
Uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT6), em Recife, repercutiu ao proibir um posto de combustíveis de exigir que funcionárias trabalhem usando cropped e calça legging como uniforme. A determinação foi motivada por denúncia ao sindicato da categoria e reconheceu que as trabalhadoras foram submetidas a “constrangimento, vulnerabilidade e potencial assédio”.
O caso ocorreu no Posto Power, também registrado como FFP Comércio de Combustíveis, no bairro de Afogados. Segundo a denúncia, após mudança de gestão em setembro, frentistas passaram a ser obrigadas a usar vestimentas consideradas inadequadas e que “expõem, de forma desnecessária, o corpo das trabalhadoras”.
Segundo divulgou o portal g1, a Justiça proibiu o posto de manter a prática, sob pena de multa diária de R$ 500 por funcionária. A FFP Comércio de Combustíveis afirmou ao site que a decisão “não reflete a realidade dos fatos e será objeto de impugnação pelos meios legais cabíveis”. A empresa também disse que as fotos anexadas ao processo não condizem com as funcionárias porque elas estariam sem o uniforme da empresa.
Diante da repercussão, o Acorda Cidade conversou com a advogada especialista em Direitos Humanos e Contemporaneidade, Tâmara Andreucci, que explicou quais são os limites legais para exigência de uniforme e como casos como o do Recife não são isolados, conectando-se a debates mais amplos sobre desigualdade, vulnerabilidade e violência de gênero.

⚖️ Direitos trabalhistas e imposição de vestimentas: o que diz a lei
Segundo Tâmara Andreucci, embora a Consolidação das Leis do Trabalho não trate detalhadamente das vestimentas, ela estabelece princípios que impedem abusos por parte do empregador. É a CLT, tão criticada atualmente nas redes sociais, com serviços precários e mal remunerados, que garante que os trabalhadores não sejam explorados de diversas maneiras.
A advogada destaca que o artigo 2º da CLT reconhece o poder da empresa, mas esse poder não é absoluto.
“Essas regras que ele estabelece não podem contrariar os direitos fundamentais desse trabalhador. A dignidade, não pode ser nenhuma regra discriminatória. A gente tem que garantir o princípio da igualdade.”
Quando o empregador pode exigir uniforme?
Normas regulamentadoras, como a NR-16 e a NR-17, também tratam de segurança e proteção e justificam uniformes apenas quando servem a fins legítimos, como higiene ou padronização. O uniforme não pode causar exposição ou constrangimento.
“O empregador vai poder determinar algum uniforme sempre que a atividade funcional justificar. Seja por questão de segurança, para a identidade visual desse trabalhador, para a questão de higiene. No entanto, essa imposição deve respeitar os direitos dos empregados. Ele não pode constranger o trabalhador, não pode expor o corpo de forma indevida e deve observar todos aqueles princípios constitucionais.”
Além disso, o custo do uniforme é de responsabilidade da empresa.
Quando a exigência é abusiva e pode ser levada à Justiça?
“Se a exigência de vestimenta não tiver uma finalidade prática, técnica, não tiver fins de garantir a segurança, ela pode sim ser considerada um abuso do poder diretivo e, portanto, deve e pode ser questionada judicialmente.”
Segundo a advogada, a Justiça do Trabalho, inclusive, já possui decisões semelhantes ao caso de Recife.
“Ela reconhece como ilegítimas algumas exigências porque sexualizam, expõem o corpo ou geram algum constrangimento.” Nesses casos, há possibilidade de condenação por danos morais.

A trabalhadora pode se recusar? Como denunciar?
Segundo Andreucci, sim, desde que documente o caso e oficialize na Justiça. Não basta apenas dizer “não vou usar”; é necessário registrar a situação e o momento para se resguardar.
“Recomenda-se que essa recusa seja formalizada e acompanhada de provas do constrangimento para evitar sanções indevidas e assegurar também em uma disputa judicial.”
Ela reforça que denúncias podem ser feitas internamente, por meio dos canais de compliance da empresa (mecanismos para garantir que regras, ética e boas práticas sejam comunicadas e respeitadas), mas também diretamente ao Ministério Público do Trabalho ou ao sindicato da categoria.
A denúncia pode ser anônima, e as provas podem incluir mensagens, imagens e até testemunhas.
Caso haja dano moral, é possível ajuizar reclamação trabalhista. A responsabilização também pode atingir tanto a empresa quanto gestores diretamente envolvidos.
O caso foi discriminação de gênero? É assédio moral?
Nem sempre o assédio no local de trabalho vem diretamente dos empregadores tentando se aproveitar sexual ou afetivamente dos funcionários. O caso de Recife, por exemplo, é considerado assédio e constrangimento, como explicou a advogada.
“Pode configurar a discriminação de gênero quando a exigência recai principalmente ou exclusivamente sobre mulheres e quando essas exigências demonstram caráter sexualizante ou vexatório, ou violam o princípio constitucional da igualdade, enfim, também as normas internacionais de proteção às mulheres no ambiente de trabalho, tudo aquilo que regulamenta e garante essas mulheres.”
“Cria um ambiente de alguma maneira humilhante, também discriminatório, e que vai atingir desproporcionalmente mulheres ou determinados grupos específicos”, acrescentou a advogada ao Acorda Cidade.
Quais penalidades a empresa pode sofrer?
Dependendo da gravidade, o empregador pode sofrer condenação ao pagamento de indenização por danos morais, multa administrativa e, em casos extremos, determinação judicial de alteração das práticas internas, sob pena de sanções mais severas.
Essas garantias estão previstas na Constituição, na CLT e em convenções internacionais. Casos como o do Recife ajudam a reafirmar aquilo que deveria ser inegociável: condições dignas e seguras para todas as trabalhadoras.
“A Constituição Federal garante dignidade da pessoa humana, igualdade entre homens e mulheres e o direito à não discriminação. A CLT protege a integridade física e moral do trabalhador, vedando práticas abusivas. A Convenção 111 da OIT reforça a proibição de discriminação no ambiente laboral.”
Com informações da produtora Daniela Cardoso do Acorda Cidade
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