Lourdes Santana | Foto: ACM/ Secom
Lourdes Santana | Foto: ACM/ Secom

A presidente do Núcleo Sociocultural Educacional Odungê, Maria de Lourdes Santana, pediu renúncia da Comissão Organizadora do Novembro Negro da Prefeitura de Feira de Santana. A decisão, oficializada em ofício enviado ao prefeito José Ronaldo de Carvalho nesta quarta-feira (12), ocorre após a publicação do Decreto nº 14.201/2025, que autoriza o funcionamento do comércio no feriado nacional da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro.

No documento, Lourdes afirmou que deixa o cargo “por respeito à coerência e à trajetória junto aos movimentos culturais e sociais”, reiterando seu compromisso com a valorização da cultura negra, “causa que ultrapassa qualquer decreto”.

O decreto, assinado pelo prefeito José Ronaldo, autoriza excepcionalmente a abertura das lojas do centro entre 9h e 16h no dia 20, além do funcionamento dos comércios de bairro e shoppings. A medida, resultado de um acordo entre sindicatos patronais e de trabalhadores, na prática atinge diretamente uma categoria majoritariamente composta por pessoas negras, que representam grande parte da força de trabalho no comércio de Feira.

A medida, no entanto, gerou divergências políticas e sociais. Na sessão desta quarta (12), na Câmara, o vereador Sílvio Dias (PT) criticou a decisão, afirmando que a abertura do comércio “é um desrespeito a uma conquista histórica da população negra”. Em resposta, o vereador Edvaldo Lima (União Brasil) classificou o feriado da Consciência Negra como “uma lei racista”, alegando que beneficiaria apenas pessoas negras, uma interpretação incorreta sobre o texto da legislação.

Edvaldo Lima, vereador de Feira de Santana pelo União Brasil
Edvaldo Lima, vereador de Feira de Santana pelo União Brasil | Foto: Reprodução / Canal no Youtube da Câmara de Vereadores de Feira de Santana

Como já mostrado pelo portal Acorda Cidade, a fala de Edvaldo repercutiu negativamente entre movimentos sociais e ativistas, que repudiaram o discurso e destacaram que o feriado é fruto de décadas de luta do movimento negro por reconhecimento, igualdade e reparação histórica.

Entre as vozes que se manifestaram está a da professora e psicóloga Juciara Alves dos Santos, coordenadora do grupo Samba de Mães e do Coletivo de Mulheres de Terreiro. Ela afirmou que o decreto fere princípios de respeito e consciência social e racial.

A professora ressaltou que a decisão ignora o caráter simbólico do dia 20 de novembro e o perfil racial dos trabalhadores locais. Ela também relembrou que o feriado já era instituído em outros estados, mas demorou para se tonar uma realidade na Bahia.

“Esses trabalhadores que vão estar lá servindo são afrodescendentes, em sua maioria. Então eu deixo essa reflexão para essas pessoas a quem se sustenta o discurso da democracia racial. A gente sabe que isso aí não procede, que basta a gente ver quem é que está nos corredores dos hospitais públicos, nas celas dos presídios, quem está esmolando no meio da rua, basta a gente ver quem é que está limpando os vidros dos carros, a cor desse povo, dessas pessoas. Então, como é que essas pessoas não precisam refletir sobre sua origem, o que eram, o que são e o que serão? É necessário.”

Juciara Alves - consciência negra
Juciara Alves Foto: Arquivo Pessoal

“Mas, infelizmente, houve essa intervenção política, como sempre, aqui em Feira. Só que a gente tem que fazer valer o que nos é de direito, e infelizmente nossos irmãos trabalhadores precisam de seus empregos e se submetem a esse tipo de julgo. Mas é como eu digo: nós ainda continuamos cativos, cativos dos que sempre nos oprimiram e continuam, em suas descendências, nos oprimindo.”

Consciência Negra é sobre toda a sociedade brasileira

Instituído em 2003 e reconhecido como feriado nacional só depois de 10 anos (2023), pela Lei nº 14.759, o Dia Nacional da Consciência Negra homenageia Zumbi dos Palmares e Dandara de Palmares, símbolos da resistência à escravidão. Mais do que uma data comemorativa, o 20 de novembro é um marco de reflexão coletiva sobre o racismo estrutural e o papel do povo negro na formação cultural, social e econômica do Brasil.

Especialistas lembram que, embora o nome remeta à identidade negra, a consciência é um compromisso de toda a sociedade; um chamado ao letramento racial e à compreensão dos impactos de mais de quatro séculos de escravidão ainda presentes nas desigualdades atuais, como reforçou Juciara sobre a necessidade de compreender o sentido profundo do feriado.

“Houve um apagamento desta consciência, houve todo um apagamento de nossa história para conosco e muitos dos nossos não se reconhecem como negros ou desconhecem a sua história. Esse feriado é exatamente para isso, para nós celebrarmos os nossos saberes, os saberes que os nossos ancestrais nos deixaram”, reforçou Juciara ao Acorda Cidade.

A renúncia de Lourdes Santana tem sido vista como um ato de posicionamento ético diante da forma como o poder público tem conduzido as políticas de valorização da cultura negra em um mês que deveria ser dedicado à memória, identidade e resistência do povo negro.

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