Acorda Cidade
 
Pouca gente sabe, mas na rua Dom Bosco, em Nazaré, funciona uma mesquita. Ela integra o Centro Islâmico da Bahia e recupera as raízes do islamismo na capital baiana, trazido pelos povos africanos e combustível da Revolta dos Malês, ocorrida em 1835.
 
Malê era o nome usado para identificar  os africanos convertidos ao islamismo que, na Bahia, eram, principalmente,  haussás e fulani, povos vindos da região onde hoje estão a Nigéria e a República do Benim.
 
O levante assustou o poder e,  após  a supressão da rebelião, instalou-se uma perseguição implacável, mesmo a africanos libertos.
 
Até quem não tinha culpa passou a ser mal visto e suspeito. Outro efeito colateral foi um silêncio que torna  essa história pouca conhecida, mas como diz o sheikh Ahmad Abdul, líder da comunidade islâmica na Bahia, a história tem sua dinâmica própria.
 
"História é história e não tem como você apagar. Quando eu cheguei aqui, em 1992, fui encontrando marcas dos malês até na arquitetura de igrejas, como a da Lapinha".
 
A chegada do líder religioso está fortemente ligada a essa resistência da história malê, recuperada em pesquisas acadêmicas, como a do historiador  João Reis, e nas ações dos movimentos negros.
 
Em 1991, um grupo, que envolvia religiosos do Islã vindos de são Paulo e estudantes africanos, organizaram um seminário no Centro de Estudos Afro Orientais da Universidade Federal da Bahia (Ceao/Ufba).
 
Logo em seguida, o grupo convidou o  sheik, que é nigeriano,  para assumir a mesquita. "Imagine que cheguei no Carnaval. Foi um choque", relata.
 
Mas logo o reconhecimento começou a acontecer. "A cor das pessoas, o jeito de andar, de cumprimentar,  lembrava muito as pessoas da minha terra", diz o religioso.
 
Um dos esforços do sheikh Abdul tem sido combater preconceitos contra o  Islã. "A nossa religião é de integração e para a paz. É triste quando as pessoas desvirtuam tudo".
 
O sheikh explica que o islamismo é baseado em cinco pilares: a declaração de fé no Deus único (Alah); a oração; a prática da caridade;  o jejum e uma visita a Meca em algum momento da vida.
 
"Quando se vai a Meca acontece o encontro com pessoas de todas as cores e de vários lugares do mundo. Isso nos lembra que somos todos iguais e estamos ali, com todas as nossas diferenças, para o mesmo fim, que é  rezar", completa o sheikh.
 
Comunidade
 
Na Bahia, segundo o último censo do IBGE,  443 pessoas declararam o islamismo como religião. Destas, 215 estão em Salvador.
 
A segunda cidade com maior número de adeptos da religião é Ubatã, no sul da Bahia com 43, seguida de Barreiras (35) e Lauro de Freitas (28).
 
Em Salvador, a mesquita é frequentada por baianos e também estrangeiros que vêm morar na cidade, como nigerianos e senegaleses.
 
Dentre os baianos, o contato com a religião acaba revelando raízes familiares. "Eu conheci o Islã em uma aula de história e me apaixonei. Aos poucos vim descobrindo as marcas na minha família", conta Hassan Abdel Rahman, 58 anos. Este é o nome sagrado dele.
 
Rahman descobriu que descende de malês. "Pelas coisas que ouvia em casa fui estabelecendo as conexões, inclusive como a repressão foi motivo para o silêncio sobre isso na família", afirma.
 
Fonte: A Tarde