Acorda Cidade
A morte do ator Domingos Montagner deixou o Brasil de luto. A tristeza tomou conta da vida das pessoas, assim como a sensação de impotência e perda precoce de um artista que vinha brilhando e emocionando a todos no papel do nordestino “Santo”, forte, aguerrido e de coração espaçoso.
O clima de consternação invadiu os lares, as redes sociais, as conversas na rua e todos aqueles que torciam que a realidade fosse mesmo uma mera obra fictícia. Mas, não foi dessa vez que “Santo” renasceu para o público. Mesmo com todas as orações e vibrações positivas o ator, assim como o rio toma o seu curso, ele seguiu para um novo caminho, desta vez em um outro plano.
A jornalista feirense Lineia Fernandes, em belas e emocionantes palavras conseguiu traduzir todos os sentimentos do momento através do artigo “Vai, Domingos, pintar de colorido o picadeiro do lado de lá!”. Com toda a admiração que sentia pelo artista, ela expressou muito bem a percepção do público e o sentimento de perda de um artista que vestido de “Santo”, de bom caráter e valores se tornou um bom amigo para todos que acompanhavam sua trajetória.
Leia o artigo da jornalista abaixo:
Nunca foi nem nunca será fácil perder um grande amigo, um grande amor, uma pessoa por quem alimentamos uma admiração que muitas vezes suplanta a presença física e encontra sua realização mais plena no campo da arte – no mais puro recôndito do sublime, onde as emoções se cruzam com o prazer e enchem o coração de alegria, de pertencimento, de esperança…
Parece ter sido este misto de emoções que nos deteve esta tarde sombria de quinta-feira, quando nos atropelou a notícia do desaparecimento do ator Domingos Montagner, de forma tão trágica. Então um sentimento de perplexidade nos abateu e, como quem ainda não está acostumado às incertezas da vida, percorremos as esquinas da Internet quase lutando para descobrir que aquela infame notícia estava revestida de falsidade. O que queríamos era uma mentira, uma não verdade dessas das novelas, muito mais fáceis de lidar por que sabemos que já já outra cena vai começar.
Quem disse que a vida muitas vezes imita a arte, ou vice-versa, certamente esqueceu-se de nos lembrar o quão dura pode ser a nossa própria vida. Pois se foi Santo quem renasceu nas águas do Rio São Francisco, coube a Domingos nos deixar impregnados por um talento que extrapola os limites dramaturgia-telespectador.
No seu exagerado olhar de sinceridade e pureza, nos acostumamos rapidamente a ver um ator tão leal que parece gente como a gente. Sua simplicidade, presença e integridade garantiram aos seus personagens uma honradez rara de se ver, ainda mais numa carreira que parece se findar precocemente. Vê-lo em cena nos conferiu uma dessas verdades mais plenas do que os limites da própria ficção, dessas que nos faz confundir o ator com o amigo de verdade.
Domingos Montagner é dono de uma beleza muito mais intensa que os contornos físicos, foi ela quem nos tornou cúmplices do seu trabalho como ator. Sua pureza e emoção conferiram ao Santo de Velho Chico o status de um nordestino de verdade, tenaz e ao mesmo tempo amoroso; forte e apaixonante, razões pelas quais nos custa tanto acreditar que as cenas de hoje saltaram da ficção para nos atropelar num cinzento setembro.
Vai, amigo, pintar de colorido o picadeiro do lado de lá!