O direito brasileiro tem experimentado uma revolução silenciosa na proteção da paternidade ativa, mas essa evolução é insuficiente e cruel com os pais que lutam para estar verdadeiramente presentes na vida dos filhos. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu o marco inicial ao prever licença-paternidade (art. 7º, XIX), posteriormente regulamentada pela Lei 11.770/2008 (Programa Empresa Cidadã) e pelo Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2016). Contudo, essa evolução formal falha drasticamente em assegurar uma paternidade verdadeiramente ativa na prática cotidiana.
A licença-paternidade básica de apenas 5 dias consecutivos (art. 10, §1º do ADCT) é uma das menores do mundo, contrastando vergonhosamente com países como Suécia (480 dias) ou Noruega (49 semanas). Mesmo a ampliação para 20 dias nas empresas aderentes ao Programa Empresa Cidadã é insuficiente e facultativa, dependendo da boa vontade empresarial. Como se o vínculo paterno-filial fosse descartável após algumas semanas, enquanto outros países reconhecem meses de convivência paterna essencial.
A CLT concede apenas um dia por ano para acompanhar o filho ao médico (art. 473, XI), revelando uma legislação anacrônica que perpetua estereótipos de gênero. Como se a paternidade responsável coubesse em 24 horas anuais. Quando seu filho está doente, febril, precisando do pai, a legislação vira as costas. Na prática, quando uma criança adoece, a pressão social e empresarial recai automaticamente sobre a mãe, como se o cuidado paterno fosse secundário ou dispensável.
A realidade corporativa é devastadora: empresas frequentemente dificultam ou constrangem pais que precisam se ausentar para cuidar dos filhos, tratando-os como menos comprometidos profissionalmente. Pais que precisam levar filhos ao médico enfrentam olhares de reprovação, comentários sobre “falta de comprometimento profissional” e até ameaças veladas de demissão. A pressão social é implacável – somos julgados como menos dedicados ao trabalho quando priorizamos momentos cruciais da infância dos nossos filhos.
A jurisprudência trabalhista ainda é tímida e insensível à dor paterna. Tribunais raramente concedem danos morais por discriminação paterna, e o assédio moral contra pais que exercem paternidade ativa é subnotificado. Como se nossa luta para estar presentes fosse capricho, não direito fundamental da criança. O assédio moral contra a paternidade responsável é epidêmico e invisível ao Judiciário. A Lei 13.257/2016 (Marco Legal da Primeira Infância) trouxe avanços teóricos, mas sem efetividade prática no ambiente corporativo.
Na adoção, embora os direitos sejam formalmente equiparados à paternidade biológica (Súmula 71 do TST e art. 392-A da CLT), pais adotivos enfrentam discriminação adicional, como se o amor construído fosse menos legítimo que o biológico. Para famílias LGBTQIA+, os desafios se multiplicam exponencialmente. Apesar da equiparação formal garantida pela jurisprudência do STF (ADI 4.277) e STJ, enfrentam resistência velada de empregadores e lacunas interpretativas que geram insegurança jurídica. A discriminação interseccional (paternidade + orientação sexual) é realidade cotidiana, raramente punida adequadamente. A dupla discriminação é devastadora: lutam contra preconceito de orientação sexual e pela paternidade ativa, enfrentando resistência dobrada de empregadores que os veem como anomalias sociais. Ainda tratando em um direito comparado a Suécia assegura para famílias LGBTQIA+ o mesmo direito para o pai heterossexual.
Quando a empresa recusa licenças ou cria obstáculos, configura descumprimento legal passível de: 1) Reclamação trabalhista por danos morais e materiais; 2) Comunicação ao Ministério Público do Trabalho; 3) Denúncia à Superintendência Regional do Trabalho. Contudo, a jurisprudência é inconsistente sobre a efetiva proteção desses direitos, deixando pais desamparados na prática.
Como pai que sangra por cada momento perdido com os filhos e jurista que conhece as limitações cruéis do sistema, afirmo: nossa legislação é insuficiente, nossa sociedade ainda vê paternidade ativa como exceção, não regra, e nossa realidade jurídica é desumana com homens que escolheram ser pais de verdade. Seus direitos paternos, embora blindados constitucionalmente no papel, são frágeis na realidade cotidiana. Precisamos de revolução jurídica urgente – licenças paternais ampliadas e dignas, proteção efetiva contra discriminação parental e reconhecimento de que pai presente não é privilégio social ou favor ao homem, mas direito sagrado da criança e necessidade vital de uma sociedade que valoriza verdadeiramente a família. A luta continua, dentro e fora dos tribunais, cada dia que passamos longe dos nossos filhos por falhas legislativas e preconceitos sociais.
A paternidade jamais deve ser tratada como acessório ou complemento secundário na estrutura familiar. A paternidade constitui direito fundamental do pai – do homem, do ser humano – e, simultaneamente, direito fundamental da criança, formando um binômio indissociável protegido constitucionalmente. Nossa Carta Magna de 1988 consagra expressamente em seu artigo 227 o princípio do melhor interesse da criança, estabelecendo que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à convivência familiar. Em síntese jurídica: direitos fundamentais constituem cláusulas pétreas (art. 60, §4º, IV da CF/88), sustentáculos invioláveis do Estado Democrático de Direito. Os princípios constitucionais exercem dupla função normativa essencial: servem como bússola interpretativa para direcionar todo o ordenamento jurídico, orientando aplicadores do direito, sociedade e poderes constituídos, e possuem força normativa autônoma, gerando obrigações jurídicas concretas e direitos subjetivos exigíveis. Logo, o princípio do melhor interesse da criança deve encontrar aplicação prática cotidiana em todas as áreas – trabalhista, previdenciária, civil, processual – não como retórica vazia, mas como comando normativo imperativo que exige paternidade ativa e presente.
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