O art. 17-D da Lei de Lavagem de DinheiroO art. 17-D da Lei de Lavagem de DinheiroO art. 17-D da Lei de Lavagem de DinheiroO art. 17-D da Lei de Lavagem de Dinheiro
Em 22/fev, a AssociaçãoNacional dos ProcuradoresdaRepública – ANPRpropôsperante o Supremo Tribunal Federal a ADIN 4911 contra o art. 17-D da Lei 9.613/1998, introduzidopela Lei 12.683/2012. O dispositivodetermina o afastamentocautelar de servidorespúblicos de suasfunções em caso de seuindiciamentopelaPolíciaporlavagem de ativos. A açãodiretaserárelatadapeloministro Ricardo Lewandowski.
EstatemsidoumabandeiradaANPRdesde a discussão do projeto de lei 3443, que se converteuna Lei 12.683/2012. Como diretorjurídicodaAssociação, prepareiuma nota técnicasobre o tema. Tal pronunciamentofoiendereçadopelapresidênciadaentidadeaogabinete civil daPresidênciadaRepública com sugestão de veto ao art. 17-D. O veto nãoveio. A lei entrou em vigor. EntãoestaADINfoiproposta(aqui a petiçãoinicial).
A lei autoriza o afastamentocautelar de funcionáriospúblicos“indiciados”porlavagem de dinheiro (artigo 17-D). Veja:
Art. 17-D. Em caso de indiciamento de servidorpúblico, esteseráafastado, semprejuízo de remuneração e demaisdireitosprevistos em lei, atéque o juizcompetenteautorize, em decisãofundamentada, o seuretorno. (Incluídopela Lei nº 12.683, de 2012)
O artigoadmite o afastamentoautomático do investigado (queaindanãoéréu), pelosó“indiciamento”. Bastaque o servidorsuspeito de lavagem de dinheirosejaindiciadopelaPolícia.
Tal dispositivonãopodesermantido no ordenamentojurídico, senãomedianteinterpretaçãoconformeàConstituição, queexija, porexemplo, préviopedido do MinistérioPúblico e decisão judicial fundamentada, paraque se dê o afastamento. Équeumapessoaindiciadanãoseránecessariamentedenunciada (formalmenteacusada) peloMinistérioPúblico e, aindaque o seja, o juizpoderánemreceber a denúncia. Ouseja, teremos um indiciado, masnãoteremos um réu. E quemésóindiciadosemserréuestálivre de qualquerpunição.
Ademais, pessoasnãoindiciadaspodemserprocessadascriminalmentepeloMinistérioPúblico. Esteórgão, como titular daação penal, não se vinculaàconclusãodaPolíciapeloindiciamentodesteoudaqueleindivíduo.
Diga-seaindaquetalatopolicial, quenãoestáprevisto em lei, não se confunde com o indictment da common law. Lá o indictment equivaleànossapronúnciaouaorecebimentodadenúncia.
Conforme o Merriam Webster Dictionary, o indictment é “a formal written statement framed by a prosecuting authority and found by a jury (as a grand jury) charging a person with an offense”. Istoé, trata-se de umapeça de acusaçãopreparadapeloMinistérioPúblico e recebidapelo grand jury (júri de acusação, geralmentecompostopor 23 cidadãos), a fim de permitir a submissão do réu a julgamentopelo petit jury (júri de julgamento, geralmenteformadopor 12 pessoas). Aliás, aoqueparece, a palavra“indiciado”surgiupelaprimeiraveznalegislaçãobrasileira no Código de Processo Criminal do Império, de 1832, quesofreu forte influência do modeloprocessualbritânico.
No Brasil, porém, o indiciamentositua-senafasepré-processual e se restringeàinclusão dos dados de qualificação do suspeito nos registros de antecedentespoliciais, aindadurante o inquérito. Indiciar no jargãopolicialéconcluirquefulanofoi o autor do crime. Obviamente, estaconclusãoéprecária, pois anterior aodevidoprocesso legal.
Nãohácomoconsiderarpossível, portanto, que um servidorsuspeitodaprática de lavagem de dinheirosejaafastado em função de um despacho de indiciamento, queé um atopolicialsemestaturaprocessualnemqualquerconsequênciapara a ação penal oupara o própriosuspeito, salvo o abalo moral decorrente de seufichamento. Algumasvezes, o indiciamentopolicialtemservidoindevidamentepara a exposiçãoprematura de suspeitosàimprensa, como um rótulo: “SicranofoiindiciadopelaPolíciacomoautor de….”. [Achouesquisita a palavra "sicrano". Vejaeste post: "Reviravolta no caso Di Tal. Ciclano agora dizqueéinocente"].
Poroutrolado, nãohácomoconferirnaturezacautelaraoafastamentodecorrente do indiciamento, porquenãohácontraditórionafase inquisitorial, no procedimentoadministrativoconduzidopeloDelegado de Polícia. De igualmodo, nãoseriapossívelobter o afastamento do funcionáriopúblicopelosófato de o MinistérioPúblicoterconcluídonumprocedimentoinvestigatório criminal a seu cargo (um PIC, queéregidopelaResolução 13/2006 do CNMP) que o investigadoé o autor do crime.
Alémdisso, aoprever o afastamento ipso facto, acabou o legisladorporpermitirque o atosejapraticadosem o exame dos requisitos de fumuscommissidelicti e periculum in mora (oupericulumlibertatis em sentidoamplo), ousem a aferiçãodaproporcionalidade, necessidade e adequaçãodamedida.
Pareceque o legisladorbrasileironãoestásatisfeito com osresquícios do sistemainquisitivopolicial-judicialquevicejou no País de 1832 até 1988. VáriospaísesdaAmérica Latina fizeramsuasreformasprocessuais, paraimplantaçãodefinitiva do processo penal de feiçãoacusatória. É o caso do Chile, Colômbia e México e de algumasProvínciasargentinas. Vinte e cincoanosdepoisdaConstituição Federal – queteoricamenteinaugurou um modeloacusatório no Brasil -, o Legislativo continua a criarregrasque nos afastam do processo penal “de partes”: acusação versus defesa. Exemplosdistosão as previsõeslegaisquetoleram a representaçãodiretadaautoridadepolicialaojuizpara a realização de interceptaçõestelefônicas, buscas e medidascautelares em geral.
O art. 17-D daLLDéfrutodamesmaárvore. Transfereindevidamentefunçãojurisdicionalpara a autoridadepolicial e inverte a lógicadasmedidascautelares. Não se exigefundamentaçãoparaafastar o servidor. Porém, o afastamentosócessarámediantedecisãofundamentada do juiz. Ouseja, porabsurdo, o dispositivonãoexigetalmotivaçãopara a suspensãodaatividade do servidor, o que viola o devidoprocesso legal e o artigo 93, inciso IX, daConstituição, mas a impõepararestabelecer o status quo de quemaindaépresumivelmenteinocente. Um disparate.
Ainda se deveter em contaque o artigo 319, inciso VI do CPPtemdisciplinaprópria e geralsobremedidascautelarespessoais, aplicável a todo e qualquer crime, e nãosóaodelito de lavagem de dinheiro. Assim, o artigo 17-D da Lei 9.613/1998 torna-sedesnecessáriodiantedaprevisão legal geral, vigentedesde 2011, quepermiteaojuiz suspender o funcionário do exercício de funçãopúblicaquandohouverjustoreceio de suautilizaçãopara a prática de infraçõespenais.
De igualmodo, no âmbito dos crimes funcionais de prefeitos, o artigo 2º, inciso II, do Decreto-lei 201/67, determinaque, aoreceber a denúncia, o juizmanifestar-se-á, obrigatória e motivadamente, sobre o afastamento do réu do exercício do cargo durante a instrução criminal, em todososcasos.
Porfim, pode-selembrarque o artigo 20, parágrafoúnico, da Lei 8.429/92 autoriza o afastamento do agentepúblicoenvolvido em atos de improbidadeadministrativa, sejameles crimes ounão, massemprepordecisãofundamentadadaautoridade judicial oudaautoridadeadministrativacompetente, istoé, aquela com poderhierárquicosobre o agenteímprobo, restringindotalafastamentoànecessidadedainstruçãoprocessual.
Portaisrazões, o artigo 17-D deveriatersidovetadopelapresidenteDilmaRousseff. Infelizmente, não o foi. Espera-se agora quesejadeclaradoinconstitucionalpeloSupremo Tribunal Federal (ADI 4911), quelhepoderádarinterpretaçãoconforme, umavezque o seusentido literal ofende o contraditório, a ampladefesa, o monopóliodajurisdição (artigo 5º, XXXV, da CF), a isonomia e a presunção de inocência.
Imaginoduasleituraspossíveis:
a) o indiciamentopelaPolícianãoteriaefeitocautelarautomático em juízo. A administraçãopúblicaàqual o servidorindiciadoestivervinculadoficariaobrigada a instaurar um procedimentodisciplinar, no qual se verificaria a possibilidade de afastamento nos termosdalegislaçãopertinente (a Lei 8.112/90, porexemplo); ou
b) o indiciamentopelaPolíciateriaefeito em juízo, massomenteapós a intervenção do MinistérioPúblico, a quemincumbiriapromover a pretensãocautelar (art. 129, I, CF, afinal o pedidocautelaracessório serve aopedidocondenatório principal) a serdecididapelaautoridadejudiciáriacompetente, se presentesosrequisitosda lei processual, especialmenteos do art. 319 do CPP.
A alternativaseriariscaressaexcrescência do mapaprocessual penal. Qualquerdessassoluçõesteria a saudávelconsequência de acautelardireitosfundamentais e resguardar a organicidade do sistemaprocessual, rumo a modelogarantista e acusatório.
Nós usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nossos serviços, personalizar publicidade e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao utilizar nossos serviços, você está ciente dessa funcionalidade.
Termos de Uso
e
PolÃtica de privacidade