Há exatos 10 anos, os primeiros casos do Zika Vírus — doença viral transmitida pela picada do mosquito Aedes aegypti infectado — eram diagnosticados em Feira de Santana. Com o objetivo de marcar a data e chamar atenção para os desafios que as famílias ainda enfrentam, a Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde, realiza o Seminário Zika: uma Década Depois – Ciência e Vozes que Transformam.
O evento que começou na quarta (13) e segue até esta quinta-feira (14), no auditório do módulo VI da universidade, reúne profissionais de saúde, pesquisadores, gestores e famílias para avaliar o que já foi aprendido até o momento e os desafios para o futuro das crianças diagnosticadas com microcefalia e outras alterações congênitas.
Feira de Santana foi uma das cidades que registrou diversos casos de crianças que nasceram com uma formação associada à infecção pelo Zika.
Segundo a professora Erenilde Marques de Cerqueira, uma das organizadoras do encontro, a ideia surgiu através da Fiocruz, por meio do professor Rivaldo Venance, que também faz parte do Núcleo de Pesquisa da Uefs.
“Nós sabemos que temos um vetor comum que é o Aedes aegypti, que transmite a dengue, a chikungunya e a Zika. Então, nós temos uma população de mosquitos. O vírus dele não foi embora, eles estão por aí. Então, em qualquer momento, a gente pode ter o recrudescimento de uma dessas doenças. A gente verifica em alguns momentos que aumentam os casos de dengue, em outros momentos aumentam os casos de chikungunya e Zika”, alertou a professora.
Erenilde avaliou que, em 10 anos, não houve avanços significativos relacionados à medicina, apenas o combate ao mosquito, fundamental para evitar a circulação do vírus.
“Não tendo mosquito, a gente não tem como circular o vírus. Daí houve avanço, tem algumas tecnologias novas em relação ao controle do mosquito Aedes aegypti.”
A professora também lembra que, além das crianças que foram diagnosticadas na época com microcefalia, as pessoas desenvolveram a síndrome de Guillain-Barré (SGB), que também está associada ao Zika. Ela é uma doença autoimune, onde o sistema imunológico ataca o próprio sistema nervoso periférico, impedindo a transmissão eficiente dos sinais nervosos, levando à fraqueza muscular, dormência e, em casos mais graves, paralisia.
Prevenção do Zika em Feira de Santana
A chefe da Vigilância Epidemiológica, Verena Liberal, disse ao Acorda Cidade que a Zika continua sendo uma preocupação a nível epidemiológico para o município. Por isso, o trabalho de campo dentro das comunidades é contínuo tanto de prevenção quanto de educação da população.
“A nossa maior preocupação de fato é a prevenção, reduzir a infestação dos mosquitos e consequentemente a gente tem menos mosquitos que carregam esse vírus, para que a gente evite esse adoecimento. Mas, além disso, a gente também tenta e continua fazendo a sensibilização da população, porque o combate às arboviroses é um engajamento de todos. Então, a gente precisa muito que a população faça a sua parte”, frisou ao Acorda Cidade.
A coordenadora também alertou para os sintomas do Zika vírus que inicialmente podem ser manifestações clínicas comuns:
- Febre
- Vermelhidão
- Coceira
- Dores no corpo
- Dor de cabeça
“Mas ela pode evoluir para formas mais graves, como, por exemplo, o Guillain-Barré, que é uma doença mais preocupante, mais limitante, ou ainda, hoje nós estamos discutindo aqui, a síndrome congênita adquirida através do Zika vírus em mães que tiveram filhos com microcefalia.”
Famílias marcadas pelo Zika
Uma gestação que viria a transformar a vida de toda a família foi vivida por Érica Macedo. Há 10 anos, ela deu à luz a Arthur Macedo, diagnosticado com a microcefalia, condição em que a cabeça do bebê é menor do que o esperado para sua idade e sexo, devido ao desenvolvimento inadequado do cérebro durante a gravidez.
Ao Acorda Cidade, Érica contou a motivação dela e das outras mães que estavam presentes no seminário para discutir como estão seus filhos hoje, anos depois do surto do vírus. Antes do seminário, elas fizeram um levantamento sobre as necessidades e as demandas das crianças.
“Estamos relembrando que as crianças estão aí, algumas mães infelizmente perderam seus filhos, mas existem crianças ainda aí acometidas pela síndrome do Zika, às vezes nasceram com microcefalia e outras patologias. Então, hoje é necessário estarmos aqui para levantar de novo essa questão e quem sabe resolver alguns problemas.”
Segundo a mãe, o suporte médico por parte do estado só aconteceu no início do diagnóstico, entre 2015 e 2016. De lá pra cá, não há tratamentos especializados para as crianças que convivem com a doença.
“Logo que nasceu, os médicos, os pediatras que estavam lá, deram o diagnóstico da microcefalia. Arthur hoje, graças a Deus, é uma criança bem cuidada, porque nós tentamos trabalhar, não é um trabalho de carteira assinada, nós trabalhamos como autônomos e, com a ajuda da família, a gente consegue manipular e ministrar a vida dele da melhor maneira possível, tentando dar o máximo de qualidade de vida a ele”.
Érica contou que atualmente a família também conta com BPC [Benefício de Prestação Continuada] do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) — o equivalente a um salário mínimo — que não cobre as despesas da criança. Ela celebrou que recentemente o governo decidiu incluir as crianças com microcefalia na lista para receber gratuitamente as fraldas através do Farmácia Popular, mas criticou que não são adequadas para os pequenos.
“Mas nem todas as mães podem pegar essas fraldas, que já foi questionado sobre isso também. São fraldas geriátricas para adultos, mas têm crianças de baixo peso. Então, a gente precisa que essas crianças, com esse tamanho de fralda, entrem também no programa”, alertou.
Uma das discussões levantadas durante o seminário foi uma indenização por parte do governo de R$ 60 mil, além de um benefício mensal para as crianças diagnosticadas. Érica afirmou a importância da indenização para as famílias como um direito necessário e que precisa ser garantido pelo governo.
“Alguns falam de ajuda. É um direito nosso. Então, como direito, estamos sendo agora reconhecidos e observados, com a atenção virada ao estado, ao município, que essas crianças estão aí, que existem até, inclusive, as mães que perderam seus filhos, precisam ser, sim, indenizadas, porque tiveram a vida com essas crianças. E a vida parou, a vida para. Então, nem todo mundo consegue trabalhar mais. A mãe, ela tem que ficar presa ou o pai, realmente, ali dentro de casa com aquela criança. Então, vai ser muito benéfico, principalmente para dar qualidade de vida para essas crianças e automaticamente à mãe, à cuidadora.”
Com informações do repórter Ed Santos do Acorda Cidade
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