Rachel Pinto
Quatro anos de relacionamento e muitas histórias vividas. No início, muitas coisas boas, momentos de alegria e paixão. Mas, com o passar do tempo algumas revelações. O uso exagerado do álcool passou a dar margem aos ciúmes, as brigas e as muitas agressões. A vida de Maria de Fátima* (nome fictício), de 43 anos, que até então estava dentro da normalidade, passou a ser, segundo ela, um verdadeiro inferno.
A comerciante de lanches, que era independente, tinha casa, carro próprio, se envolveu em um relacionamento abusivo, e a partir daí, tudo começou a mudar para a pior. Agressões, físicas, morais, psicológicas, daquele homem que um dia foi apaixonada, lhe levaram para o fundo do poço e a vontade de não mais viver.
O cárcere privado e a última briga em dezembro de 2017 resultaram na prisão em flagrante do agressor. Neste momento, Maria de Fátima pode sentir um pouco de alívio, mas mal sabia que mais uma reviravolta estava por vir. Seu ex- companheiro, um mestre de obras, que foi preso, mas dentro de alguns dias, após pagamento de fiança estava novamente em liberdade. Enquanto ela, que acabara de sair do cárcere de sua própria casa, ficou mais presa do que nunca.
Ele alugou uma casa, está seguindo a sua vida com tranquilidade, mas Maria ainda está se escondendo e com medo de morrer.
“Eu era uma pessoa que trabalhava, ia para as festas colocar barraca de lanches, tinha minhas coisas. Depois desse relacionamento eu vi minha vida mudar totalmente. Eram muitos xingamentos, relações sexuais forçadas, murros, chutes e agressões. Cheguei a fissurar a clavícula e a perna. Uma agressão com um machucador de tempero partiu meu supercílio. Não podia nem sair do quarto, até que um dia os vizinhos denunciaram. Ele já está solto e eu perdi minha liberdade. Estou agora aguardando a medida protetiva”, afirma.
Enquanto espera a medida protetiva, Maria de Fátima pula de casa em casa. Vive escondida na casa de poucos amigos e até dos familiares que esperava ter apoio, não teve ninguém que lhe estendesse a mão. Os comentários maldosos não a veem como vítima da situação e a culpabilizam muito.
Essa realidade destruiu a sua autoestima e o seu desejo de seguir. “Não durmo direito, toda hora me assusto, tenho medo de andar na rua. Não vontade de sair e se eu pudesse eu usava era a minha pior roupa. Minha filha vai ter um filho e eu não vou poder vê-la. Eu me apego na fé e no trabalho porque não tenho vontade de nada, fico sempre apreensiva, sem nenhuma perspectiva”, relata.
Sem saber o que fazer, Maria de Fátima, que já tinha ouvido falar do Centro de Referência Maria Quitéria (CRMQ), resolveu então procurar ajuda. Uma ajuda sem julgamentos, segundo ela. Ela é acompanhada pela instituição e diz que é lá que se sente realmente acolhida e abraçada. É vista sem avaliações e com a ajuda dos profissionais sente um pouco mais de ânimo para seguir em frente.
O apoio jurídico, social e psicológico são fundamentais e fazem com que Maria de Fátima aos poucos comece a se encorajar para viver uma mudança de dias melhores.
Assim como a sua história, tantas outras chegam ao Centro de Referência Maria Quitéria. Quem confirma essa informação é a presidente da instituição Josailma Ferreira. De acordo com ela, não há um perfil para a violência, mas os contextos são os mesmos. “Cada caso tem sempre uma particularidade, mas são independentes de classe social, religião e cor”, acrescenta.
Trabalho em rede
Buscando romper com esse ciclo de violência, o CMRQ não trabalha sozinho. Faz parte da rede de proteção da violência contra a mulher e nesta perspectiva, muitos ciclos de violência têm sidos quebrados em Feira de Santana.
Josailma conta que muitas mulheres chegam ao centro intimidadas, assustadas, mas aos poucos uma relação de confiança é construída. “Há um atendimento sem preconceito e sem julgamentos. Elas são orientadas quanto aos seus direitos para que decidam o que fazer e saiam desse ciclo”, observa.
As mulheres que procuram atendimento do centro são através da demanda espontânea ou através de outro órgão da rede. São acolhidas, orientadas e encaminhadas a partir de cada caso. Josailma observa que a política intersetorializada da rede de proteção que versa com a saúde, educação e segurança pública tem tido bons resultados. No entanto, questões como o enfrentamento ao machismo e a cultura do estupro precisam ser massivamente trabalhadas na sociedade para que haja uma mudança na educação principalmente das novas gerações.
Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade
“A violência contra a mulher é uma violência que mata a mulher e mata as famílias. Não podemos ficar passivos diante disso”, concluiu.
Números da violência
Assim como Maria de Fátima, milhares de mulheres sofrem violência a cada minuto. Na Bahia, no ano de 2017 foram registrados 33 feminicídios. Em Feira de Santana, os números da violência em 2017 foram superiores aos registrados no ano de 2016. De acordo com a delegada Maria Clécia Vasconcelos, um fato muito positivo em contrapartida dessa realidade é que as denúncias também aumentaram e as mulheres cada vez mais têm se encorajado em sair do ciclo de violência.
Foto: Aldo Matos/Acorda Cidade
“Fatores como a conscientização da mulher, campanhas que incentivam a denúncia e o plantão 24h da Delegacia Especializada no Atendimento a Mulher, contribuíram muito para o encorajamento das mulheres”, acrescentou.
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