Tecnologia

Inteligência Artificial: duvido, logo existo!

A crônica sobre a Inteligência Artificial foi produzida pelo Frei Jorge Rocha, da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos (OFMCap).

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Foto: Freepik

Ao que parece, o ano de 2022 foi o ano do avanço da inteligência artificial (IA). Contudo, especialistas afirmam que já em 2015 “os computadores começaram a abrir os olhos”. Um famoso sênior da Google, por sua vez, indica que o fenômeno vem de tempos mais remotos. Independentemente do início histórico, o que importa é que agora estamos vivendo uma espécie de pandemia virtual ou, por que não dizer, uma intoxicação virtual.

Antes de demonizar a IA, é preciso sublinhar que, possivelmente, muitas coisas boas poderão acontecer por meio dela. É bem provável que o setor de saúde ganhe impulso no mapeamento de doenças, na confecção de novos medicamentos, nas intervenções cirúrgicas e nas pesquisas de prevenção. A IA poderá ser usada na detecção de enfermidades, no desenvolvimento de estratégias eficazes de prevenção e no direcionamento de políticas públicas de saúde.

Contudo, os idealizadores da IA – sejam americanos ou chineses – têm a intenção de antropomorfizar a máquina, isto é, conceder-lhe características humanas tão “reais” que o próprio ser humano não consiga distinguir. Com isso, o verdadeiro humano perde seu conhecimento e sua intervenção tática e prática no mundo, podendo até ser preterido. Isso gera uma distopia, na qual ele se torna partícipe de um mundo que não existe, esvaziando sua presença na sociedade e tornando-se irrelevante. É por isso que a IA precisa aumentar as conexões: para nos desconectar de nós mesmos. Assim, os aplicativos passam a saber mais sobre nós do que nós mesmos.

A IA tem forte impacto na democracia e, diria até, chega a ser uma ameaça. Ela favorece o aumento da polarização e a criação de bolhas, pois os usuários passam a acreditar apenas naquilo que querem ver, gerando, paradoxalmente, falta de senso político, nacionalidade contraditória e irreflexão. Cria-se, assim, uma realidade sintética para manipulação por meio dos algoritmos. Por isso, é necessário o letramento digital; caso contrário, seremos manipulados. Todo esse movimento nos leva a crer que a caixa de Pandora deu lugar à caixa multiverso.

No campo jurídico, surge a reflexão sobre responsabilidades. Quem, por exemplo, é responsável pela morte causada por um carro autônomo? De quem é a culpa por um diagnóstico errado? A quem responsabilizar por uma informação incorreta sobre determinada pessoa ou empresa? Quem será o responsável quando alguém ceifar a própria vida, induzido por uma máquina? Quem se sentará no banco dos réus? Ainda não sabemos. Por tudo isso, é preciso criar uma constituição da inteligência artificial, pois, mesmo já havendo casos de jurisprudência nos Estados Unidos, falta um estatuto que coloque em evidência os valores humanos, as devidas responsabilidades e as culpas.

O dogma da inteligência artificial, no mundo da pós-verdade, é: “Eu vi, é verdade”. Esse “eu vi” é meu, minha propriedade, meu guia e meu olhar. Em contrapartida, a nossa sobrevivência no mundo da inteligência artificial está na releitura de Santo Agostinho e de René Descartes, oferecendo-nos uma espécie de detox digital e outro axioma: “Duvido, logo existo”. A capacidade de duvidar devolve ao homem a competência de pensar, de perceber que informação não é conhecimento e de reduzir a possibilidade de manipulação. Uma cultura que não pensa e não se pensa será governada pelos algoritmos e pelos poucos que pensam.

Autor: Frei José Jorge Rocha, OFMCap

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