Trânsito

A ponte

Quarenta anos depois da inauguração da Ponte já se fala em uma segunda ligação viária entre o Rio e Niterói, porque os congestionamentos são diários.

Por Vladimir Aras

Uma obra elitista, cara e desnecessária. Era o que diziam da ideia de construir uma ponte sobre a baía para ligar as duas cidades.
 
A viagem de mais de 100 km entre um lado e outro seria reduzida a menos de duas léguas, diziam. Mas não adiantava. A cada vez que se falava na ponte, os críticos tachavam-na de faraônica. “De jeito nenhum uma ponte aqui”, sentenciavam.
 
As coisas públicas costumam demorar. Era um sonho do governante construir a ligação viária, como outras no mundo. Quando a construção finalmente começou, haviam passado cem anos! E 39 anos, ficou pronta, com seus 14 km sobre a Guanabara: a Ponte Rio-Niterói. Mas esta história podia ser na Bahia.
Sobre a nossa ligação viária com a Ilha de Itaparica ouvem-se as mesmas críticas, o bulício é idêntico ao do século XIX, quando D. Pedro II quis construir a Rio-Nicteroy. quis. Não conseguiu. Os ataques ao “progresso” continuaram até 1968, quando a ditadura autorizou a obra.
 
A ponte ficou pronta em 1974. O “elefante branco” de outrora tornou-se uma das principais vias do Rio, um emblema do engenho humano na cidade presenteada por Deus com tantas belezas. Por ali transitam mais de 140 mil veículos todos os dias. Gente que trabalha, gente que estuda, gente que visita, gente que produz.
Imaginem o Rio sem a Ponte. O que seria da economia da cidade, combalida com o tráfico de drogas? O que seria das pessoas entregues ao suplício das balsas na interminável travessia? Como resolver o problema dos cidadãos que sofrem naquele transporte, o equivalente carioca do nosso ferry boat?

Quarenta anos depois da inauguração da Ponte se fala em uma segunda ligação viária entre o Rio e Niterói, porque os congestionamentos são diários. A ponte “inútil” ficou “pequena”. Querem construir um arco rodoviário e um túnel de metrô, ou uma segunda ponte.
 
Enquanto isto na Bahia, ainda quem acredite ingenuamente que não precisamos da ponte sobre a baía descoberta por Américo Vespúcio. Querem até que o debate fique restrito aos especialistas, olvidando que quem mais entende de uma cidade são os seus moradores.
 
Os refratários à ponte não sofrem por horas à espera do ferry boat ou não precisam fazer o contorno rodoviário pelo Recôncavo para alcançar outras paragens. Milhares de baianos precisam e fazem isto todos os dias. Atualmente, os atletas da travessia Mar Grande/Salvador chegam mais rápido a este lado da baía, a nado, que os sofredores usuários do terminal de São Joaquim. A coisa está tão feia que nem um bom despacho resolve.
No mundo inteiro, grandes baías, lindas enseadas, rios, lagoas e lagunas são cortados por pontes e extensas causeways. Basta visitar Nova Orleans, Miami, Tóquio, Sidney, Lisboa…
 
As maravilhas da Baía de Todos os Santos não desaparecerão à sombra da ponte. A proteção ambiental é fundamental para o futuro, mas o desenvolvimento também é. Se levássemos ao da letra certos dogmas, e Tomé de Souza houvesse acabado de chegar a estas terras, Salvador não poderia ser fundada onde foi. O Rio de Janeiro, a cidade mais linda do planeta, não estaria ali.
 
As cidades não ficam mais feias por causa de suas pontes. Se bem planejadas e responsavelmente construídas (de preferência sem corrupção, com segurança e respeito às leis ambientais), as pontes tornam-se cartões postais e atrações turísticas universalmente reconhecidas, como a JK de Brasília, a Hercílio Luz de Florianópolis, a estaiada de São Paulo, a Golden Gate de San Francisco, e a ponte do Brooklin em New York. Estas e outras tantas não são apenas úteis; chamam a atenção pela beleza e são exemplos do que de melhor a arquitetura e a engenharia, que são artes, podem oferecer.
 
Pontes embelezam, pontes alavancam o desenvolvimento, pontes unem pessoas. As longas estradas nos separam e nos atrasam. O Estado da “Baía” precisa da ponte agora. Uma ponte sem desvios, história tão comum nas grandes obras públicas brasileiras. Uma construção precedida de estudos de sustentabilidade. Uma iniciativa planejada, à altura desta cidade. Quem não tem lancha nem sabe nadar não pode esperar cem anos para ir rapidamente a Itaparica. Que Todos os Santos nos ajudem.