Educação

Modelo de aprendizagem tradicional não vai mudar Índices da Educação Básica, diz educador

O evento gratuito acontece nesta segunda (28), às 14h, no Cieac. O auditório deve receber 200 pessoas. As vagas estão sujeitas à lotação. 

Educador José Pacheco
Educador José Pacheco | Foto: Iasmim Santos/Acorda Cidade

Já imaginou estudar em uma escola sem aulas convencionais, sem divisão de alunos por turmas, testes e provas tradicionais? Essa é a ideia da Escola da Ponte, idealizada pelo educador e antropólogo português José Francisco de Almeida Pacheco, que há quase 50 anos traz outras formas do aprendizado. Nesta segunda-feira (28), ele vai estar em Feira de Santana, no Centro Integrado de Educação Assis Chateaubriand (Cieac), para discutir com estudantes, professores e gestores, “Por que não há mais escolas como a Escola da Ponte?”, seu mais novo livro.  

Logo na manhã desta segunda, o educador esteve no Programa Acorda Cidade, para apresentar um pouco dos conceitos e da prática. Há 20 anos vivendo no Brasil, José Pacheco é reconhecido internacionalmente por sua contribuição à educação. Ele é Designer Educacional, Especialista em Leitura e Escrita, Mestre em Ciências da Educação e Articulador das Comunidades de Aprendizagem.  

“Escolas não são prédios, são pessoas. As pessoas são os seus valores, a sua visão do mundo e os valores conduzem a princípios da ação, ou seja, projetos humanos, que são coletivos. O que a Escola da Ponte tem é a concretização daquilo que Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e outros propuseram que se fizesse, ou seja, o direito à educação”, afirmou ao Acorda Cidade.

Segundo José, mesmo as escolas que possuem estrutura (salas, turmas, provas, professores) não estão cumprindo seu principal objetivo, que é educar. Prova disso são os Índices de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) que encontram-se estacionados em medianas estimativas. 

“A educação pode ser tão destrutiva como a ignorância. Educação familiar, social, escolar. Eu não isolo. Aliás, as escolas que eu vou acompanhando no Brasil, elas não separam a escola da comunidade, da família, não. Juntam a escola à saúde pública e ao ambiente, à arte e cultura, portanto, juntam-se à escola, à universidade e ao poder público. Nós precisamos juntar, integrar.”

Escola da Ponte

Nascido na Ilha dos Tigres, na cidade de Porto, Pacheco teve uma infância difícil. Se tornou eletricista, engenheiro e professor. Em 1976, fundou a Ponte, projeto que viria a revolucionar as bases da educação no século XX. Atualmente, ele mora em Niterói, no Rio de Janeiro. 

Foi percebendo suas interações em sala de aula que começou a se questionar sobre o aprendizado dos alunos. Excelente professor, ele era referência para universitários que estavam entrando na profissão. De uma didática singular reconhecida pelo próprio Ministério da Educação. Mas até aí, ainda não se sentia realizado porque muitas crianças ainda não aprendiam o conhecimento oferecido.  

Foi dessas inquietações que nasceu a Escola da Ponte, onde a avaliação não se baseia em notas e provas tradicionais, mas sim em um processo contínuo e formativo focado no desenvolvimento de competências e de autonomia pelo aluno. Nela, o processo individual de cada estudante passa por três núcleos: iniciação, consolidação e aprofundamento.

“Um dia eu me interroguei. Por que é que me mandam fazer planejamentos quinzenais? Eu tenho uma bolinha de cristal em que eu vou descobrir o que é que o aluno A, B e C vão querer aprender ou vão ter de aprender daqui por 15 dias. Loucura! Bom, e um dia, este foi o ponto de mudança para a ponte”, contou. 

Segundo José, para haver aprendizagem é preciso comunicação e vínculo com os estudantes, algo que parece ser cênico (como atuar), diante de tantas normas preestabelecidas. É preciso humanizar e qualificar as relações durante a aula. 

“Já no século XIX, havia educadores que tinham percebido isso. O centro deve ser a criança. Não se faz planejamento para, se faz com o outro e a Ponte foi a primeira escola no mundo a colocar o processo de aprendizagem centrado no aluno. Ainda hoje, contam-se pelos dedos as escolas que fazem isso”, disse em entrevista ao Acorda Cidade.

O educador também criticou a formação dos professores que reproduzem modelos de século passado e que não valorizam os educadores brasileiros como Paulo Freire.

“É no Brasil que está a melhor educação do mundo, fiquem sabendo. Só que os brasileiros têm baixa autoestima e têm síndrome de vira-lata. O Brasil tem a melhor educação do mundo, os melhores educadores do mundo. Por que é que o poder público continua a condenar as escolas à ignorância? Impondo um modelo educacional que não ensina a todos?”, questionou o professor. 

Assim como a Escola da Ponte, o Projeto Âncora (brasileiro) é um modelo educacional que não tem série: alunos de 6 a 10 anos estudam juntos, desenvolvem projetos de pesquisa de acordo com suas afinidades e são orientados por professores e pedagogos. Para Pacheco, mesmo sendo considerado um dos melhores modelos de educação do mundo, o projeto não vingou porque “foi vítima de corrupção moral e corrupção econômica do país”.

“Eu voltei e a visibilidade social que ele tomou, de repente, porque houve alguns órgãos de comunicação que mostraram, foi suficiente para outros professores de outras escolas começarem a instigar os pais contra a escola. Fundamentalistas religiosos contra a escola, políticos corruptos contra a escola. Acabaram com ela”, contou.

Essa não é a primeira vez que José vem a Feira de Santana. Em entrevista, ele contou que já esteve na Seduc [Secretaria de Educação] em vários momentos para discutir os rumos da aprendizagem. Ele sugeriu a criação de uma turma-piloto para que fossem implementadas as condições da Escola da Ponte. Projeto que deve ser iniciado em breve com incentivos de um grupo de professores.

“É preciso prepará-los [professores], mas prepará-los fazendo. É chamada práxis. Não há prática sem teoria. As condições básicas são muito simples. São aquelas que a Escola da Ponte tem. A Escola da Ponte não tem diretor, por exemplo. É gerido por uma mãe e é pública. É a única escola que tem um contrato de autonomia. Ou seja, que depois não metam o nariz sem fundamentar as coisas. Ninguém põe em causa a decisão de um médico ou de um engenheiro. Por que é que põe de um professor? Então, o termo de autonomia é isso. É evitar que haja um burocrata, alguém que queira complicar e meter o nariz. Mas há uma avaliação. Não há a ‘desresponsabilidade’. Ao fazer um termo de autonomia, há um protocolo de avaliação do projeto.”

José Pacheco também falou sobre a proibição do uso dos celulares em sala de aula. Para ele, a proibição não resolve, mas sim o uso correto do aparelho pelos estudantes.

“Quando o aprendiz está pronto, o mestre surge e acontece a divina aprendizagem do significado. É isto. Desde que eu consiga fazer, no mais simples momento de diálogo, esta aula, eu estou a contribuir para a melhoria. Façamos a nossa parte. Por que é que na ponte as crianças, os jovens adultos querem aprender, estão a aprender e aprendem tudo o que é preciso? É a melhor escola no meu país. Por que é que a ponte que não faz prova é a melhor nas provas nacionais?”, instigou o educador. 

O evento gratuito acontece nesta segunda (28), às 14h, no Cieac. O auditório deve receber 200 pessoas, mas quem tiver interesse pode ir até o local. As vagas estão sujeitas à lotação. 

O encontro foi organizado por Sidinea Pedreira, professora do Colégio Estadual de Tempo Integral Kleber Pacheco (CEKP), em Salvador, e líder do movimento Mulheres Movem Feira; Carl Lima, vice-diretor do Colégio Estadual de Tempo Integral de Feira de Santana (Cetifs); Gutemberg Oldack, professor do Cieac e José Barreto Jr., pedagogo e jornalista atuante na Escola João Paulo I (JPI).

Ouça a entrevista na íntegra:

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