Código Civil

Fim do divórcio a dois? Nova proposta permite separação por decisão única em cartório

A ideia? Permitir que uma das partes possa solicitar o divórcio direto em cartório, mesmo sem a autorização do cônjuge.

Fim do divórcio a dois? Nova proposta permite separação por decisão única em cartório Fim do divórcio a dois? Nova proposta permite separação por decisão única em cartório Fim do divórcio a dois? Nova proposta permite separação por decisão única em cartório Fim do divórcio a dois? Nova proposta permite separação por decisão única em cartório
Foto: Reprodução / Redes Sociais
Foto: Reprodução / Redes Sociais

Imagine decidir se separar de alguém e não precisar do consentimento da outra parte. Uma proposta da Comissão de Juristas responsável pela Reforma do Código Civil quer transformar esse cenário em realidade no Brasil. A ideia? Permitir que uma das partes possa solicitar o divórcio direto em cartório, mesmo sem a autorização do cônjuge.

O assunto já está provocando intensos debates nos meios jurídicos e redes sociais. Afinal, será que isso facilita o fim de relacionamentos desgastados ou fragiliza direitos fundamentais da outra parte? A proposta faz parte de uma série de mudanças no Código Civil, que está em fase de revisão desde o início de 2023, com sugestões sendo levadas ao Congresso Nacional.

Hoje, embora o divórcio unilateral já seja reconhecido nos tribunais superiores como um direito individual, ele ainda precisa ser judicializado. Ou seja, mesmo que não haja litígio sobre patrimônio ou filhos, a pessoa que deseja se divorciar sem o consentimento do outro precisa entrar com uma ação na Justiça — o que envolve prazos, custos e, muitas vezes, resistência do Judiciário em aceitar a separação de forma rápida.

A proposta da reforma pretende acabar com essa necessidade de intervenção do judiciário e permitir que o divórcio unilateral seja feito diretamente no cartório. Mas como isso funcionaria na prática? O que muda para quem está casado hoje? E quais as implicações legais? Conversamos com o Dr. André Andrade, Advogado e Mestre em Direito de Família, para entender os impactos dessa proposta e o que ainda está em discussão.

André Andrade | Foto: Divulgação

– O que diz a proposta da Reforma

A proposta apresentada pela Comissão de Juristas do Senado Federal permite o divórcio unilateral extrajudicial, ou seja, realizado diretamente em cartório por meio da manifestação de vontade de apenas um dos cônjuges — sem necessidade de processo judicial e sem o consentimento do outro.

“A medida representa um avanço no sentido de reconhecer o direito individual à liberdade de terminar um vínculo conjugal”, explica Dr. André. “É o reconhecimento de que ninguém pode ser forçado a permanecer casado, nem mesmo por entraves burocráticos.”

– Como funciona o divórcio hoje?

Atualmente, o divórcio em cartório só é permitido se houver consenso entre as partes e não houver filhos menores ou incapazes. Caso contrário — ou quando há resistência de um dos cônjuges —, o caminho é ingressar com uma ação judicial. Embora o STF e o STJ já tenham reconhecido que o direito ao divórcio é potestativo (ou seja, independe da concordância da outra parte), na prática, muitos tribunais ainda dificultam a aplicação do divórcio unilateral direto.

“Hoje, mesmo com respaldo jurídico, quem deseja se divorciar sem o acordo do outro precisa recorrer à Justiça. E isso, muitas vezes, se torna um processo demorado, com intimações, audiências e resistência de juízes que, por hábito ou cautela, acabam postergando a conclusão do caso”, afirma Dr. André.

– O que mudaria com a nova regra?

O ponto central da proposta é a desjudicialização do divórcio unilateral. Ou seja, a pessoa que deseja se separar poderá fazê-lo diretamente em cartório, sem precisar de processo judicial e sem depender da anuência do outro cônjuge. O cônjuge será notificado, mas sua concordância não será necessária.

“O grande avanço da proposta é tornar efetivo o direito ao divórcio, que já existe, mas esbarra em entraves práticos. Retirar o Judiciário dessa equação simplifica a vida de quem já tomou a decisão de seguir em frente, respeitando o princípio da autonomia da vontade”, destaca Dr. André.

– Isso elimina outras etapas legais?

Não. A proposta trata apenas do fim do vínculo conjugal formal. Questões como partilha de bens, guarda dos filhos, pensão alimentícia e outras obrigações familiares continuam sendo tratadas judicialmente, quando não houver acordo.

“O cartório cuidaria exclusivamente do encerramento do casamento ou união estável. Questões como guarda, alimentos, partilha, alteração de domicílio ou exclusão de plano de saúde não serão afetadas por esse procedimento e continuam tramitando de forma separada, judicial ou extrajudicialmente, conforme o caso.”, esclarece o advogado.

– Notificação é obrigatória: ninguém será pego de surpresa

Embora o divórcio possa ser feito por decisão de apenas um dos cônjuges, a nova regra exige que o outro seja formalmente notificado antes que o registro seja concluído. Isso garante que o ato, ainda que unilateral, não seja secreto ou abrupto, preservando o direito de ciência da outra parte.

“A proposta não abre espaço para um divórcio ‘surpresa’. A notificação é uma etapa obrigatória. Se o outro cônjuge estiver presente ou já tiver manifestado ciência, ótimo. Caso contrário, ele será notificado pessoalmente, ou, em último caso, por edital”.

Após essa notificação — seja pessoal ou editalícia —, o cartório averbará o divórcio em até cinco dias. A única exceção é quando o casal estiver presente junto ao oficial de registro, o que dispensa a notificação formal.

– Quando essa proposta pode entrar em vigor?

Por enquanto, trata-se de uma proposta de alteração legislativa, ainda em fase de análise pelo Senado. Se aprovada, seguirá para a Câmara dos Deputados e, posteriormente, poderá ser sancionada. Até lá, nenhuma mudança prática entra em vigor.

“É importante deixar claro que, por ora, nada mudou. A proposta ainda está sendo discutida, e o texto final pode sofrer alterações. O que existe é um movimento claro de modernização e desburocratização, mas que precisa ser aprovado no Congresso”, ressalta Dr. André.

– Impacto prático para a sociedade

Se implementada, a nova regra poderá representar uma mudança significativa para pessoas que enfrentam resistência no processo de divórcio. Ela também poderá reduzir a judicialização de casos simples, desafogando o Judiciário e garantindo mais agilidade e dignidade a quem deseja encerrar legalmente um casamento.

“Na prática, isso evita que uma pessoa fique presa em um casamento apenas por obstáculos burocráticos. Muitos casamentos já acabaram emocionalmente, mas continuam existindo no papel. Essa proposta facilita o encerramento legal, respeitando a autonomia de cada indivíduo”, conclui Dr. André.

Conclusão

A proposta que permite o divórcio unilateral em cartório representa um passo importante na direção da desburocratização das relações familiares, respeitando o direito de cada indivíduo de encerrar um vínculo conjugal sem a necessidade de enfrentamentos judiciais desnecessários.

Mesmo que o divórcio unilateral já seja reconhecido no campo jurídico, a exigência de judicialização ainda gera sofrimento, atrasos e desgaste emocional. Ao trazer esse procedimento para o cartório, a proposta valoriza a autonomia da vontade e o acesso à Justiça de forma mais direta e eficiente.

Para quem está passando por um processo de separação ou cogita essa possibilidade, o mais importante é buscar orientação jurídica especializada, garantindo que todos os direitos sejam respeitados e que a transição ocorra da forma mais justa possível.

Sobre André Andrade

Advogado, inscrito na OAB/BA 65.674. Professor de Direito Civil, Mestre em Família na Sociedade Contemporânea pela UCSAL, Pós-graduado em Advocacia Contratual e Responsabilidade Civil e em Direito de Família e Sucessões, Bacharel em Direito pela UFBA e Membro da Academia Brasileira de Direito Civil. Atualmente, é sócio do escritório Braz & Andrade Advocacia Especializada.

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