Consciência negra ftfernando frazão ag brasil
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Após o vereador de Feira de Santana, Edvaldo Lima (União Brasil), criticar e considerar o feriado da Consciência Negra “racista”, diversas lideranças na cidade se pronunciaram sobre a fala considerada grotesca e prejudicial para o letramento racial das pessoas.

Ativistas, políticos, fazedores de cultura se manifestaram contra o posicionamento. Desta vez, lideranças religiosas também se dispuseram para reverter a fake news e trazer informação de qualidade, mas ainda mais, para trazer ensinamentos que compactuem com quem é cristão.

Durante entrevista ao Programa Acorda Cidade, na manhã desta sexta-feira (14), Frei Jorge Rocha, superintendente da Fundação Santo Antônio e o padre João Eudes, advogado e professor usaram suas vozes cristãs para chamar atenção dos fiéis e de toda a população sobre a importância da consciência negra na atual sociedade brasileira.

Missa de quarta-feira de cinzas
Frei Jorge Rocha | Foto: Paulo José/Acorda Cidade

“O dia da Consciência Negra é porque nos falta a consciência humana. Nós não estamos tendo a consciência humana e não temos muitas vezes, um conhecimento da história, das perdas históricas, e por isso que você precisa de um dia para refletir sobre isso.”

Seguindo os exemplos de São Benedito, o primeiro santo negro da Igreja Católica, padre Eudes também fez uma leitura sobre os contextos históricos que levaram o Brasil a conviver com o racismo estrutural dos dias atuais.

Seguindo os passos, por quê? Porque o Santo, mesmo vivendo e uma época em que o termo “racismo” não existia, já existia as desigualdades, os extermínios e violência contra a população negra. Portanto, conseguir ocupar um espaço no altar enquanto um santo negro é visto por pesquisadores e lideranças religiosas como um homem à frente do seu tempo, que venceu barreiras e se tornou um símbolo de fé e orgulho.

Para o padre Eudes, considerar o feriado racista é pura ignorância, mas também um racismo velado por ignorar as pautas raciais que atingem toda a sociedade brasileira, sem exceções.

“O dia da consciência negra não é um dia para os brancos trabalharem e os negros folgarem. Isso é uma coisa muito sem sentido, porque a data é o dia de a gente recordar Zumbis dos Palmares, recordar a luta do povo negro, que foram 300 anos de escravidão. E depois que os negros foram libertos (a falta abolição do 13 de maio, com assinatura da Lei áurea) não foi dado nenhum direito, os negros foram simplesmente jogados e por conta disso foram para a periferia, veio o sofrimento, a exclusão.”

"Precisa do Dia da Consciência Negra, porque falta Consciência Humana", diz Frei Jorge sobre fala racista de vereador
Padre Eudes | Foto: Divulgação

“Tudo que é manifestação cultural negra foi perseguida. O candomblé, a capoeira, o samba. Quer dizer, a história do Brasil é uma história que discrimina a pessoa negra, mesmo depois da escravidão. E hoje pagamos as consequências. Quais são as consequências? Quem é que está lotando as prisões? Quem é que tem um subemprego? Quem está na periferia? Os negros. Então, esse dia da consciência negra é um dia da gente lutar pelo direito das pessoas negras. Isso não significa desprezar as pessoas brancas, separar. É simplesmente fazer a memória da luta dos negros que continua hoje, quando os negros também buscam terem espaço na sociedade”, disse padre João Eudes ao Acorda Cidade.

Nascido no século XVI, filho de escravizados libertos, na Sicília, Itália, São Benedito é reconhecido pelo brilho da sua humildade que lhe trouxe grandes milagres na vida das pessoas. É a representação de uma divindade que superou a discriminação racial no tempo em que a escravidão expandia em várias partes do mundo, que inspira gerações que acreditam e seguem os ensinamentos cristãos de valorização à vida.

"Precisa do Dia da Consciência Negra, porque falta Consciência Humana", diz Frei Jorge sobre fala racista de vereador
São Benedito | Foto: Reprodução TVCA

Padre Eudes também reforçou que o racismo estrutural está nos índices que são desproporcionais para uma sociedade que majoritariamente é de negros (pretos e partos).

“A gente imagina que mais a metade da população brasileira é negra, mais a metade da população brasileira não está representada no Congresso Nacional, no Judiciário, não está representada nos grandes postos da sociedade. Então, existe uma discriminação da pessoa negra no Brasil e a sociedade tem que tomar consciência disso.”

É por isso que movimentos como o de Mulheres Negras no Brasil são extremamente importantes, em um país que representantes políticos ainda consideram que existe uma “democracia racial”, para cobrar a presença de mulheres negras no Supremo Tribunal Federal, por exemplo. De pesquisadores, empresários, cientistas, políticos, professores, jornalistas, enfim, pessoas negras letradas em todas as posições da sociedade para combater o genocídio da raça.

É preciso ser antirracista e reconhecer a existência do racismo no Brasil

“Não basta não ser racista é preciso ser antirracista”, como afirmou a ativista pelos norte-americana Angela Davis ao visitar o Brasil. Ela percebeu que mesmo sua população sendo diversa, as pessoas negras em geral ainda estavam em espaços de subalternidade.

“Nós temos que lutar como sociedade pela igualdade. Então quando existe um grupo menorizado por conta de discriminação racial, social, a gente tem que lutar contra isso. Então o Dia da Consciência Negra é o dia em que a gente recorda a luta do povo negro do passado e a luta do povo negro continua.”

O frei ainda lembrou de práticas racistas de anos atrás, mas que não fazem muito tempo, quando a “boa aparência” solicitada em entrevistas de emprego, mas que na verdade significava, “não queremos pessoas negras na nossa empresa”, o apartheid brasileiro que pessoas com falas parecidas com a do vereador quem esconder ou apagar da história.

“Não tinha preto, não podia ser preto então, tem muita coisa estrutural a gente precisa refletir, enviar luz, não criar paixões, aqui e acolá então eu fico até meio admirado assim com eloquência do vereador. Ô, vereador, vamos pensar”, reforçou o Frei Jorge.

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