A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de aplicar uma tarifa de 50% sobre todos os produtos importados do Brasil a partir do dia 1º de agosto pode provocar efeitos graves na economia nacional. A análise é do professor de economia da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), Rosevaldo Ferreira, que aponta a possibilidade de desemprego e reestruturação comercial forçada como efeitos imediatos da medida.
“Sim, pode gerar desemprego. Nós temos hoje uma relação comercial, já foi muito maior, com os Estados Unidos”, destacou o professor. Ele explica que o Brasil exporta sobretudo commodities (matérias-primas agrícolas ou minerais) para o mercado norte-americano, como soja, café e alumínio. Empresas como Petrobras e Embraer exportam também.
No caso do alumínio, o impacto é ainda mais visível e serve de exemplo, uma vez que o produto já vinha sendo taxado.
“Quando você taxa o alumínio brasileiro em 50%, no caso dos Estados Unidos, quem compra esse alumínio basicamente são as indústrias aeronáuticas. Eles fabricam partes de aviões e vendem para o Brasil. O Brasil monta uma cabine, monta uma asa e reexporta para os Estados Unidos. Ou seja, quando você tarifa o alumínio, o produto fica caro. Isso gera desemprego nos Estados Unidos e também no Brasil.”
Segundo o professor, a medida pode causar efeitos negativos nos dois lados da relação comercial. “O comerciante americano que compra o produto brasileiro — o café, por exemplo — vai pagar 50% mais caro. Para revender, tem que repassar o preço do produto. Quando você vê a economia americana, que não é uma economia inflacionada, ela é bem pequena, isso pesa muito no serviço, pesa nos EUA.”
Ainda assim, o impacto será mais severo para o Brasil, especialmente no curto prazo. O professor destaca que o país será forçado a reposicionar seus mercados de exportação, tarefa que leva tempo e traz prejuízos.
“O produtor brasileiro vai ser empurrado a pegar o café brasileiro e, em vez de mandar para os Estados Unidos, mandar para a China. Ao mesmo tempo, reposicionar um mercado com outros parceiros comerciais, como os países baixos — Holanda, Dinamarca, Noruega. Isso não é de imediato. Vai levar um tempo, e nesse tempo a economia brasileira vai sofrendo.”
Ferreira ainda avalia que a diplomacia pode ser decisiva até a entrada em vigor da tarifa. “O que a gente espera com isso? Que a diplomacia atue até o dia 1º de agosto. O Trump já tem um histórico de blefar. Ele fala que vai tarifar, daqui a pouco ele volta negociando”, frisou.
Questões políticas na economia
Embora tenha evitado falar do lado político, o economista também comentou o contexto que motivou o anúncio das tarifas — a acusação de Donald Trump de que o ex-presidente Jair Bolsonaro estaria sendo perseguido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Brasil.
“Ele [Bolsonaro] está sendo julgado, tendo direito à ampla defesa, contraditório, não foi preso até hoje, tem acesso aos autos e tudo mais. Ele não foi torturado, não foi nada, não foi desaparecido como na ditadura. Então, não é assim.”
Ferreira também criticou a tentativa de Trump de associar a regulação das redes sociais pelo STF com a medida tarifária e destacou o Brasil como um país soberano que discute e cria suas próprias leis.
“O STF está tentando regular as redes sociais no Brasil, não tem influência nenhuma nos Estados Unidos. Então, a legislação americana fica para os Estados Unidos, e a brasileira, para o Brasil. Existe uma legislação brasileira. Quem vem de fora tem que cumprir. Como eu convido você pra minha casa e você não quer cumprir as regras da minha casa, quer impor as suas regras da sua casa? Aí não é bem assim.”
Reações políticas no Brasil
Ainda na quarta (9), o presidente afirmou que o Brasil vai responder ao tarifaço usando a Lei de Reciprocidade Econômica, que permite tomar medidas contra países que prejudicam o comércio brasileiro. Nas redes sociais, uma onda a favor da soberania nacional tomou conta da oposição quando Lula afirmou que “o Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém”.
Lula negou a acusação de Trump de que o Brasil teria um déficit comercial, mostrando que os EUA têm superavit com o Brasil há anos. Sobre as críticas de Trump ao STF e às decisões contra perfis nas redes sociais, o presidente disse que o Brasil combate discurso de ódio e fake news, respeitando a liberdade de expressão, mas sem permitir agressões.
Enquanto isso, na Câmara dos Deputados, parlamentares governistas acusaram os EUA de violar a soberania nacional e prometeram resposta firme com base na legislação brasileira. Já deputados da oposição culparam o governo Lula e o STF pela crise diplomática. A base aliada, por sua vez, apontou possível envolvimento de Eduardo Bolsonaro (PL), filho do ex-presidente, na articulação da medida.
Na quinta (10), manifestantes se reuniram na Avenida Paulista, em São Paulo, para protestar pela taxação dos super-ricos, pelo fim da escala 6×1 e pela taxação americana.
Entenda o contexto do Tarifaço e a possibilidade da “Cortina de Fumaça”
Em meio a pautas importantes sendo debatidas no Brasil — como o fim da escala 6×1 para trabalhadores e o tarifaço dos super-ricos —, vale se perguntar se esse tarifaço dos EUA não está servindo como uma grande “Cortina de fumaça”. Enquanto a atenção se volta para fora, essa pode ser uma estratégia agressiva para evitar que a população não se mobilize por direitos fundamentais da classe trabalhadora aqui dentro.
Apesar disso, a decisão de Donald Trump de taxar em 50% as exportações brasileiras não é um fato isolado. Ele já adotou medidas parecidas contra outros países, como Canadá, México e Japão, como forma de pressão nas negociações comerciais.
No caso do Brasil, a tarifa tem forte peso em números e em política. Além de críticas ao STF e à regulação das redes sociais americanas, a medida veio logo após a cúpula do Brics, realizada no Rio de Janeiro, que reuniu economias emergentes como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, além de novos membros como Irã e Arábia Saudita.
Para especialistas em economia, a decisão de Trump parece mirar o Brics como uma forma de atingir a China, seu principal rival comercial. E como nem todo movimento tem uma intenção clara, o comércio é apenas o pano de fundo de uma disputa maior por influência global.
Veja a carta dos EUA na íntegra:
9 de julho de 2025
Sua Excelência
Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República Federativa do Brasil
Brasília
Prezado Sr. Presidente:
Conheci e tratei com o ex-Presidente Jair Bolsonaro, e o respeitei muito, assim como a maioria dos outros líderes de países. A forma como o Brasil tem tratado o ex-Presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Esse julgamento não deveria estar ocorrendo. É uma Caça às Bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!
Em parte devido aos ataques insidiosos do Brasil contra eleições livres e à violação fundamental da liberdade de expressão dos americanos (como demonstrado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil, que emitiu centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS a plataformas de mídia social dos EUA, ameaçando-as com multas de milhões de dólares e expulsão do mercado de mídia social brasileiro), a partir de 1º de agosto de 2025, cobraremos do Brasil uma tarifa de 50% sobre todas e quaisquer exportações brasileiras enviadas para os Estados Unidos, separada de todas as tarifas setoriais existentes. Mercadorias transbordadas para tentar evitar essa tarifa de 50% estarão sujeitas a essa tarifa mais alta.
Além disso, tivemos anos para discutir nosso relacionamento comercial com o Brasil e concluímos que precisamos nos afastar da longa e muito injusta relação comercial gerada pelas tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil. Nosso relacionamento, infelizmente, tem estado longe de ser recíproco.
Por favor, entenda que os 50% são muito menos do que seria necessário para termos igualdade de condições em nosso comércio com seu país. E é necessário ter isso para corrigir as graves injustiças do sistema atual. Como o senhor sabe, não haverá tarifa se o Brasil, ou empresas dentro do seu país, decidirem construir ou fabricar produtos dentro dos Estados Unidos e, de fato, faremos tudo o possível para aprovar rapidamente, de forma profissional e rotineira — em outras palavras, em questão de semanas.
Se por qualquer razão o senhor decidir aumentar suas tarifas, qualquer que seja o valor escolhido, ele será adicionado aos 50% que cobraremos. Por favor, entenda que essas tarifas são necessárias para corrigir os muitos anos de tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil, que causaram esses déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos. Esse déficit é uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à nossa segurança nacional!
Além disso, devido aos ataques contínuos do Brasil às atividades comerciais digitais de empresas americanas, bem como outras práticas comerciais desleais, estou instruindo o Representante de Comércio dos Estados Unidos, Jamieson Greer, a iniciar imediatamente uma investigação da Seção 301 sobre o Brasil.
Se o senhor desejar abrir seus mercados comerciais, até agora fechados, para os Estados Unidos e eliminar suas tarifas, políticas não tarifárias e barreiras comerciais, nós poderemos, talvez, considerar um ajuste nesta carta. Essas tarifas podem ser modificadas, para cima ou para baixo, dependendo do relacionamento com seu país. O senhor nunca ficará decepcionado com os Estados Unidos da América.
Muito obrigado por sua atenção a este assunto!
Com os melhores votos, sou,
Atenciosamente,
DONALD J. TRUMP
PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
[Tradução da Carta feita pelo portal g1]
Com informações do repórter Ney Silva do Acorda Cidade
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