Rachel Pinto
Atualizada às 18:00
Uma liminar da Justiça Federal de Brasília, a favor de uma ação judicial do Conselho Federal de Medicina (CFM), está impedido que enfermeiros possam trabalhar de forma plena, principalmente em programas de saúde como o DST/Aids e o programa de controle da tuberculose.
A secretária municipal de saúde Denise Mascarenhas disse que a liminar traz limitações em relação à atuação dos enfermeiros, além de prejuízos para a Política Nacional de Atenção Básica. Segundo ela, atualmente tanto a política como o Conselho Nacional de Enfermagem e o Ministério da Saúde, permitem ao enfermeiro requisitar exames dos programas credenciados ao ministério.
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“Exames de baixa complexidade, como um preventivo, triagem de pacientes e tudo que se refere à atenção básica e a saúde da mulher o enfermeiro pode solicitar. Só não pode solicitar exames de média e alta complexidade. Mas, tudo que se refere em relação aos programas que estão a nível de Ministério da Saúde, DST/Aids e também saúde do homem,vai ficar altamente prejudicado com a liminar. Porque o enfermeiro vai poder fazer o acolhimento ao usuário, mas vai ter que encaminhar ao médico para fazer por exemplo, o preventivo, que era feito pelo enfermeiro. Isso tirava a demanda muito grande do município. Realmente é uma grande perda para a saúde pública, sem sombra de dúvidas. O enfermeiro é um profissional altamente capacitado de nível superior, do mesmo nível do profissional médico, fisioterapeuta, cada um com a sua competência”, declarou.
Denise Mascarenhas salientou que o município está cumprindo a liminar judicial e os enfermeiros estão se mobilizando a partir do Conselho Federal de Enfermagem. Alguns colegiados médicos também estão contra a determinação, uma vez que com a decisão serão aumentadas as demandas nas unidades de saúde.
Na opinião da professora de saúde coletiva e coordenadora do colegiado do curso de enfermagem da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), Carmem Lieta Ressurreição Santos, a liminar da justiça é equivocada e o enfermeiro tem a autonomia e a regulamentação do seu registro profissional desde 1986. Podendo assim prescrever medicamentos, solicitar exames de rotina e complementares dentro dos programas da atenção básica primária.
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“Suspender essas ações representa uma perda para a população brasileira, uma perda de acesso e resolutividade dos principais problemas de saúde da população. Esse momento é um momento de reflexão para os profissionais, porque se nós fizermos uma retrospectiva histórica do que a enfermagem brasileira já fez, a sua contribuição em relação ao programa nacional de imunização, eu hoje questiono os meus alunos se eles já viram algum caso de difiteria, se viram algum caso de tétano e eles respondem que não. Eu respondo que isso acontece porque nós temos um dos melhores programas de imunização do mundo e quem está a frente desse programa é a enfermagem. Temos uma redução da mortalidade materna e da mortalidade infantil e isso por conta do pré-natal de baixo risco e quem está a frente desse programa é a enfermagem”, explicou.
Para a professora, é preciso que os enfermeiros e a população neste momento possam dar visibilidade às ações e dizer a sociedade brasileira o quanto a enfermagem tem contribuído, tem somado e ampliar o diálogo. De acordo com ela, é hora da enfermagem utilizar as suas instâncias representativas para se organizar, se mobilizar e procurar os meios de comunicação para dizer a sua contribuição social e continuar lutando para a qualidade de vida de população brasileira.
Ela comentou ainda que como a decisão é recente, impactou também as ações do Outubro Rosa e reduziu as atividades.
A decisão liminar proferida no processo suspende “parcialmente a Portaria nº 2.488 de 2011”.
O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) publicou uma nota em setembro repudiando a ação e no último dia 4 divulgou uma nota informando que o conselho apresentará o pedido de reconsideração ao juiz para salvaguardar o atendimento de Enfermagem à população.
Nota sobre ação judicial do CFM
O Conselho Federal de Enfermagem repudia o corporativismo do Conselho Federal de Medicina, que se sobrepôs ao interesse público, em detrimento da população brasileira, ameaçando a efetividade de programas de assistência consolidados na Atenção Básica.
O Cofen solicitará ingresso no processo 1006566-69.2017.4.01.3400, movido pelo CFM contra a União Federal, para que possamos apresentar recurso, de modo a salvaguardar o atendimento de Enfermagem à população.
Esclarecemos que a Lei 7.498/1986, que regulamenta o exercício da Enfermagem, encontra-se em plena vigência, sendo privativa do enfermeiro a realização de consultas de Enfermagem e “a prescrição de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde”.
Diferentemente do que foi divulgado pelo CFM, a decisão liminar proferida no processo suspende “parcialmente a Portaria nº 2.488 de 2011, tão somente na parte que permite ao enfermeiro requisitar exames”.
A solicitação de exames de rotina e complementares é realidade consolidada no Brasil desde 1997, quando foi editada a Resolução Cofen 195/97 (em vigor), contribuindo para a melhoria da qualidade da assistência à Saúde da população brasileira.
A restrição imposta pela decisão liminar proferida no processo movido pelo CFM prejudica a efetividade do atendimento na Atenção Básica e no pré-natal de baixo risco, atrasando ou inviabilizando exames essenciais como VDRL, em um momento crítico no qual o Brasil enfrenta epidemia declarada de sífilis, associada a complicações graves, inclusive cegueira e morte neonatal.
O atendimento feito por enfermeiras e enfermeiros em programas de Saúde que atendem diabéticos e hipertensos (“hiperdia”), tuberculose, hanseníase, DST/Aids, dentre outros agravos, também pode sofrer descontinuidade, causando prejuízos graves à população.
Reafirmamos o compromisso da Enfermagem com a população brasileira e repudiamos a maneira sensacionalista como a questão foi tratada pelo CFM, acirrando falsa rivalidade entre profissões essenciais ao cuidado. O corporativismo médico não pode se sobrepor ao interesse coletivo, prejudicando o atendimento à população.
Com informações do repórter Ney Silva do Acorda Cidade.