Manifestantes em Feira de Santana protestam contra o genocídio da população negra
Foto: Paulo José/Acorda Cidade

A Operação Contenção, realizada no último dia 28 de outubro em dois complexos do Rio de Janeiro, terminou com 130 pessoas mortas, entre elas quatro policiais. Considerada a mais letal da história do estado, a ação e o elevado número de vítimas geraram repercussão internacional e reacenderam o debate sobre a falsa democracia racial e o genocídio da população negra no Brasil.

Nesta sexta-feira (31), manifestações ocorreram em diversas cidades do país, incluindo Feira de Santana. Os atos, organizados por coletivos, partidos e entidades, foram marcados por protestos pacíficos contra a violência policial e o racismo estrutural.

Em Feira, o movimento se concentrou em frente à Prefeitura e reuniu estudantes, professores, trabalhadores e representantes de movimentos populares. De acordo com os organizadores, o protesto integra uma mobilização nacional que antecede o Novembro Negro e busca denunciar o que classificam como “necropolítica” — uma política de Estado que determina quem deve viver e quem pode morrer.

Para o militante João Câncio, do Psol, o protesto é uma resposta direta às mortes no Rio de Janeiro e também às operações violentas em outros estados, como a Bahia.

“É um ato nacional puxado por vários partidos, organizações e coletivos, com o objetivo central de lutar contra o genocídio da população negra, contra a necropolítica no Rio de Janeiro, mas também no estado da Bahia, que é um dos estados que mais matam o povo negro, sobretudo a juventude, a partir da PM, genocida do governador”, afirmou.

Câncio criticou a lógica de confronto que marca as operações policiais e defendeu uma mudança estrutural na política de segurança pública.

“Mostrar para a população que uma outra política de segurança pública é possível. E essa política parte da raiz e não de ir na favela, matar, atirar na juventude negra, cortar a cabeça de jovens, de pessoas. A gente está aqui hoje para mostrar que é possível fazer diferente e que nada deve parecer impossível de mudar.”

O racismo que tem território

Os protestos também destacaram o que ativistas chamam de “racismo geográfico” — a forma como o racismo se manifesta nos espaços urbanos e determina onde cada grupo pode ou não viver.

Pesquisadores apontam que, nas cidades brasileiras, a cor da pele está diretamente ligada ao CEP: pessoas negras e pobres são empurradas para áreas periféricas, onde faltam serviços públicos e sobram incursões policiais. É nesses territórios, favelas e comunidades, que a violência do Estado se manifesta com maior letalidade.

Segundo os movimentos, esse padrão não é acidental, mas resultado de um projeto histórico de exclusão social e racial que permanece enraizado nas estruturas brasileiras.

O professor Elísio Santa Cruz, do Movimento em Defesa da Democracia, ressaltou que a mobilização em Feira foi pacífica, mas profundamente política.

“Aquilo mexeu com o país como um todo. Você está vendo aqui estudantes, professores, a Adufs, o PT, o Psol, vários fóruns de organização, várias lideranças estudantis. Mas a gente faz parte também desse movimento da agenda do Novembro Negro. Começa amanhã, mas nós antecipamos. Nós queremos mobilizar os trabalhadores com a grande marcha em Feira de Santana.”

“Estamos hoje na rua para lutar pelo fim do genocídio da população negra, mas também pela luta contra o racismo estrutural e pela pauta do fim da escala 6×1. A gente quer melhores condições de saúde para os trabalhadores. Estamos aqui construindo a unidade do campo popular, mas também mobilizando e buscando as melhores condições de vida e trabalho para a classe trabalhadora”, declarou ao Acorda Cidade.

Letalidade seletiva

Para os manifestantes, a “Contenção”, realizada nos Complexos do Alemão e da Penha, tornou-se símbolo da letalidade seletiva que marca as ações policiais nas favelas de todo o país. Com mais de uma centena de mortos, em sua maioria jovens negros (pretos e pardos), a operação é vista por ativistas como um massacre que expõe a face mais brutal da necropolítica nas periferias: o racismo.

O contraste fica evidente quando se observa o tratamento dado a grandes apreensões de armas de guerra em áreas nobres do Rio. Em 2023, a Polícia Federal apreendeu 47 fuzis em uma mansão na Barra da Tijuca e, em 2025, outro arsenal com mais de 200 armas foi encontrado em condomínios de luxo na mesma região e na Zona Sul. Nessas ações, o foco recaiu sobre investigação e prisão e não sobre o confronto direto, sem o alto custo em vidas humanas que recorrentemente pesa sobre as comunidades pobres, cuja população fica duplamente encarcerada entre a violência e a letalidade da polícia.

Enquanto isso, o país segue dividido entre a defesa de ações policiais como resposta à violência e a exigência de uma segurança pública que não transforme a cor da pele e o território em sentença de morte. É importante pontuar que o racismo no Brasil é muito mais perverso do que retirar a humanidade de alguém com xingamentos, ele está entranhado nas estruturas da sociedade, e, nessa lógica, a carne mais barata continua sendo a carne negra, que sofre as consequências mais duras da violência e da exclusão social.

Com informações do repórter Paulo José do Acorda Cidade

Siga o Acorda Cidade no Google Notícias e receba os principais destaques do dia. Participe também dos nossos canais no WhatsApp e Youtube e grupo de Telegram.