Jimmy Cliff teve passagem marcante pela Bahia, onde viveu e formou família
Jimmy Cliff e Gilberto Gil - Foto: Reprodução

A morte do cantor e compositor Jimmy Cliff, aos 81 anos, confirmada pela família nesta segunda-feira (24), despertou na Bahia uma memória marcada pela música e história. O cantor jamaicano, referência mundial do reggae, construiu em Salvador uma relação além das visitas de um artista estrangeiro, e também em Feira de Santana, cidade que o recebeu em 1990 para um show, lembrado até hoje por quem presenciou o momento.

Jimmy Cliff desembarcou na Bahia pela primeira vez no fim dos anos 1970 e desde então, encontrou em Salvador um lugar de convivência, amizade e inspiração. Nos anos 1980, viveu um dos momentos mais lembrados do público baiano: o show na antiga Fonte Nova ao lado de Gilberto Gil, com o estádio lotado por cerca de 60 mil pessoas. Gil havia sido escolhido por Cliff para abrir sua turnê no Brasil, e a parceria se repetiu em outras capitais do país.

Foi na capital baiana que Cliff também viveu uma jornada pessoal. Ele conheceu a artista plástica e psicóloga Sônia Gomes, apresentada por Margareth Menezes, durante uma cerimônia de ayahuasca à beira da praia. Dessa relação nasceu Nabiyah Be, hoje atriz e cantora, criada em Salvador até os 18 anos, antes de seguir carreira internacional.

As idas e vindas do artista à Salvador incluíram a participação no Festival de Música e Arte Olodum (Femadum), gravações com o Olodum no início dos anos 1990 e o famoso clipe de “Samba Reggae”, rodado no Pelourinho.

Passagem por Feira de Santana

Se Salvador marcou Jimmy Cliff por vínculos pessoais, Feira de Santana marcou por acolhimento, bastidores e histórias curiosas.

Em entrevista ao Acorda Cidade, o jornalista e produtor cultural Paulo Norberto, responsável por trazer o artista à cidade, que ficou três dias, lembrou como tudo começou: “Ele já estava fazendo turnê na Bahia com Gilberto Gil. Eu entrei em contato e consegui uma data. Na época, a gente tinha o projeto Feira Show, e contratamos Jimmy Cliff para um show no dia 2 de fevereiro de 1990”, disse.

Paulo Norberto, jornalista e produtor cultural – Foto: Paulo José/Acorda Cidade

A passagem do cantor por Feira foi mais longa do que o público imagina. Por causa de boatos de que o show não aconteceria, Paulo decidiu trazê-lo dois dias antes para evitar desconfianças. “Fizemos uma entrevista coletiva grande no Feira Palace Hotel, e depois do show ele ainda ficou mais dois dias comigo”, contou.

Durante esse período, Cliff circulou pela cidade como um visitante comum, e curioso.
Paulo lembra que o cantor queria experimentar a culinária local. “Ele me chamava à tarde para comer abará. Levava ele em Dona Pequena, no Pilão, na Cristóvão Barreto. Ele comia abará e depois tomava caldo de cana”.

Bastidores do show

Segundo Paulo Norberto, algumas situações viraram histórias inesquecíveis. Por exemplo, um pedido de 35 toalhas brancas. “Toalhas de algodão, de banho mesmo. Eu tive que comprar. Ele passava no corpo no palco e jogava para a plateia”, lembra.

Outra lembrança envolve o camarim, que já funcionava desde 10h da manhã por causa da grande equipe do artista. Cliff exigia que não houvesse carne suína em nenhum item.

Paulo também lembra do susto financeiro da semana do evento: o Plano Collor, que bloqueou contas bancárias, caiu justamente dias antes do espetáculo. “Quase me quebrou. Mas consegui pagar [pelo show]. Quase vendo um apartamento”, conta.

Para Paulo, ainda, Jimmy Cliff foi um “segundo Bob Marley”, sendo um artista de alcance mundial, presença marcante e legado. “Você vê a repercussão da morte dele. Todas as emissoras falando. Não era coisa pequena. Ele deixou um legado enorme para o reggae”, afirma.

Filha baiana

Foi em Salvador que Cliff conheceu Sônia Gomes, artista plástica e psicóloga. A apresentação foi feita por Margareth Menezes, e o encontro aconteceu durante uma cerimônia de ayahuasca na praia. Da relação nasceu Nabiyah Be, atriz e cantora, hoje aos 33 anos, reconhecida internacionalmente.

Nabiyah cresceu em Salvador e sempre reforçou o vínculo com a cidade. Em entrevistas, contou que a mãe optou por criá-la na Bahia e que Jimmy Cliff morou com elas durante boa parte de sua infância. Aos 18 anos, ela deixou a capital para seguir carreira artística nos Estados Unidos, caminho que a levou a trabalhos como Pantera Negra e produções de teatro.

Nabiyah Be – Foto: Divulgação/Prime Video

Jimmy Cliff morreu após sofrer uma convulsão causada por um quadro de pneumonia, conforme informou a família. Ele deixa três filhos e uma obra que atravessou fronteiras. Na Bahia, porém, fica também a memória de um artista que fez da cultura local seu espaço familiar.

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