção Federal) aqui, então a gente exige que ele seja escrito na Adab (Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia), como se fosse criador de boi e a gente acompanha a produção dele”, explicou.
Beneficiados pelo trabalho delas: o processo de produção do mel pelas abelhas
Na produção do mel, o protagonismo são das abelhas. Mas como elas produzem o mel? O mutualismo entre as flores e a abelha é o que gera todo o sabor do mel. É através da interação entre ela e a flor que é gerado essa mágica da natureza. E uma curiosidade disso é que o estômago da abelha, que também trabalha como uma “usina” na produção do néctar.
“A planta diz à abelha: ‘eu lhe dou néctar aqui na base da minha flor, e você vem e colhe o néctar e faz a minha polinização.’ Então, o que acontece? As abelhas colhem o néctar, levam dentro do corpo delas, acrescentam algumas enzimas, retiram água e depois elas depositam no favo. É o vômito da abelha realmente. E passa por uma abelha só? Não. Em torno de 10 abelhas até chegar no favo”, explicou o apicultor tirando mais dúvidas sobre o universo das abelhas.
E o mel quando chega na colmeia já está pronto? Também não. Tem que ficar em torno de 20 dias para enfim ser retirado.
“Eles têm uma carga de enzimas que vem do corpo da abelha. Então, quando a abelha regurgita o mel, ela regurgita com essa carga de enzimas, que são substâncias ativas.”
E o mel dura para sempre? “Ele dura muito, mas com o tempo ele vai perdendo um pouco a qualidade, porque vai perdendo os fermentos, essas enzimas que tem no corpo da abelha.”
A Pureza do Mel
Se misturar com açúcar, ainda é mel? Segundo ele, o mel puro não tem meio-termo. “Ou é puro ou é roubo. Se você botar uma grama de açúcar no mel, ele deixa de ser mel. A legislação brasileira é muito clara nesse ponto e muito mais fortes que dos americanos. Se você bota o nome mel no rótulo, tem que ser puro. A gente cria o lote e rastreia o mel”, disse ao Acorda Cidade.
Outra curiosidade apontada pelo apicultor é essa possibilidade de rastrear o mel que chega em sua mesa. Em um dos exemplos, ele disse que uma cliente alegou que o mel estaria estragado, mas ao verificar no lote (o mesmo que ela comprou), não estava com defeitos, o que significa que o produto dela foi adulterado em algum momento, mas não foi diretamente da cadeia da rede.
Segundo Iderval, a segurança com o processo de retirada do mel é fundamental porque no processo, muitas pessoas que não são capacitadas utilizam veneno para matar as abelhas e acabam contaminando o produto. Além de prejudicar o ciclo da natureza, matando as operárias, ainda leva ao risco de envenenamento do cliente.
“O pessoal usa muito pó de coqueiro para matar as abelhas. Já tive casos aqui em Capim Grosso de abelhas minhas roubadas com veneno. Fica aquela montanha de abelhas na frente da colmeia, o cara vai tirar o mel, mata as abelhas, contaminar o mel e vai vender na feira no outro dia. Então, não se deve consumir mel sem procedência”, alertou o apicultor.
Na Favo de Ouro, esse cuidado é rotina: carro-baú para transporte para que o mel não tome sol, casa do mel com estrutura inoxidável no meio do mato, higienização rigorosa, equipamentos analisados, embalagens virgens. Tudo para que o sabor da natureza chegue com segurança à casa das pessoas.
“A gente aqui, para você ter uma ideia, são mais de 50 planilhas. A água da Embasa aqui para lavar material, essas coisas, tem que ser analisada três vezes no dia. Então, o cuidado com a higiene em volta do mel é muito grande para que ele mantenha as suas qualidades na hora que chegar ao consumidor. Então, não pode ser qualquer pessoa comercializando mel, tem que ter todo o cuidado com a higiene”, acrescentou.
Com informações do repórter Ney Silva do Acorda Cidade
Siga o Acorda Cidade no Google Notícias e receba os principais destaques do dia. Participe também dos nossos canais no WhatsApp e YouTube e do grupo no Telegram.