Nesta segunda-feira, dia 8 de agosto, é celebrado o Dia Mundial da Alfabetização, data que reforça a importância da educação para inclusão e cidadania das pessoas. Em Feira de Santana, a Jornada de Alfabetização de Jovens, Adultos e Idosos nas Periferias, vinculada ao projeto Mãos Solidárias, tem transformado vidas, especialmente de mulheres negras adultas e idosas.
A data é uma oportunidade para refletir sobre os avanços e os desafios no combate ao analfabetismo no Brasil, especialmente no Nordeste, onde os índices ainda são mais elevados (o dobro da média nacional, com 5 milhões de analfabetos). O projeto traz exemplos que têm resgatado a dignidade e a autoestima de muitas mulheres, majoritariamente negras, mostrando que nunca é tarde para aprender a ler e escrever.
A Jornada é desenvolvida em parceria com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e com a Universidade Federal de Pernambuco. Em Feira, uma das turmas está no Conjunto Parque Panorama, no bairro Tomba, ministrada por Marinalda Soares, que coordena aulas voltadas, em sua maioria, para mulheres negras em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
Marinalda integra a Rede Nacional de Mulheres Negras no Combate à Violência e já atua em projetos sociais com foco em empoderamento feminino. A convite da coordenadora estadual, Edivania Vitória Moreira, ela passou a colaborar com o projeto.
Ao Acorda Cidade, Mari contou que decidiu unir forças ao método “Sim, Eu Posso”, criado em Cuba, em 2006, que ensina a ler e escrever associando letras e números e já alfabetizou milhares de brasileiros.
“Alfabetização é um direito básico e é uma ferramenta essencial para a inclusão social e o exercício de cidadania. Com essa jornada, queremos não só ensinar a ler e escrever, mas também fortalecer a autonomia e a leitura crítica do mundo. Visamos não apenas reduzir o analfabetismo, mas também elevar o nível de escolarização dos jovens, adultos e idosos dos municípios envolvidos no projeto”, destacou.
No Panorama, Marinalda também comanda a “Varandinha da Mari”, com o projeto Mulheres Libertas Soltam Suas Vozes, combatendo a violência contra a mulher e trazendo ações sociais voltadas para as mulheres negras do bairro.
“Está sendo muito gratificante, a melhora na escrita delas, no aprendizado, e cada dia elas aprendem a fazer uma letra diferente, com os números correspondentes às letras. E tá sendo muito boa essa troca de saberes, e elas trazem pra sala de aula também as trocas de vida. Só nos fazem enriquecer. Sim, eu posso ensinar. Sim, eu posso fazer com que essas mulheres aprendam a ler, escrever e ter dignidade na vida delas”, afirmou ao Acorda Cidade.
Nunca é tarde para aprender; confira os depoimentos
Em seu depoimento, Marinalda contou que a turma é composta por muitas mulheres idosas e evangélicas, que vão às suas igrejas, mas, por falta de acesso à educação na infância, não sabem ler até os dias de hoje. Com as aulas, muitas já sentem o impacto da alfabetização no dia a dia.
“Estou muito grata porque estou aprendendo e a gente só tem de continuar e não faltar aula porque é muito importante. Já aprendi alguma coisa e eu quero aprender muito mais. Não faltem, se esforcem que a vitória é da gente”, celebrou Maria do Carmo Santana Santos, de 56 anos.
Hilda Geraldo da Silva é a mais experiente das entrevistadas. Aos 78 anos, ela contou que tem aprendido muito:
“Está ajudando, que a gente aprende mais. Estamos aprendendo, está legal.”
Já Zilda Gonçalves dos Santos, de 59 anos, também já reconhece os avanços:
“É muito bom. E estou gostando. Porque eu estou vendo que estou aprendendo, estou lendo. Eu falo para as pessoas se esforçarem, porque sem esforço nada acontece e não faltar à aula, não é?”, alertou.
Rita Santos Souza tem 73 anos e não quer parar por agora. Ela também disse que quer aprender a cada dia mais. Ao Acorda Cidade, contou que já tem percebido sua evolução:
“Eu não tenho o que reclamar. Só tenho que agradecer a Deus. Não sabia fazer muitas letras aqui e já estou bem prática”, observou.
Roseni Pires dos Santos também faz parte do projeto. Ela fez um convite para as mulheres que ainda não sabem ler e escrever e acreditam que não dá mais tempo. Aos 61 anos, resolveu tentar:
“Eu não tinha essa mente de voltar a estudar devido ao dia a dia, eu esqueci muitas coisas, e hoje eu sei que eu posso. Estou aqui com as minhas coleguinhas, e sim, eu posso. Venha ficar com a gente”, convidou.
Segundo Marinalda, manter as alunas dentro da sala de aula é um dos principais desafios, pois muitas convivem com a violência doméstica, com o ciúme do marido, que não aceitam sequer que elas estudem.
“São muitos fatores que às vezes elas desistem de estar em sala de aula: é um marido ciumento, é um tempo frio e doenças, e a gente está aqui driblando tudo isso. Também todas as noites a gente coloca um lanchinho especial para elas, para nossos educandos, e elas veem também o nosso carinho colocado ali.”
Alfabetizando pelo estado
Segundo a coordenadora estadual da Jornada de Alfabetização, o projeto teve início em janeiro de 2025, com busca ativa e formação de educadores. Hoje, conta com 60 turmas distribuídas em mais de 25 bairros de Feira de Santana, beneficiando cerca de 1.400 pessoas.
Em maio deste ano, aconteceu em Feira a Pré Jornada da Alfabetização, reunindo educadores, lideranças comunitárias e movimentos sociais. A atividade contou com a presença da secretária estadual de Educação, Rowena Brito, e de Poliana Reis, coordenadora da Educação do Campo, Indígena e Quilombola da pasta.
“Atualmente, 95% das pessoas envolvidas são mulheres que atuam em diversas vertentes dentro da sociedade feirense, principalmente nos territórios que estão inseridas as turmas. Tanto na função de coordenação estadual, coordenação de turmas, educadores e educandas, a maioria são mulheres”, afirmou Edivania Vitória ao Acorda Cidade.
As aulas começaram em agosto e seguem até dezembro, quando está prevista a formatura das turmas. O projeto é gratuito, oferece material didático e apoio aos educadores, e integra um esforço nacional de combate ao analfabetismo.
Ele tem promovido o resgate da cidadania, autonomia e independência, inclusão social, abertura de oportunidades, valorização da autoestima, combate às desigualdades e transformação comunitária.
“Nas periferias, onde a exclusão é maior, a alfabetização reduz o isolamento social. Ela permite a integração em grupos, o acesso à cultura, à informação e ao convívio com outras pessoas de maneira mais plena. A alfabetização é a porta de entrada para a continuidade dos estudos e qualificação profissional. Isso pode abrir caminhos para empregos melhores e para a superação da pobreza intergeracional. Projetos de alfabetização nas periferias de Feira não são apenas ações educativas, mas verdadeiros instrumentos de transformação social. Tocamos o presente dessas pessoas e ajudamos a construir um futuro mais justo, humano e inclusivo”, frisou Edivania.
📍 Confira o mapa com os bairros contemplados pelo projeto em Feira de Santana e o panorama geral da Bahia:
- 2.000 estudantes em Salvador, em 30 territórios da capital baiana;
- 1.400 estudantes em Feira de Santana, em mais de 25 territórios;
- 600 estudantes em Vitória da Conquista, em 15 territórios.
Com informações da produtora e jornalista Daniela Cardoso do Acorda Cidade
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