Laiane Cruz
Nesta terça-feira (9), a Câmara dos Deputados aprovou em segundo turno a Proposta de Emenda à Constituição – PEC dos Precatórios. Com a aprovação da PEC, o orçamento federal terá uma folga de 91.6 bilhões de reais para viabilizar a implementação do Auxílio Brasil, que irá substituir o Bolsa Família.
Em entrevista ao Acorda Cidade, na manhã desta quarta-feira (10), o economista e professor universitário René Becker esclareceu melhor as dúvidas da comunidade sobre o que significam os precatórios e quais as implicações da aprovação desta PEC que permite ao governo federal ultrapassar o limite do teto de gastos públicos.
Leia a entrevista na íntegra:
Acorda Cidade – O que é a PEC dos Precatórios?
René Becker – Os precatórios são ações oriundas de pessoa física ou jurídica contra os poderes públicos (federal, estadual e municipal), cujo valor não pode ser inferior a 60 salários mínimos. São ações que já foram definitivamente julgadas, não têm mais recursos, então são encaminhadas até o dia 1º de julho ao congresso e se transformam em precatórios para serem pagos no exercício seguinte.
O precatório não pode ser inferior a 60 salários mínimos. São seis estados, cujo valor em termos de precatórios contra a União que importa em 16,2 milhões de reais. Então o que ocorreu é que estava previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) um pagamento para o exercício de 2022 de 91 bilhões e 116 milhões de reais. Todavia, em decorrência da nova programação do governo com relação ao Auxílio Brasil, ficou praticamente impossível, sem que não houvesse o rompimento do teto, o pagamento desse programa. E o Executivo encaminhou para o Congresso a PEC, que deverá ter votação de 2/3 na Câmara e no Senado. Já houve a votação na Câmara ontem (9), com 323 votos favoráveis. Qual a mudança que deverá acontecer nesse sentido, caso seja aprovado no Senado? É que o teto de gastos deverá ser aumentado em aproximadamente 91 bilhões e 600 milhões de reais, o que possibilitará que o governo implemente o seu programa apenas para o exercício de 2022. Porque só para um ano? O nosso país tem uma desigualdade social elevadíssima, com 40 milhões de pessoas além da margem da pobreza e 20 milhões de pessoas passando fome. Consequentemente, não se pode discutir a validade desse programa, porque é essencial para diminuir a desigualdade e o nível de pobreza. O que tem sido questionado, principalmente no mercado financeiro, é como essa ação será realmente implementada ou se ela não ultrapassará o valor que está previsto. Isso faz com que o mercado fique a todo momento se alterando, fazendo avaliações negativas.
Acorda Cidade – Vai ter calote e as pessoas não vão receber?
René Becker – O calote vai acontecer. Inicialmente estava previsto que esses valores iriam passar para a partir de 2022 de forma parcelada, mas sem definir qual o limite do parcelamento. Só que na realidade os credores exerceram uma pressão muito grande, principalmente os governos estaduais. Consequentemente esse valor foi alterado também. Então a União irá pagar no exercício de 2022 a importância de aproximadamente 44 bilhões de reais, ou seja, a metade do valor dos precatórios. Isso levou alguns deputados de oposição a votarem a favor da alteração da PEC, porque os estados com problemas de déficit público, iriam melhorar sua situação e todos sabem que o ano que vem é político, e os governadores têm que realizar ações.
Acorda Cidade – Alguns deputados de oposição declararam que se a PEC fosse aprovada, o Congresso estaria dando um cheque em branco ao presidente Bolsonaro?
René Becker – Esse fato é real. Essa PEC iria gerar alternativa para o governo distribuir o recurso de acordo com a sua conveniência. Tanto é assim que o STF agora definiu que essas emendas parlamentares devem ser direcionadas a cada beneficiário com seus respectivos valores. Então estariam sendo beneficiados aqueles que apoiam o governo.
Acorda Cidade – Com esse parcelamento, o governo estará com dívidas maiores futuramente?
René Becker – Claro, pois o governo está jogando a dívida para o futuro. O governo está postergando valores, que são acumulados, para o próximo exercício, que terá novos precatórios em 2023 e assim sucessivamente. Para evitar que essa situação venha ocorrer é preciso que o governo reestruture sua administração. Porque hoje estamos com uma dívida de mais de 5 trilhões de reais, basicamente equivalendo ao Produto Interno Bruto (PIB), e toda vez que o país opera com déficit vai continuar aumentando a sua dívida, que também será adicionada aos novos precatórios. Essa não é uma situação de hoje, os precatórios ocorrem desde a República. Essa é uma medida paliativa com um direcionamento político, como ocorreu também com o Bolsa Família. Sabemos que a maioria da população pobre do país está localizada no Norte e Nordeste. Infelizmente essas pessoas vinculam seu posicionamento em termos de voto para aquele poder que o está trazendo determinado benefício e R$ 400, para quem não tem renda nenhuma, vem solucionar alguns problemas básicos.
Acorda Cidade – Os professores não receberão este dinheiro independente do total de repasse?
René Becker – O governo tem esse crédito junto à federação decorrente dos precatórios. Esse valor tem um direcionamento, é como se fosse carimbado. O governo deveria fazer o pagamento referente àquelas ações que geraram os precatórios. Por exemplo, a Bahia tem vários precatórios, e se determinado precatório for com relação ao Fundeb, o governo ao receber o recurso terá que fazer o pagamento devido. Há especificidade de cada precatório, e a Bahia tem vários. Um deles está realmente vinculado à educação, que foi a maior pressão que se exerceu, na votação da Câmara Federal. Então, se entre esses precatórios está algum referente à educação, o governo por uma questão de responsabilidade, deve dar o direcionamento.
Acorda Cidade – Por que as dívidas dos governos não são negativadas da mesma forma que são negativados os seus contribuintes?
René Becker – Os municípios também estão submetidos aos aspectos dos precatórios. Só que o valor de 60 salários mínimos é para a esfera federal. Cada estado tem sua constituição e são definidos esses valores na constituição. O débito inicia-se via administrativa, e depois dessa ação ser negada pelo governo, o contribuinte ou a pessoa que se sente prejudicada deve entrar com uma ação, que segue todos os trâmites até que seja definitivamente julgado para trânsito em julgado. A partir daí, no caso dos estados, é encaminhado para a Assembleia Legislativa, e no caso federal para o Tesouro Nacional, isso vai para o orçamento e deverá ser pago. O que está acontecendo é que o governo para não romper o teto que está previsto no orçamento para o exercício de 2022 encaminhou essa PEC para fazer com que tivesse condições de não romper o teto, o que é questionável, pois muitos seguimentos têm realmente levantado esse problema, pois não se sabe até que ponto o governo vai manter esse equilíbrio das contas. Com essa PEC o governo vai poder implementar o seu programa que está previsto para atingir 17 milhões de beneficiários com o valor de R$ 400, o que mensalmente equivale a 6 bilhões e 800 milhões de reais e anualmente vai dar mais de 61 bilhões de reais. A negativação é algo complexo, mas existe em todas as esferas. No precatório, não existe penhora de bens. O credor pode esperar a dívida a ser paga. Ele pode comercializar os precatórios com deságio. Há dois tipos de precatórios: o de natureza alimentar, que é pessoal, e o de natureza comum.
Acorda Cidade – Algumas pessoas criticam a nova política econômica do governo, vinculando o dólar ao preço do combustível. Essa política econômica é correta?
René Becker – A partir do governo Temer, o governo passou a definir o nosso preço interno com base nos preços internacionais, que são definidos em dólar por barril de petróleo, que tem mais ou menos 159 litros. O petróleo vem sofrendo a partir de 2000 uma alta muito grande. Com o retorno das atividades após a pandemia, o aumento do consumo do petróleo está aumentando. E além do aumento que houve em dólar do preço do petróleo, no país, há a desvalorização da moeda. Mesmo que lá fora não aumente, continuando aqui o dólar valorizando em relação ao real, quando se transforma o preço da moeda fazendo o cambio para o real, esse valor aumenta. E a tendência é que ano que vem o preço do petróleo continue aumentando, e se não conseguirmos melhorar nossa política macroeconômica e também conseguir estabilizar nosso déficit público, o dólar vai continuar apreciando frente ao real. Para ter a estabilização do preço interno dos combustíveis temos que estabilizar a política econômica e controlar o déficit público, só a partir daí haverá um fator favorável para que o real venha se valorizar frente ao dólar. Temos que nos preparar para pagar preços cada vez mais altos pelos combustíveis.