Jovem tira 900 na redação do Enem
Foto: Arquivo Pessoal

Com a prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) se aproximando, é hora de reforçar uma verdade simples, mas decisiva: não existe inspiração milagrosa ou frase pronta capaz de garantir a nota mil. O que o corretor avalia é se o candidato domina as cinco competências exigidas: domínio da norma culta, uso de repertório sociocultural dentro do gênero dissertativo argumentativo, projeto de texto, articulação entre frases e parágrafos e proposta de intervenção.

Mas então, por que algumas redações encantam os avaliadores e outras são esquecidas segundos após a leitura? A resposta, segundo especialistas, não está em dons raros, mas em método, treino e clareza. A seguir, reunimos oito conselhos de professores experientes sobre o que realmente importa para se destacar na redação do Enem 2025.

  1. Não basta ser “bonito” ou “inspirador” — é preciso ser relevante.

Não adianta citar uma obra famosa ou um dado impressionante se ele aparece isolado, sem ajudar a construir o argumento. O corretor não avalia apenas se você “conhece” determinado autor, mas se sabe usar essa referência para fortalecer a sua tese. Por isso, até um repertório simples — como uma notícia recente, uma lei conhecida ou um provérbio popular — pode ser valioso, desde que seja explicado e conectado ao raciocínio.

“O que o corretor avalia é a capacidade de conectar o repertório à proposta de intervenção e à tese discutida, e não se ele veio de um pensador famoso”, esclarece Candice Almeida, assessora pedagógica de Redação no Centro de Inovação Pedagógica, Pesquisa e Desenvolvimento (CIPP) do Colégio Positivo. Ou seja, o estudante pode — e deve — usar exemplos filosóficos, históricos, literários, científicos, da cultura pop ou mesmo de atualidades, desde que estejam diretamente ligados à tese que defende. “Um bom repertório não precisa ser difícil ou abstrato, precisa ser funcional: ajudar a desenvolver sua ideia com clareza e profundidade”, complementa Segundo a coordenadora dos Anos Finais e Ensino Médio, Liziane Regina Paiz Petri, do Passo Certo Bilingual School, de Cascavel (PR), colégio que conquistou o 1º lugar do Paraná na média de redação no Enem 2024.

  1. Evite frases decoradas: elas não mostram o que você pensa

O uso de repertório logo na introdução pode ser ótimo — desde que ele seja legítimo, pertinente e produtivo. O problema é que muitos candidatos recorrem aos chamados “repertórios de bolso”, aqueles que parecem caber em qualquer tema, mas, na prática, não contribuem para a argumentação.

“Esse tipo de referência dilui a proposta e descaracteriza tanto a temática quanto o repertório apresentado”, orienta Candice Almeida. Ela explica que o estudante é avaliado pelo repertório autoral. Repetir frases como “já dizia Platão: o importante não é viver, mas viver bem” sem explicação mostra falta de autoria. “O corretor quer saber como você pensa, e não como você recita algo pronto. Em vez disso, use dados atuais, fatos históricos bem escolhidos, exemplos de políticas públicas, situações reais, autores relevantes e referências culturais que dialoguem diretamente com o tema proposto. É essa construção crítica e fundamentada que mostra maturidade argumentativa — e aproxima você da nota mil”, aconselha.

  1. Cada parágrafo deve empurrar o texto para frente

O que valoriza a redação não é uma frase de abertura de impacto, mas a progressão lógica: a forma como as ideias avançam com clareza, parágrafo por parágrafo. O corretor percebe quem consegue construir um raciocínio coeso e consistente — e isso é maturidade argumentativa.

“Nem sempre surpreender e emocionar o leitor ou o corretor da redação é o que mais importa. O que se espera do candidato é uma redação bem estruturada, coesa e objetiva, ou seja, que privilegia a clareza, a lógica e o cumprimento rigoroso dos critérios de correção, garantindo segurança e consistência, ainda que soe menos inovadora”, aconselha João Filipe de Souza Magnani, professor de Língua Portuguesa do Curso Positivo, em Ponta Grossa (PR).

Todos os anos, João Filipe presta o próprio Enem como candidato para sentir na pele as dificuldades dos estudantes. Segundo ele, a redação nota mil precisa de uma estrutura sólida: introdução com tese clara, dois ou três parágrafos argumentativos bem conectados e uma conclusão que feche o raciocínio. “Evite cortes bruscos de assunto ou repetições desnecessárias. O segredo está em ligar bem as partes do texto, como se cada parágrafo conversasse com o anterior e preparasse o próximo. É essa fluidez que demonstra domínio da escrita — e não a tentativa de brilhar com frases decoradas”, ressalta.

  1. Repertório não se decora: se constrói

Muitos alunos acreditam que basta decorar meia dúzia de citações para garantir nota alta. Mas o Enem valoriza o repertório autoral, fruto de leituras variadas e conexões próprias. Até referências simples podem render muito, desde que o estudante tenha base para explicá-las no contexto certo.

“O que entristece um professor de redação é o fato de haver alunos que querem a ‘receita do bolo’, sem se preocupar na construção do próprio conhecimento nessa rovado jornada da escrita”, pontua Maria Elisabete Vargas, a professora Beti, do Vila Olímpia Bilingual School, em Florianópolis (SC).

Para Candice Almeida, a solução está em criar uma rotina de contato com diferentes fontes: jornais de credibilidade, revistas científicas de divulgação, documentos oficiais (como a Constituição de 1988 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos), obras literárias brasileiras (de autores como Machado de Assis, Clarice Lispector e Lima Barreto), filmes e séries (como Que horas ela volta? e Black Mirror), além de filósofos e pensadores clássicos e contemporâneos, como Aristóteles, Hannah Arendt e Paulo Freire. “Quanto maior for a diversidade, mais repertório você terá para qualquer tema — de saúde pública a tecnologia”, garante.

  1. Redações com nota alta são revisadas, não improvisadas

Uma redação quase nunca sai perfeita de primeira. Segundo Paula Noéli Faustino, professora de Língua Portuguesa e Redação do Colégio Positivo  Londrinaescrever direto a limpo é arriscado, pois impede o aluno de identificar erros simples, como repetições, deslizes gramaticais ou falhas de coesão.

“A revisão serve para lapidar o texto — como quem afia uma ferramenta para deixá-la mais precisa. É nesse cuidado que se mostra maturidade e domínio da escrita”, afirma. Ela recomenda que o estudante sempre use o rascunho: “Escreva o texto completo sem se preocupar em acertar tudo de primeira. Depois, faça uma pausa curta e retorne com um olhar renovado, verificando se os parágrafos estão bem conectados e se o raciocínio flui de forma lógica. Ajuste repetições, substitua palavras redundantes, corrija falhas gramaticais e finalize lendo em voz baixa para identificar trechos confusos ou truncados. Esse processo garante mais clareza, coesão e segurança ao texto final”.

  1. A proposta de intervenção é decisiva — e costuma ser negligenciada

A proposta de intervenção, obrigatória no Enem, precisa apresentar cinco elementos: agente, ação, meio, efeito e detalhamento. Muitos candidatos, no entanto, entregam soluções vagas, sem clareza ou viabilidade.

“O agente indica quem vai realizar a medida, mas não pode ser apenas ‘todos’ ou ‘a população’. A ação deve ser concreta — não basta dizer ‘investir’ ou ‘conscientizar’ sem explicar como. O meio é quase sempre esquecido, mas termos como ‘por meio de’ ajudam a deixar esse ponto claro. O efeito corresponde ao resultado esperado, mas muitos alunos simplesmente o omitem. Já o detalhamento é o que dá especificidade e realismo à proposta, e o erro mais comum é não apresentá-lo”, explica Candice Almeida.

Para ela, a solução é treinar. “Use conectores estratégicos que facilitem a clareza: ‘por meio de’ para o meio, ‘com o objetivo de’ para o efeito, e complemente com tempo, lugar ou condições da ação. Uma boa proposta precisa ser viável, clara e detalhada, mostrando que o candidato não apenas identificou o problema, mas também sabe sugerir soluções concretas para superá-lo. É justamente essa capacidade de transformar argumentos em propostas que diferencia uma redação comum de uma redação nota mil”.

  1. Treinar é o que garante rapidez e qualidade na hora da prova

Redação não se improvisa — se treina. Quanto mais o estudante pratica, mais natural se torna o processo de planejar a tese, estruturar parágrafos, usar repertórios e formular propostas de intervenção. “Esse treino constante é o que dá agilidade mental e segurança para escrever bem no tempo limitado da prova, sem improvisos ou atropelos”, garante a professora Beti Vargas.

A professora de Redação do Ensino Médio do Colégio Semeador, de Foz do Iguaçu (PR), Denize Cardoso, recomenda também aprender a controlar o tempo. Uma estratégia eficaz é reservar 15 minutos para pensar sobre o tema, anotar os argumentos, planejar e organizar o rascunho; 45 minutos para escrever o texto com calma e 20 minutos para revisar e passar a limpo. “Essa divisão evita que a redação seja feita às pressas e garante espaço para a revisão, que muitas vezes faz a diferença entre uma nota alta e a nota máxima. Com treino e gestão do tempo, o estudante chega ao Enem preparado para escrever com clareza, profundidade e confiança”, conclui.

  1. Na véspera da prova, menos é mais

No dia anterior ao Enem, não é hora de forçar leituras ou tentar decorar autores de última hora. O mais importante é chegar descansado e equilibrado. “Se quiser, leia o jornal do dia ou um trecho de literatura curta para se manter em contato com ideias. Mas lembre-se: cérebro descansado e corpo equilibrado rendem mais que dez horas de estudo de última hora”, recomenda João Filipe de Souza Magnani

Dormir bem, beber água e manter uma alimentação leve e saudável são, segundo os professores, as melhores estratégias para chegar confiante e sereno no grande dia.

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